Quando a lâmina da tesoura de Gina atravessou pela primeira vez a ponta dos fios de cabelo de Lawrence, a reação da Potter foi fechar os olhos apreensiva. Ouviu a risada debochada da Weasley atrás de si. Isso fez Lawren franzir levemente as sobrancelhas e olhar de soslaio para a menina, que tentava disfarçar que estava achando extremamente engraçado o fato da Potter estar com medo de uma tesoura.

–Você pode se acalmar, sabe. Eu cortava os cabelos de Gui quando eu era mais nova. Ele e mamãe sempre gostaram do jeito que eu cortava. Agora quem corta é a Fleuma, e sinceramente, o Gui está ridículo. – falou Gina sem muita emoção, e Lawrence bufou.

– Somente cale-se e faça o que tem que fazer. Eu não estou interessada em Gui, Fleuma ou na Sra. Weasley. – a Potter disse, e mesmo sem ver a Weasley, ela sabia que a garota tinha um sorriso de canto nos lábios.

– Qual é o seu problema, Lawrence?! – perguntou Harry, irritado – Gina veio aqui na boa vontade e.... – o barulho de tesoura cortando os fios e uma risada singela das ruivas fizeram o menino se calar.

– Não pense que me sinto mal com isso, Harry. – falou Gina – Até parece que não conhece sua irmã. Afinal, bem-vinda de volta, Lawren. Você estava muito estranha antes de vir para o hospital. – falou Gina, cortando mais parte de uma mecha e enrolando o cacho calmamente – Digo, bem mais feliz. – ouviu com satisfação a Potter bufar mais uma vez.

– Fique confinada em um quarto por uma semana e veja se seu humor não muda, Gina. – sibilou, e a Weasley sorriu, reprimindo uma risada.

Os próximos dez minutos se seguiram em silêncio entre o trio, somente ao som dos cochichos e risadas das meninas da outra mesa, que aparentemente conversavam sobre quem iria conversar com eles, agora que não era somente uma Potter que estava ali. Quando a lâmina da mão de Gina parara de se mexer e um suspiro dela foi ouvido, Lawrence se virou, tentando mostrar, inutilmente, o menor sinal de apreensão.

– Bem, você decide o adjetivo que quer dar ao seu cabelo agora, mas eu posso dizer somente uma coisa: eu sou demais. Sinceramente, antes você estava pior que um elfo doméstico maltratado por cinquenta anos. – falou a Weasley, limpando a tesoura com a blusa cinza e colocando-a dentro de sua bolsa preta.

– É bom saber que eu estava linda antes. – falou a garota com um sorriso irônico nos lábios – Me dê um espelho, alguém. – Gina suspirou enquanto procurava um dentro de sua bolsa.

Durante o tempo em que a Weasley fazia isso, Lawrence conseguiu reparar que a menina havia evoluído muito em aparência em apenas uma semana – não que estivesse extremamente diferente ou mais bonita, mas certamente as roupas que a menina usava no verão valorizavam bem mais o próprio corpo. Naquele dia ela estava com uma blusa cinza de mangas cavadas que tinha um nó na parte de baixo, o que fazia parte de sua barriga lisa aparecer, mas nada que a fizesse parecer vulgar. Usava juntamente com isso um short jeans azul claro, com seu All Star preto e uma blusa preta que era trabalhada em fitas que se transpassavam e davam um detalhe “medieval a sua bolsa”. Seus lábios tinham um batom levemente rosado, que não era muito chamativo, e ela usava brincos de pena. Mas de todas as coisas, seu cabelo ruivo era certamente o que mais mudara em sete dias. Estava três vezes mais longo que o normal, e bem mais liso que anteriormente, quando seu cabelo era levemente ondulado nas pontas.

– O que fez com seu cabelo? – perguntou confusa, colocando a ponta de seus dedos nos fios ruivos de Gina, logo depois soltando, olhando para a menina que parou de procurar e olhou atentamente para seus olhos verdes.

– Poção para fazer o cabelo crescer. É meio complicada, mas Fred e Jorge fizeram com facilidade para mim. Eu sou a menininha deles no fim, então eu me aproveito por saber que eles têm vários ingredientes e pedi para fazerem. Posso pedir para eles fazerem para você também, se quiser. Mas, sinceramente, acho que você ficou original assim. Ficou diferente. – disse Gina, parecendo se lembrar de onde colocara o espelho e tirando imediatamente de dentro do acessório, alcançando a Potter.

A menina pegou apreensiva o objeto um tanto quanto grande, e respirou fundo antes de se olhar no espelho. Quando seu reflexo a encarou no espelho, ela não se sentiu deprimida como estava se sentindo desde que entrara naquele hospital. Ela estava bonita, com certeza. Sentia falta, muita falta, de suas madeixas longas, mas o trabalho de Gina fora muito bom. Ela conseguira dividir uma franja mais longa para um dos lados da cabeça da Potter, e a franja era levemente cacheada. Todo o seu cabelo estava cacheado até as pontas, mas sem ser cachos volumosos. Como seu cabelo ficava bem mais claro nos fios mais para trás da raiz, os cachos tinham uma cor alaranjada com alguns fios amarelados, o que deixava o corte bonito. Sem falar que a Weasley havia conseguido, de alguma forma, colocar mais volume, cor, brilho e comprimento somente com uma tesoura. Claro que ela sabia que cor e brilho era algo de sua cabeça, mas o volume e o comprimento eram algo indiscutível.

– Isso... – olhou para a Weasley – Ficou ótimo, Gina. Digo, como você conseguiu fazer isso ficar maior? – perguntou, assustada.

– Que maior, nada. Eu só cortei em camadas e não cortei reto. Isso dá impressão de um cabelo com volume, mas não tanto. Curto, mas que parece mais longo. Como você cotou o seu cabelo com uma faca, alguns fios acabaram por ficar mais longos e outros mais curtos, então o trabalho ficou mais fácil, na minha opinião. – falou ela com simplicidade, enquanto dava uma risada e olhava para Lawren.

A Potter subitamente parecia apreensiva com algo. Colocou uma mão em sua nuca, onde sentia alguns cachos ainda passando por ali. Passou seus dedos através dos cachos, e sentiu sua cicatriz ali. Fechou os olhos, e suspirou, olhando para e Weasley.

– As pessoas conseguem ver minha cicatriz com esse corte? – perguntou, meio tímida de indagar algo tão bobo.

– Sim, se você fizer algum coque ou baixar seu rosto, porque assim o cabelo sobe. – respondeu, sem perguntar o motivo da pergunta, no mínimo, estranha – E então, vai querer que Fred e Jorge façam a poção ou quer esse corte? – perguntou, esperando ansiosamente uma resposta.

Os olhos verdes de Lawren se direcionaram ao Sol, que tinha a mesma cor que seu cabelo. Acariciou a ponta de um cacho, e sentiu uma brisa leve pegando seu rosto. Se fechasse seus olhos, poderia ouvir calmamente as risadas das crianças da escola. O barulho da lâmina de uma tesoura cortando seu cabelo na frente de um espelho. O som de um choro abafado no travesseiro.

“Eles me chamam de estranha. Eles não conseguem entender porque essa cicatriz não sai, mamãe. Eles são maus. Eu não quero voltar para lá... Faça isso parar, por favor... Faça isso parar... Tire isso de mim e faça isso parar...” era o que a voz sempre dizia quando pensava nisso.

Ninguém, nem mesmo Carrie, um dia soubera o que havia por trás dos madeixas longas e ruivas de Lawrence Potter. Muito além de uma cicatriz, muito além de uma nuca machucada. Seus cabelos longos sempre tiveram um significado simbólico, e não pretendia contar a ninguém sobre esse símbolo.

Mas somente ela sabia desse fato.

De todas as coisas que podia ter medo, duas eram as que mais a atormentavam. A primeira, que Hogwarts toda sabia, era sangue. A segunda, que ninguém nunca soubera e a Potter nunca deixava transparecer, era o medo de ter seus cabelos curtos ao ponto de todos verem sua cicatriz. Ambos os medos a atormentaram tanto no passado, que não podiam ser tolerados no presente. Mas estava na hora de deixar de ter medo disso. Afinal, era Lawrence Potter, a menina confiante da Slytherin.

Ninguém, além de Draco, Daniel, Snape, Gina, Harry, Carrie, o homem rabugento do seu quarto e a enfermeira realmente haviam a visto de perto, e ela não sabia se conseguiria encarar toda Hogwarts com um cabelo curto. Mas ignorou o frio na barriga ao olhar para Gina com um sorriso e falar:

– Por que cabelos longos quando posso me refrescar bem mais com cabelos curtos, certo? – perguntou, e mexeu nos cachos – E de qualquer modo, eu sou gata de qualquer jeito. Com cabelo curto, ou sem cabelo curto. – disse, calmamente, e voltando a se sentar contra a árvore.

– Com certeza. – falou Gina – Pois bem, eu vou saindo. Vou dar um tempo para Harry falar com você. Tenha uma boa estadia, Lawren.

A Potter assentiu, e agradeceu baixinho pelo corte de cabelo. Enquanto a outra ruiva saía, os irmãos observavam calmamente o que acontecia em volta do pátio. Os risos das meninas dali de perto estavam mais altos e os cochichos cada vez mais audíveis. Lawrence suspirou e olhou sem interesse para o irmão.

– O que há com....

– O que era aquilo no seu rosto? Primeiro no ministério e depois na batalha com Ysun. Você não me conta, e eu fiquei imaginando o que aquilo poderia ser. – falou o menino, seriamente.

– Não interessa, Harry. Era algo que nem mesmo eu sei para o que serve. Esqueça aquilo, não era nada. Eu acho que é somente algo que restou de Voldemort em mim. Como você, na ofidioglossia. Eu tenho essa coisa nos meus olhos. – falou, e o garoto fez uma cara engraçada.

– Certo. Só... Tente não fazer isso na frente das outras pessoas, porque é meio estranho ver isso. – falou, e a ruiva cerrou os olhos, fazendo os cílios ficarem próximos um do outro.

Ela pôde até mesmo sentir sua íris escurecendo do verde claro ao escuro. Franziu a testa e ficou séria de uma hora para outra. Seus dedos se fecharam, e ela respirou fundo. Separou os dedos e mordeu a almofada do polegar.

– O que quer dizer com isso? – perguntou controladamente.

– Quero dizer que conheço os alunos daquela escola. E eu não quero imaginar o que diriam de você se descobrissem sobre esse seu pequeno defeito. – falou Harry, começando a ficar nervoso.

– Pequeno defeito... – ela riu secamente – Esse não é o motivo. Eu também conheço os alunos daquela escola. Você não quer que eu mostre isso porque no fundo, vai acreditar em qualquer coisa que eles disserem. – falou, com os olhos úmidos. Não que estivesse com vontade de chorar. Seus olhos ficaram aguados de uma hora para outra, mas ela sabia que mesmo se tentasse, não derramaria lágrima alguma.

– Não é isso... É que é meio estranho, sabe...

– Sim. Sei. Claro que sei. Eu também sei que você é um inútil. Eu achei que seria mais compreensivo, sabe. Visto que você também tem algo “de Tom”. – falou cínica, mas ainda calma, se levantando junto com o irmão, enquanto sinalizava as aspas.

– Oi! – falou uma das meninas que há muito olhavam os dois – Vimos que são os Potter, e queríamos saber se podíamos, sabe, conversar aqui com vocês... – ela disse, e Lawrence a olhou, sorrindo.

– Ah, desculpe, meu anjo. – disse sem demonstrar a ironia de suas palavras – Eu já estava de saída. Mas o Harry vai ter prazer em falar com vocês. Ele é uma pessoa fútil, mas dá para aturar de vez em quando. – completou, olhando para o irmão e pegando sua bolsa – E você. Deveria voltar para os Dursley. Pelo visto os ensinamentos deles estão entrando em sua mente neste verão, visto que você está mais estúpido que o normal. Boas férias, Harry. Tchau, garota. – finalizou, andando sem dificuldades para a escada de entrada ao hospital.

***

Depois de dois dias, o dia finalmente chegara. Estava com um frio na barriga, mas não sabia quem veria por trás das portas naquela manhã. Não via Draco há quase uma semana, e estava realmente a fim de saber o que estava acontecendo na casa do loiro, uma vez que seu pai era um comensal e ela não perguntara nas duas outras visitas do melhor amigo. Daniel aparecera dois dias antes, e contara para ela que a Potter teria uma surpresa ao ver onde iria morrer, então, naquele dia, ela já estava pronta para sair do hospital. Esperava ansiosamente batucando os dedos no colchão e balançando as pernas, enquanto encarava a porta apreensiva.

Quando a fechadura virou e a porta abriu, ela ficou boquiaberta ao avistar a pessoa com quem moraria pelo resto das férias. Com as roupas surradas e a barba por fazer, ele ainda tinha um olhar extremamente cansado, consequência muito provavelmente da lua cheia que viera dois dias antes. Ela sorriu ao ver o sorriso dele, e deu um abraço apertado no padrinho.

– Pronta? – perguntou, e um balançar de cabeça foi o suficiente para o homem entender que ela estaria pronta para ir até para de baixo da ponte se fosse para sair daquele hospital.

E no fundo, ele sabia que se fosse ele que estivesse ali, ele pensaria na mesma coisa.