CAPÍTULO I

Por Kael. Para qualquer ser iluminado que encontre este amuleto.

Eu não tenho muito tempo para contar toda a minha história para você, mas eu preciso deixar alguma informação sobre esses acontecimentos caso aconteça algo comigo, o que provavelmente já aconteceu se você estiver ouvindo esta gravação. Estou usando esse amuleto mágico como um cofre para minhas lembranças. Não explicarei como usá-lo, se você está ouvindo, aprendeu por sua própria conta e risco.

Acho que devo contar quem sou eu primeiro… Chamo-me Kael, não posso contar-lhe minha idade, já que nem eu mesmo sei. O tempo dos anjos é diferente do dos humanos. Sim, eu disse anjo, sou um anjo ou como os humanos dizem: Um anjo caído. Mas não me leve a mal, eu não sou o tipo de anjo que caiu do Paraíso por querer ser mais que Deus, ou deuses, dependendo da sua concepção divina. Eu “caí” por opção, eu escolhi descer para a Terra.

Motivo? Aqui é bem mais interessante que lá em cima. Não entendo essa obsessão toda dos religiosos quererem subir para o Céu depois que morrerem. Exceto eu ter de impedir a entrada de maus espíritos, não acontece nada lá. Durante todo o meu dia, fiquei observando os humanos, vendo tudo que eles passavam. Guerras por grandes motivos, discussões por motivos banais, greves, manifestações, ditaduras [Como aquela na Alemanha décadas atrás, Hitler… Grande pensador. Sim… Eu estava vendo lá de cima.], mas voltando ao assunto… No Céu não acontecem tantas coisas assim, digamos “emocionantes”. Você passa a maior parte do tempo sentado na grama verde, sem se lembrar da sua antiga vida ou de seus parentes, se os encontrar por lá, vão agir como se não conhecessem um ao outro e fossem apenas novos amigos.

Mas não estou contando esta história para descrever o Céu, e sim para mostrar como foi minha estadia aqui na Terra até o presente momento.

Ainda no Céu, o anjo Machiel me convocou para uma reunião. Disse-me que eu precisaria ir à Terra, para encontrar um corpo humano, sem dar muitas explicações. Eu aceitei logo de cara, queria mais diversão na minha vida e visitar a Terra seria uma experiência incrível. Quando aceitei apenas vi um grande clarão de luz se formando a minha volta, senti o vento forte bater em meu rosto e colidi com algo. Quando abri meus olhos vi que estava em uma casa, provavelmente eu já estava na Terra. A casa era muito bonita, móveis luxuosos e estátuas douradas espalhadas pela sala.

Ouvi passos vindos de cima e um humano parado na escada me olhava incrédulo, olhos arregalados e boca aberta. Levantei-me devagar, fechei minhas asas e o chamei com o dedo. Por algum tempo ele ficou parado na metade da escada, depois começou a andar lentamente descendo os degraus. Quando desceu veio em minha direção e, percebi que eu estava brilhando, cessei a aura angelical, minhas asas sumiram e minha toga branca se transformou em uma roupa social usada por humanos. Avaliei-o dos pés a cabeça: Cabelos curtos castanhos, barba por fazer, olhos da cor de mel, bem claros, caídos como se não dormisse há dias, corpo forte, usava uma jaqueta preta com uma blusa cinza por dentro.

– O que é você? – ele me perguntou com uma expressão assustada.

Mostro novamente minhas asas e o rapaz se afasta até tocar o sofá.

– Sou um anjo enviado para buscá-lo. – respondo seriamente.

– Buscar a mim? – perguntou ele. – Por quê?

– Fui enviado por meu superior para encontrar um humano que me sirva como corpo. Tenho que levá-lo ao Céu.

– Mas por quê? – ele pergunta novamente.

– Lá, Machiel nos dará as devidas explicações. – respondo, me aproximando.

– Primeiro me responda, – disse ele. – quem é você?

– Sou o anjo Kael. – Eu disse calmamente. – E você… Allen, não é? Allen Cross.

– C- como sabe? – Gaguejou ele.

– Eu sou uma presença muito além de seus conhecimentos, rapaz.

– Eu não quero. – negou. – Eu não aceito ser sua casca.

– Eu não estou lhe dando opção. Ou você vem, ou você vem. – respondi, e então toquei a testa de Allen.

Nossos corpos brilharam e começaram a se fundir. Vi em minha mente todas as lembranças de Allen: seus primeiros passos nesta casa, ainda bebê; ele brincando com seu pai no jardim, aos 11 anos; seu primeiro amor na escola, aos 14; até o seu primeiro emprego, aos 16. O corpo de Allen agora possuía um brilho de cor branca, forte o bastante para cegar um humano que olhasse diretamente para mim. Comecei a levitar em direção ao teto. Logo estávamos passando pelo buraco que fiz quando caí, sua mente e os meus pensamentos estavam em conflito, ele não aceitava que eu o comandasse. Infelizmente seu corpo não suportou o meu poder por muito tempo e então, ao atingir cerca de 200 metros do chão, explodimos no ar e seu corpo se dissolveu.