CAPÍTULO 09 - INCÊNDIO

–Foi você quem fez aquilo? Por quê?- eu já desconfiava, mas mesmo assim foi inesperado.
–Você estava levando uma surra, ia ser a única a reprovar e até aquele momento você e o Cascão foram as únicas pessoas que eu havia conhecido!- ela falou como uma se confessasse um crime sem remorso.
–Mas o fato é que não adiantou nada!- Cebola disse.
–Então acho que é melhor agirmos logo! Qual é a sua ideia Magali?- Cascão perguntou.
–Primeiro eu preciso que você encontre o lugar onde eles vão fazer o novo teste e volte o mais rápido possível!
–Beleza, volto já!- Cascão correu até as escadas que levavam a porta do porão, saltou e se transfigurou em um pequeno pássaro.
–E o que fazemos até ele voltar?- Cebola olhava em volta tentando encontrar coisas mais interessantes que caixas vazias.
–Se este vai ser nosso QG provisório, então vamos ter que abrir mais espaço!
–Por que eu fui perguntar!
–Bom, então vamos começar!- eu já estava arrebaçando as mangas do pijama quando Cebola me interrompeu.
–Espera! Vamos fazer disso sua primeira aula de auto controle!
–Como assim?- o olhar da Magali dizia que a ideia do Cebola era mera desculpa para fugir do trabalho.
–Mônica, tente afastar essas velharias até as paredes!
–Mas, agora? Sem um aquecimento?
–Respirar fundo e se concentrar. São as duas coisas fundamentos pra quem está começando!- Magali parecia ter mudado de opinião quanto a ideia do Cebola.
–Eu posso tentar!- falei, afinal era para isso que eu tinha tirado aquelas pessoas da sala de aula. -Mas vocês vão ter que se afastar.
Sem demora os dois foram até um espaço livre de uma coluna.
Fechei os olhos, o porão estava silencioso como o vácuo, esperei até sentir o ar à minha volta ficar mais denso. A eletricidade lentamente surgiu e se espalhou do meu coração para a pele, e da pele para tudo em volta de mim.
Abri os olhos a tempo de ver uma onda de ar se alastrar pelos quatro cantos do porão. Os armários, caixas, mesas e cadeiras foram atirados contra as paredes tão intensamente que o barulho equivaleu ao de uma casa desabando. Tudo ficou em pedaços, assim como a minha antiga cômoda, algumas lâmpadas ainda funcionavam, o lugar estava tomado pela poeira antes acumulada. De algum lugar Magali e Cebola espirravam e tossiam.
–Menina, que estrago! Cof!- Magali se aproximou abanando os braços. -Como é que você faz isso?
–Eu não sei! É como pular de um trampolim, você sabe que vai cair na água gelada mas não pode fazer nada pra impedir!- toda aquela energia em mim se dissipou deixando um leve cansaço no lugar.
–Eu não consigo ver nada!- Cebola estava com a voz áspera, de fato o pó cobria o porão como uma névoa escura.
–Calma, um ventinho resolve isso!- Magali falou.
Uma brisa fresca rodopiou pelo espaço e dispersou a poeira permitindo que a claridade voltasse ao recinto. Nós provavelmente estávamos abaixo de uma das alas do colégio, a área livre agora era maior do que precisávamos.
–Mas, o quê aconteceu aqui?- Cascão havia voltado.
–Só uma repaginada no lugar! Gostou?- Magali perguntou.
–Bom, se colocar duas cestas de basquete vai ficar perfeito!
–E então? encontrou o local do teste?- perguntou Cebola enquanto arrumava os cabelos espetados.
–Sim, é o ginásio. Acho que eles vão chamar os alunos no fim das aulas de hoje!
–É tempo suficiente! Agora só precisamos ir até lá sem chamar atenção!
–Minha vez de contribuir com o plano!- Cebola caminhava na direção oposta a da porta. -Vamos!

Tivemos que prender a respiração por minutos aterradores enquanto Cebola nos guiava por baixo da terra até o ginásio, foi como mergulhar num lago à meia noite. Emergimos dentro de um dos banheiros do ginásio que por sorte estava vazio.
Magali fez sinal pra que ficássemos calados e seguiu até a porta, saímos sorrateiros em direção a quadra desportiva e nos escondemos atrás da arquibancada pra ver os preparativos da prova.
Vários homens carregavam cabos elétricos grossos para o centro da quadra onde havia uma espécie de tablado, enquanto isso outros posicionavam coisas que pareciam bazucas em tripés ao redor da quadra.
–O quê você acha que eles estão montando?- Cascão sussurrou.
–Acho que os alunos vão ter que se defender de, sei lá, bombas de tinta. Eles nunca usariam balas de verdade contra estudantes!- Cebola não teve muito convicção no que disse.
–Ninguém vai precisar se defender!- Magali estava alerta e sorrateira.
–Como é que você vai impedir isso tudo usando só vento?- era uma pergunta que estava na minha cabeça faz um tempo.
–Eu não vou usar vento amiga, vou usar fogo!- ele deve ter percebido minha cara de confusa porque depois emendou: -Ahn, eu esqueci de te dizer. Por mais que eu deteste minha mãe diz que eu sou a filha da natureza só porque eu controlo tudo que é natural!
–Tipo, quatro elementos?- Cascão perguntou debochadamente.
–Bem mais do que isso, querido.
–Que tal irmos direto ao assunto? Eu não estou muito confortável nesse canto aqui!- Cebola tirou as palavras da minha boca.
–Okay, aquela deve ser a caixa de energia!- Magali apontou para um disjuntor ao lado da arquibancada oposta. -Fiquem quietos!
Magali concentrou sua visão no disjuntor, nada parecia estar acontecendo, os operários continuavam a andar carregando coisas eletrônicas. Um instante depois um fio de fumaça escapou para fora da caixa de metal, em seguida as chamas surgiram.
Os primeiros funcionários a perceber as chamas correram até os extintores enquanto alertavam os outros sobre o "acidente". Antes mesmo que pudessem fazer algo as chamas aumentaram causando uma explosão assustadora, línguas de fogo jorraram e proliferaram as chamas.
Magali estava cuidando para que o fogo se intensificasse, os homens começaram a sair a medida que o calor tornava-se insuportável.
–Vamos embora! Deu certo!- falei.
Seguramos nas mãos um do outro e submergimos na escuridão por um tempo menos angustiante que antes. Voltamos a terra firme atrás da ala de salas de aula, ouvimos uma sirene incessante tocando e passos pesados de pessoas correndo. Olhei pela janela e a classe estava vazia.
–Eles devem ter ido para o pátio!- supus.
Corremos até lá, dezenas de alunos boquiabertos e professores preocupados se aglomeravam no pátio, à uns trinta metros o ginásio expelia fumaça negra pelo teto e as janelas cintilavam a luz laranja das chamas que reduziam o lugar à cinzas.