Uma Garota Especial escrita por Dream


Capítulo 1
Bem-vindo a Sandy Bend


Notas iniciais do capítulo

"Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito."
— Machado de Assis



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/563103/chapter/1

Holly Adams julgava-se uma mulher sofis­ticada, independente e moderna. Durante os longos anos de solidão desde que se mudou para a Ca­lifórnia, convencera-se de que as sardas que cobriam seu nariz eram quase imperceptíveis, e que os cabelos longos, de cachos castanho-avermelhados, não se transformavam em um emaranhado volumoso quando o tempo estava úmi­do... Mas um simples olhar no espelho retrovisor bastou para que a ilusão que criou a respeito de sua autoimagem se desmoronasse.

Ajeitou uma mecha atrás da orelha e justificou suas olheiras profundas e a expressão abatida dizendo a si mesma que desapareceriam depois de uma boa noite de sono.

Ela viu a marcha do pequeno carro esporte que conseguiu comprar com as economias de anos de trabalho e estreitou os olhos ao avistar a placa onde mal se podia distinguir a inscrição desbotada: Bem-vindo a Sandy Bend.

Com uma ponta de apreensão atravessou a velha ponte de madeira que, embora desgastada pelo tempo, ainda pa­recia tão sólida e maciça quanto da última vez que a vira. Embora passasse das quatro horas da tarde, o sol intenso do verão emprestava um brilho quase mágico à pequena cidade, espremida entre o lago Michigan e o curso monótono do rio Crystal. Sandy Bend não poderia ter crescido, mesmo se quisesse.

Holly suspirou, consolando-se com a ideia de que era tranquilizador saber que algumas coisas nunca mudavam.

Com um sorriso triste, refletiu que aquela também era a razão pela qual se mantivera distante nos últimos sete anos. Por mais que tentasse se convencer de que ela própria havia mudado, receava confrontar a verdade. Voltar a Sandy Bend representava colocar-se à prova e descobrir se continuava sendo Holly Desastrada, como era chamada em sua infância.

Porém, não fizera a longa viagem da Califórnia até Mi­chigan apenas para descobrir se as lembranças traumáticas de sua infância ainda a perturbavam. Havia uma razão mui­to mais forte para estar ali, e pretendia não ficar na cidade nem um segundo a mais do que o necessário.

Ao avistar as primeiras casas, com amplas varandas e jardins bem cuidados, o coração de Holly se apertou no pei­to. Uma estranha sensação a invadiu, e ela diminuiu a ve­locidade para apreciar a cidade. Forçando-se a prosseguir, tentou controlar as emoções confusas que lhe oprimiam o peito, fazendo com que grossas lágrimas brotassem de seus olhos.

- Enfrente seu destino, garota! - disse para si mesma ao estacionar o carro em frente ao mercado, que conservava exatamente a mesma fachada de sete anos atrás.

Holly apanhou a bolsa e ajeitou os cabelos o melhor que pôde. Apenas para reafirmar sua autoconfiança, aplicou uma ligeira camada de batom e cobriu os longos cílios com rímel. Depois de uma rápida avaliação no espelho retrovisor, sen­tiu-se um pouco melhor. Ao menos não era mais a garota de dezoito anos, insegura e humilhada, que saíra da cidade anos atrás.

- Você não é mais a mesma pessoa - consolou-se, ten­tando se reafirmar.

Desceu do carro e se pôs a caminhar de cabeça erguida, convencida de que ninguém a reconheceria. Não deixou de notar que uma butique ocupava o lugar da antiga loja de sapatos, e um café havia substituído a farmácia. Com exce­ção das duas mudanças, a cidade estava exatamente como sete anos atrás. Sandy Bend estava intocada pelo progresso.

- Holly? Holly Adams?

Holly sentiu o sangue congelar ao focalizar a rechonchu­da senhora que ajeitava os óculos na ponta do nariz, bem a sua frente. Olívia Hawkins era mais magra sete anos atrás, concluiu para si, forçando um sorriso amigável.

- Sou eu mesma, sra. Hawkins.

- Meu Deus, eu quase não a reconheci! Você está ótima! Quem diria que se transformaria em uma mulher tão linda! - Aproximando-se, avaliou-a de alto a baixo antes de pros­seguir - Bem, quem sabe isso possa animar um pouco mais a cidade! Oh, nunca vou me esquecer daquela vez em que você caiu em cima do bolo na festa de aniversário da cidade...

- Isso foi há doze anos, sra. Hawkins - Holly cortou com tom áspero.

- Mas me lembro como se fosse ontem! As pobres volun­tárias do orfanato passaram horas confeccionando o bolo...

Holly começou a entrar em desespero. Uma nuvem car­regada parecia obstruir seu raciocínio. Se aquela mulher de­cidisse comentar todos os desastres que haviam sido provo­cados pela adolescente desajeitada de anos atrás, ficariam paradas ali até o anoitecer.

- Foi um prazer revê-la, sra. Hawkins - disse com voz firme, resolvendo que estava na hora de interromper as re­miniscências desagradáveis.

- E aquela vez em que você...

Dirigindo-lhe um olhar que dizia mais que mil palavras, Holly se misturou a um grupo de turistas e seguiu seu ca­minho. Deteve-se diante da delegacia, poucos passos adian­te, e subiu lentamente os degraus, respirando fundo para se acalmar.

Na realidade, chamar aquele cubículo de "delegacia" era generoso demais para descrever a pequena sala com duas escrivaninhas e quatro cadeiras. Um dos policiais da cidade, debruçado sobre a mesa, dormia um sono profundo, com um exemplar de uma revista antiga caído no chão. Holly sentiu pena de perturbá-lo, mas atravessou o país apenas para fazer aquilo.

- Explique o que quer dizer isto! - bradou, jogando um recorte de jornal sobre a mesa.

Sobressaltado, o rapaz quase caiu da cadeira, e a fitou como se ainda estivesse mergulhado em um sonho.

- Holly? - Esfregando os olhos, ele se pôs de pé em um pulo. - O que... O que você está fazendo aqui?!

- Explique! - ordenou, tamborilando as unhas bem-fei­tas sobre o recorte.

Mitch abriu a boca e fez menção de dizer alguma coisa, mas calou-se. Se não estivesse tão furiosa, ela teria achado graça do ar abobalhado e confuso estampado no rosto de seu irmão mais velho.

- Bem, parece que você ainda está um tanto sonolento... Nesse caso, vou ajudá-lo. Aqui diz: Chefe Adams recupera-se após cirurgia no coração.

- Ah, isto? Bem, hum.... Sim, a notícia... - Gaguejando, Mitch baixou os olhos, desconcertado. - Sabe, não é nada demais...

- E suponho que não seja nada de mais que eu tenha descoberto que papai teve um enfarte, colocado em minha caixa de correio por um informante anônimo!

Mitch voltou a palma das mãos para cima e ergueu os ombros, sem ter como argumentar.

- Holly, papai não queria preocupá-la. Ele achou que você gastaria uma fortuna para vir para casa, e... - Dete­ve-se e pestanejou. - Você está mais alta? Parece que há alguma coisa diferente...

Durante todo aquele tempo Mitch nunca foi visitá-la, e as curvas que ela havia adquirido nos últimos anos o sur­preenderam.

- A coisa diferente chama-se "seios", Mitch.

Uma intensa onda de rubor cobriu o rosto do irmão, e mais uma vez, ela controlou-se para não rir.

- Holly, você é minha irmã!

- Sim, e já que estamos falando de relações familiares, ele é meu pai. Você ou Cal poderiam ter apanhado o telefone e me avisado! Ou então, quando liguei na semana passada, você poderia ter me contado...

- Acredite, não foi nada sério. Foi uma ameaça de en­farte, apenas, e ele fez angioplastia. Tia Althea veio para cá e está tomando conta dele.

Holly suspirou. Althea Adams Bonkowski era prima de seu pai, e era conhecida por dizer exatamente o que pensava, sem medir as consequências.

- Espero que ela não esteja fazendo nada de ilegal - comentou, concluindo para si que foi ela a responsável por lhe enviar o recorte do jornal de circulação exclusiva em Sandy Bend.

- Oh, não! Agora está envolvida com cristais e aromaterapia. Ela está nos deixando loucos! Mas brigar com tia Althea mantém papai ocupado. - Ele a fitou com um brilho de ternura. - Você não precisava viajar de tão longe apenas para vê-lo. Poderia ter ligado e...

- ...e conversado com os rapazes que não se importaram em me dizer o que estava acontecendo? Não, obrigada! Quero ver papai com meus próprios olhos. Não vou voltar até que tudo esteja sob controle.

- Você está duvidando de nós? - Mitch colocou a mão sobre o peito. - Estou ofendido, Hol!

- Não me chame pelo meu apelido! Você sabe que eu odeio!

- Para ser sincero, não combina mais com você.

- Obrigada, estou lisonjeada. Bem, vou para casa agora. Você vai quando acabar seu turno, certo?

Ela ouviu Mitch concordar enquanto voltava-se para sair. A fotografia de seus irmãos ao lado do pai chamou-lhe a aten­ção. Eles compunham o quadro dos oficiais da cidade. Quando seu olhar recaiu sobre uma fotografia recente de um grupo de rapazes com um enorme peixe ainda preso ao anzol, seu coração falhou um batimento. Um rosto familiar se destacava entre os demais, fazendo-a prender a respiração.

- Está tudo bem, Hol? - Preocupado com a súbita pa­lidez no rosto da irmã, Mitch se aproximou para ampará-la.

- Holly - ela corrigiu automaticamente, sem tirar os olhos da fotografia. - Você nunca comentou que Steve Morettin havia voltado...

Mas o que esperava, se ele não havia sequer comentado sobre o ataque cardíaco do pai?

- Não julguei que se importasse - foi o comentário in­diferente. - Ele sempre foi mais amigo de Cal.

Orgulhosa, ela tentou se refazer do choque. Na ver­dade, de acordo com as regras que regiam seu universo, Ste­ve Morettin deveria estar trancado a sete chaves em suas lembranças. Ele foi o responsável pela maior humilhação de sua vida!

Porém, um estranho desejo a invadiu, como quando as­sistia a um filme de terror: por mais que fosse apavorante, era impossível desgrudar os olhos para saber o que iria acontecer.

- O que ele está fazendo aqui?

- Steve voltou há pouco mais de um ano, e começou a dar aulas. Além disso, assumiu o posto de reitor da univer­sidade. - Fez uma pausa antes de prosseguir - Tem cer­teza de que está bem?

Holly afastou uma mecha de cabelo para trás dos ombros, tentando aparentar a maior naturalidade possível. Desejava poder simplesmente ser a filha que retornava à cidade para visitar o pai, em vez de reviver todas as emoções turbulentas que lhe oprimiam o peito...

- Mas ele não é muito jovem para ser reitor?

Steve tinha a mesma idade que Cal, oito anos mais velho que ela. Ele também era membro do seleto grupo de milio­nários que costumavam passar dispendiosos fins de semana nas luxuosas mansões à margem do lago Michigan. A família de Holly, ao contrário, sempre viveu uma vida simples na fazenda que era propriedade da família há muitas gerações.

- Bem, depois que o último reitor se aposentou, ninguém mais foi louco o bastante para assumir o cargo. - Mitch levantou-se para acompanhá-la. - Steve tem sorte de não precisar trabalhar para pagar as contas. A Universidade daqui não é a mais rica do país, você sabe.

Holly sabia que um dos motivos por ter optado cursar uma universidade fora de sua cidade natal era evitar os antigos colegas de escola, para preservar seu ego. Mas saber que Steve estava de volta à cidade fez ressuscitar todos os fantasmas do passado.

- O que há com você? - Ele colocou a mão sobre o braço da irmã. - Está pálida como cera! Quer ir até a farmácia? Eu vou com você.

- Não é preciso, estou bem - mentiu, ajeitando a alça da bolsa no ombro.

- Vamos até a lanchonete - sugeriu, colocando o quepe. - Preciso mesmo dar uma volta e esticar as pernas.

Acostumada à solidão, Holly se comoveu diante da soli­dariedade do irmão e se esforçou para conter as lágrimas.

- Senti saudade de você, Mitch! - murmurou, antes de ser envolvida pelos braços fortes e calorosos.

Não havia dúvida, sentia saudade de Sandy Bend, das provocações e da proteção dos irmãos mais velhos. O que não sentia falta era do traumático apelido e da desastrosa infância que vivera.

- Também senti sua falta, maninha. Bem-vinda de volta.

Steve Morettin sabia que, ao voltar para Sandy Bend, optara por ter uma vida calma e pacata. Para ele, era o mesmo que viver no paraíso.

Bebeu um gole da cerveja e se debruçou sobre o balcão da lanchonete, usufruindo a paz daquela tarde quente de verão. Virou-se para observar a rua quase deserta, a não ser por seu amigo Mitch, que caminhava do outro lado da calçada. Sua atenção foi imediatamente atraída para a jo­vem exuberante ao lado dele. Ela usava uma minúscula saia jeans e uma camiseta branca que, em qualquer outra mu­lher, passaria desapercebida, mas nela provocava um efeito devastador, realçando os contornos do busto bem-feito.

- Rapaz de sorte - murmurou para si, avaliando com atenção as pernas esguias e bem-torneadas.

Precisava se aproximar para certificar-se se a garota era tão atraente quanto parecia. Jogou uma nota sobre o balcão e saiu sem esperar pelo troco.

A jovem olhava para Mitch e sorria enlevada. Os cabelos longos e brilhantes faziam um movimento sensual a cada passo, envolvendo-a em uma aura de luz. E as sardas... Steve sempre tivera uma queda por mulheres com sardas.

- Ei, Mitch! - Ele acenou, tentando dar um tom casual à voz.

Por alguma razão, a garota se deteve como se estivesse paralisada. Seus olhares se encontraram por uma fração de segundo, fazendo-o se perguntar se os olhos dela eram real­mente azuis, ou se ela usava lentes de contato coloridas.

Enquanto Steve vasculhava a memória para identificar os traços familiares, a expressão da garota passou de medo a raiva. Seria impossível ignorar o constrangimento que ha­via provocado, mas não queria deixar de vê-la de perto.

Aprisionada como um rato, era exatamente como Holly se sentia. Steve atravessava a rua a passos largos, e não havia nada que pudesse fazer a não ser desejar que o chão se abrisse para levá-la para o outro extremo do planeta.

Ao vê-lo se aproximando, a devastadora combinação de seu pior pesadelo e sua fantasia predileta criou vida no mes­mo corpo alto, moreno e musculoso que ela jamais esqueceu. O mais sensato a fazer seria cumprimentá-lo com ar casual... Porém, não se sentia sensata, nem sábia. Ficou paralisada no mesmo lugar, como se tivesse sido atingida por um raio.

Mitch não percebeu a confusão da irmã, e cumprimentou o amigo com alegria.

- Shh... Quieto! Não deixe que ele se aproxime!

- Holly, você perdeu o juízo?! Por que eu faria isso?

- Olá, Mitch! O que há de novo?

Diante do som da voz inconfundível, grave e ligeiramente rouca, Holly sentiu-se vulnerável e indefesa. Sete anos de­veria ser tempo suficiente para esquecer aquela tola paixão de adolescente. Desolada, concluiu que uma vida seria pouco para esquecer Steve Morettin...

- Nada de novo, Steve... a não ser...

Mitch interrompeu-se quando Holly segurou seu braço com firmeza e deu um passo à frente.

Enquanto Mitch parecia confuso, sem saber o que dizer, Holly fechou os olhos e se encheu de coragem.

Os olhares se encontraram novamente. Naquele instante, percebeu que ele não a reconheceu e resolveu tirar proveito da situação. Seria ridículo, mas não queria se identificar.

- Sou Amanda Creswell... Dra. Amanda Creswell - apres­sou-se em dizer, sentindo-se cada vez mais ridícula.

A boca de Steve se curvou em um sorriso, o mesmo que sempre a fizera derreter como mel aquecido.

Ignorou o fato de que estava ainda mais atraente do que se lembrava, e que aqueles eram os mais incríveis olhos castanhos que ela já vira na vida... Ignorou o apelo incon­fundível do corpo másculo, esplêndido, e orgulhou-se por não desmaiar bem ali, diante deles.

- Dra. Creswell... - Steve repetiu com ironia, inclinando a cabeça em um galanteio afetado. - Bem-vinda a Sandy Bend.

Confuso, Mitch resolveu se calar. Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo, e enfiou as mãos nos bolsos, re­cusando-se a participar daquela maluquice da irmã.

- Curioso... - Steve estreitou os olhos. - Tenho a im­pressão de que conheço você.

- Tenho um tipo comum.

- De onde você é?

- Arkansas. - A palavra escapou de sua boca. Por que não escolhera outro lugar? E se ele resolvesse perguntar algum detalhe que ela não soubesse?

- É mesmo? E qual é sua especialidade?

- Neurocirurgia - foi a resposta absurda, mas conside­rou que, ao menos, poderia intimidá-lo.

Diante do ar de incredulidade no rosto viril, Holly empi­nou o nariz e o encarou.

- Você acha que não há neurocirurgiãs no Arkansas?

- Oh, tenho certeza que sim. Estava apenas pensando que...

Subitamente, um arrepio percorreu sua espinha e ela aper­tou o braço do irmão, que permanecia mudo e paralisado como uma estátua.

- Suas unhas não atrapalham?

Num gesto instintivo, ela colocou as mãos para trás. Or­gulhava-se das unhas longas e bem-feitas, e as visitas se­manais à manicura estavam em sua lista de prioridades.

- Como consegue lidar com aqueles delicados instrumen­tos com unhas tão compridas?

- Bem, tenho trabalhado com robôs, em pesquisas sobre microcirurgia vascular reconstrutora do córtex cerebral.

Nada mau, pensou para si. Finalmente, as infindáveis horas diante da televisão assistindo a Plantão Médico teriam alguma utilidade! Porém, o sorriso que se alargava nos can­tos da boca de Steve a deixou tensa.

- É impressionante! E o mais incrível é que Cal me disse que você se formou em Artes Plásticas... - Ele tocou-a de leve na ponta do nariz. - É bom revê-la, dra. Holly!

Sentindo o chão sumir sob os pés, ela abriu a boca para argumentar, mas não conseguiu emitir nenhum som. Sen­tindo-se exausta e envergonhada, despediu-se do irmão e voltou pelo caminho por onde tinha vindo.

Entrou em seu carro e dirigiu sem destino. Quando deu por si, estava diante do portão da velha casa da fazenda. Um gato gordo dormia no capacho da porta de entrada.

- Olá, Murphy.

Não conhecia aquele gato, mas sabia que todos os gatos da família recebiam o mesmo nome. Era a lei de imutabili­dade de Sandy Bend.

- Papai! - gritou, jogando a bolsa sobre o sofá da sala.

- Finalmente você chegou!

Althea emergiu da cozinha, correndo em sua direção. Re­cebeu-a com um caloroso abraço.

- Curioso, pois não disse a ninguém que viria... - co­mentou, sentindo-se agradavelmente acolhida.

- Alguns de nós são mais sensíveis que outros, querida. Pude sentir sua aura no momento em que pôs os pés na cidade. Os espíritos decretaram que você viria.

- E será que foram os espíritos que colocaram um pe­queno recorte de jornal na minha caixa do correio?

- Bem, às vezes é preciso dar uma pequena ajuda...

Holly não pôde conter o riso, e abraçou com carinho sua prima.

- Não seria mais simples ter me ligado?

- Prometi a seu pai que não faria isso. Aproveitei a via­gem de um amigo à Califórnia e usei este pequeno truque... - Althea ajeitou uma mecha dos cabelos ruivos antes de prosseguir - Mas eu já havia pressentido que você voltaria para casa.

- Não voltei para ficar, tia Thea. - Chamava-a de tia devido à diferença de idade.

- Não tenha tanta certeza, querida... Temos de conside­rar a vontade dos anjos...

- Não há nada no mundo que me faça voltar para Sandy Bend - declarou sem muita convicção. - Onde está papai?

Seguindo as instruções de Althea, foi para o velho celeiro e encontrou o Chefe Adams organizando seu material de pesca. Pressentindo a presença dela, ele se voltou e abriu um largo sorriso.

- Como está minha artista favorita? Já era tempo de voltar para casa!

Hallie se adiantou e envolveu o pai num abraço apertado.

- Você também pressentiu que eu estava voltando, como tia Thea?

- Não sou tão poderoso quanto ela - comentou ele com bom humor. - Mitch ligou e avisou que você estava a ca­minho. Ele estava preocupado, disse que você estava agindo de forma estranha...

- É apenas o cansaço da viagem. Não se preocupe, ama­nhã estarei completamente revigorada. - Ansiosa por mu­dar de assunto, sentou-se no velho sofá que ocupava o mes­mo lugar desde que ela era criança. - Papai, por que não me contou o que estava acontecendo com você?

- Porque não havia motivo para preocupá-la. Não posso fingir que não estou ficando velho, filha.

- Você está cheio de saúde, papai.

- Bem, não tenho do que me queixar. Você sabia que trabalhei no mesmo lugar a vida toda?

Ela assentiu, observando o cuidado com que ele limpava as carretilhas de pesca.

- Minha vida sempre foi regrada, com exceção do meu vício por sorvete de baunilha. Mas, por Deus, se um homem não pode ao menos ter esse pequeno vício, que sentido tem em viver?

Holly riu e abraçou o pai.

- Você está coberto de razão! E agora, vamos entrar. Quero tomar um banho e descansar um pouco. Vou ficar até sábado, teremos seis dias para conversar.

Seis dias... Enquanto entrava abraçada ao pai, Holly pen­sava secretamente que teria aquele prazo para que aconte­cesse o milagre do século: ir embora de Sandy Bend com o coração e a dignidade intactos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oi minha gente rsrs. Estou com uma história nova uhuuull... na verdade ela é uma adaptação melhorada da que eu fiz a algum tempo atrás, dei uma incrementada, se decorrer do tempo gostarem eu continuarei a escrever... me mandem suas opiniões.
Beijos da Dream.