Paz Temporária - Chama Imortal escrita por HellFromHeaven


Capítulo 4
O passado de Tsuya




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Acordei com o Sol da manhã batendo em meu rosto. Estava praticamente totalmente deitada no chão. Apenas minha cabeça estava encostada na parede e a almofada estava ao meu lado. Se isso acontecesse quando eu ainda era uma humana normal, ficaria o dia inteiro com o corpo dolorido. Mas como esse não era o caso apenas me levantei e bate nas minhas roupas para tirar a poeira. Olhei ao meu redor e os dois ainda dormiam tranquilamente. Jim estava todo torto na cama e Ruby abraçava meu travesseiro. Fiquei observando-os por um tempo, depois suspirei profundamente e saí do quarto. O Sol brilhava e gerava uma onde de calor praticamente insuportável. Comecei a caminhar pelo templo enquanto analisava o terreno. Sempre fiz isso para ter uma noção de quais seriam meus afazeres do dia. Por sorte... Ou azar... Não havia vento algum naquela manhã. Ou seja, não havia nenhuma maldita folha no território do templo. Esse fato sozinho já era um motivo de comemoração... Mentira.

Depois de dar uma volta no lugar, já sabia exatamente o eu fazer: teria que regar as plantações (eu não precisava comer, mas os animais que me garantiam que eu continuasse usando roupas sim), alimentar os animais, consertar o telhado e limpar a sala principal do templo. Como estava entediada, resolvi começar logo o trabalho e entrei novamente na área residencial para pegar algumas ferramentas. Encontrei o que queria e, quando estava prestes a sair novamente, a pequena acordou dando um alto e longo bocejo. Olhei para ela e ela olhou para mim enquanto se espreguiçava.

– Bom... dia... Tia Tsuya.

– Bom dia.

– Sabe que horas são?

– Deixe-me ver... De acordo com a posição do Sol e das sombras... Deve ser por volta de dez da manhã.

– Nossa! Você vê as horas com o Sol?? Que legal!

– E... Existe outro jeito de se fazer isso?

– Ué... Mas... Ah é! Você não sai daqui faz muito tempo, né?

– Sim. Alguns séculos.

– Entendo. Isso explica tudo.

– Você é muito barulhenta, Ruby. – disse Jim enquanto se esforçava para levantar. – Vai acabar... Acordando a sacerdotisa.

– É... Idiota. Ela já está acordada. Com quem você acha que estou falando?

– Anh?

Ele levantou-se de vez com os olhos quase fechados e virou-se para mim. Esfregou seus olhos e esticou seus braços.

– Desculpa aí. Bom dia.

– Bom dia.

– Irmão. São dez da manhã. Acho que se demorarmos mais nossos pais farão picadinho da gente.

– Dez horas? Mas que merda. Dormimos muito.

– Bem, se querem ir agora é melhor se decidirem. – disse. – Tenho várias coisas para fazer aqui e preciso me programar.

– Não se preocupe, então. Vamos agora mesmo. – disse o garoto.

– Muito bem.

Eles arrumaram minha cama e foram para fora. Entrei, peguei meu cachimbo e um pouco de fumo. Acendi o mesmo e fui até a entrada do templo. Eles estavam me esperando visivelmente nervosos. A garotinha ainda tentava esboçar um sorriso em seu rosto, mas o garoto mantinha uma expressão de “é hoje que eu morro”. Decidi ser boazinha com eles e peguei o caminho mais rápido até o começo da floresta. Foi rápido e, quando chegamos lá, nem cheguei a sair do meio das árvores. Apenas parei e apontei para a direção da civilização.

– É só vocês passarem por mais aquelas árvores que estarão fora da floresta.

– Muito obrigado, sacerdotisa. – disse Jim se curvando levemente.

– Já disse que meu nome é Tsuya.

– Então obrigado... Tsuya.

– Não foi...

Antes que eu pudesse completar a frase, Ruby se arremessou contra minha barriga dando-me um “abraço fatal”. Eu cheguei a cogitar a possibilidade de desviar, mas percebi que se o fizesse, a pequena daria de cara numa árvore. Então decidi aceitar meu destino e firmei meus pés no chão. A pancada foi forte, mas não doeu. Apenas tirou meu fôlego por um tempinho. Ela ficou agarrada em mim com a cara colada na minha barriga enquanto eu ficava lá... Com os braços levantados sem ter a mínima ideia de como reagir àquilo. Senti algum tipo de líquido descendo por minhas roupas e decidi colocar uma das mãos na cabeça dela.

– Você... Está bem?

Ela rapidamente voltou seu rosto para mim. Estava chorando e, ao perceber que havia se exposto, esfregou seus olhos com o braço para enxugar as lágrimas.

– Eu... Estou... – dizia entre soluços.

– É... Por que está chorando?

– Não... Estou... Chorando! É que... Caiu um graveto no meu olho.

– Não seria um cisco? – perguntou Jim.

– O olho é meu e eu decido o que caiu nele, irmão idiota!

– Enfim... Qual o motivo disso? Estou ficando preocupada – disse.

– É que... A gente vai se ver de novo?

– Anh?

– Ruby... Ela mesma disse que não quer voltar pra sociedade.

– Eu sei... Eu quis dizer... A gente... Digo... Eu posso te visitar?

Aquela pergunta me pegou desprevenida. Fazia muito tempo que estava sozinha e a aparição daqueles dois foi muito... Estranha, devido minha total incompetência como anfitriã. Por isso nunca me passou pela cabeça a ideia de que algum deles um dia iria querer me ver de novo. Fiquei totalmente sem jeito e... Perdi minha compostura.

– O-o quê? V-vir... Me visitar? Quer dizer... No templo?

– Sim! Eu... Gostei de você, tia Tsuya. Eu gosto de História... E eu gostaria de aprender com alguém que sabe de verdade... Não alguém que nem o meu irmão idiota.

– Hey! Eu não tenho culpa se os livros estão errados. – exclamou ele com raiva.

– Isso não importa. Enfim... Eu... Posso?

– M-mas... Não seria perigoso?

– Não! Minha memória é ótima e eu chegarei lá rapidinho.

– B-bem... Se é assim... Pode...

– Sério? Obrigada, tia!

Ela me deu outro “abraço fatal” e ficou daquele jeito por algum tempo. Seu irmão acabou perdendo a paciência e arrancou ela de mim.

– Vamos logo! Nossos pais vão nos matar se não chegarmos logo. – exclamou o garoto.

– Mas... Mas... Eu nem sei quando eles vão nos deixar sair de novo.

– Isso... É verdade. Enfim, nosso castigo só vai piorar se continuarmos enrolando.

– Tudo bem... Tchau tia Tsuya.

– T-tchau pequena.

– Se eu sobreviver e conseguir escapar lá de casa eu vou te visitar.

– T-tudo bem.

Eles acenaram para mim e saíram da floresta. Fiquei observando o local por onde eles tinham saído por algum tempo. Depois apenas caminhei de volta para o templo. Acabei pegando o caminho mais longo involuntariamente e, quando cheguei estava sem vontade alguma de fazer... Nada. Acabei indo direto para o lago.

Ao chegar lá, tirei minhas roupas e adentrei as águas aquecidas cujo vapor embaçava a vista. Encostei-me à “borda” e fiquei olhando para o céu por um bom tempo. Sentia como se algo estivesse errado. Resolvi sair e voltar ao templo.

Chegando ao templo, dei uma bela olhada ao redor e... Senti-me estranha. Passei em frente da sala principal, onde a relíquia de T’eemu estava exposta e fui direto aos meus aposentos. Deitei em minha cama e fiquei observando o teto. Havia alguma coisa errada comigo. Algo estava... Faltando. Esse sentimento ficou comigo até o fim do dia.

Alguns dias se passaram e já havia perdido a esperança (se é que ela existia) de que aqueles dois voltariam ao templo. Por um lado, seria bom ter alguns visitantes. Afinal, eles poderiam se tornar fiéis... No caso pelo menos a garota poderia. Mas por outro lado, eu fiquei muito estranha depois da partida deles, o que me preocupava quanto a uma futura repetição desta situação. Enfim, era manhã e estava perdida em meus pensamentos enquanto tirava o pó da sala principal quando ouvi alguns passos vindos da entrada. Virei-me rapidamente e avistei uma figura familiar pequena e com um pequeno rabo de cavalo. Ela usava uma espécie de... Bolsa nas costas e sorria. Eu ia dizer alguma coisa, mas esta pequena silhueta correu em minha direção e se arremessou no meu peito. O choque foi grande, mas eu não caí. Ela ficou me abraçando silenciosamente por algum tempo, até que virou seu rosto para mim e sorriu.

– Oi tia Tsuya!

– Oi pequena.

– Desculpa pela demora. Não imaginei que meus pais dariam um castigo de um mês. Saí na primeira oportunidade e... Cá estou.

– Não se preocupe e... Um mês?

– É ué. Achou que foi mais?

– Não... Não é nada. Você deve estra certa.

Aquilo foi estranho, mas apenas confirmou algo que eu já suspeitava há muito tempo. Quando me tornei imortal, comecei a perder gradativamente a noção de tempo. Tudo passava muito rápido, mas nunca tive uma confirmação concreta desta teoria... Pelo menos até aquele momento. Isso talvez tenha ocorrido, pois o tempo já não tinha o mesmo significado para mim. Como eu não tinha um “limite” para viver não havia porque se importar com a passagem do tempo. Apenas forcei um sorriso para tentar fingir que estava tudo bem e desviei o assunto:

– Bem... Onde está seu irmão?

– Ele ficou em casa. Não precisamos dele aqui. Ganhou mais uns dias de castigo porque a culpa de termos passado aquele aperto foi dele. Nada mais justo.

– Realmente. Além do mais, ele não tem nada para fazer aqui.

– Isso não é bem uma verdade. Ele estava bastante curioso para saber mais sobre a verdade por trás da História.

– Oh... Isso eu não poderia imaginar.

– Enfim... – disse Ruby se agachando e, logo em seguida, procurando algo em sua bolsa. – Hoje estou melhor preparada do que da última vez, então... Achei!

Ela retirou uma espécie de pano da bolsa e colocou no chão. Logo após, sentou-se sobre ele e deu uns tapinhas no pano ao seu lado.

– Sente aqui também.

Obedeci confusa e apenas fiquei encarando-a. Ruby, então, retirou um... “Amuleto” que parecia com um coelho da bolsa, apertando-o contra seu corpo logo em seguida.

– Eu gostaria que você me contasse uma história.

– O quê?

– É isso aí. Como você virou imortal?

– O quê? Você... Realmente se interessa por minha história?

– Mas é claro! Não é todo dia que você encontra alguém que... Tem mais de duzentos anos e não morre.

– Bem... Se é o que deseja... Por onde quer que eu comece?

– Bem... Pelo... Começo? Você disse que era uma assassina antes de ser uma sacerdotisa, certo?

– Oh! Sim. Nesse caso eu sei por onde começar. Nasci em uma família muito renomada de mercenários conhecida como Red Death. A origem deste nome está relacionada aos nossos singulares olhos vermelhos. Ao contrário do que o povo da época pensava, estes olhos não nos dão poderes especiais ou qualquer coisa do tipo. São apenas... Bonitos, na minha opinião.

– Oh... Eu Pensei que eles tinham ficado assim depois de você virar imortal.

– Não. Enfim... Eu cresci como eles e me tornei uma ótima assassina. Apenas cumpria os contratos sem nunca pensar duas vezes ou sentir remorso. Até que fui paga... Pelos céticos... Para acabar com esse templo. Matei todos os sacerdotes com muita facilidade, afinal, eram pessoas pacíficas. E... Enquanto o fazia, fui assistida pela grande T’eemu, que gritava implorando para que eu parasse. Não a ouvi e manchei as paredes e o chão do local de vermelho.

– Oh... Que... Horrível...

– Eu sei, mas naquela época eu não me importava com nada a não ser eu mesma. Quando estava indo atear fogo no local, T’eemu me abraçou, impedindo meus movimentos, e implorou por misericórdia enquanto chorava. Aquilo acabou abalando meu coração obscuro, mas apenas o bastante para eu aceitar sua proposta de conversar um pouco. Entrei no templo com ela e nos sentamos assim como eu e você estamos agora. Ela começou a me explicar tudo... Tudo sobre os espíritos, sobre a vida e sobre seu propósito aqui no plano terreno. Pela primeira vez, eu pensei em como minhas ações afetaram os outros e... Chorei. Chorei muito enquanto ela me consolava.

– Pobrezinha... A culpa foi da sua família, que não te criou direito.

– Heh... Pode até ser, mas não importa mais. Depois daquilo, decidi me redimir e assumi o posto de sacerdotisa deste templo. Passei anos aprendendo com T’eemu enquanto mantinha este lugar apresentável para os visitantes... Mas aí houve aquela catástrofe... A Reforma Cética. Por ser um espírito pouco conhecido, nosso templo foi um dos primeiros a ser atacado.

– Ué... Mas não deveria ser o contrário?

– Não. Os mais conhecidos eram muito bem protegidos.

– Oh! Entendi.

– Enfim, o que eles não esperavam é que eu sabia muito bem como me defender. Lutei com todas as minhas forças e consegui derrota-los, mas... No final, quando já estava caminhando de volta para o templo, muito cansada... Um deles, que estava caído, em seu último suspiro disparou uma dessas... Armas movidas ao pó negro contra mim. Aquilo me atingiu em cheio e caí sobre meus joelhos.

– Espere... Isso quer dizer que você...

– Sim, eu morri. Mas como me sacrifiquei para o bem de um espírito e seus seguidores, os espíritos mais poderosos que representam a vida e a morte, Satt e Sett, decidiram me recompensar. E disseram que como estavam no “auge” de suas forças, eu poderia fazer um desejo. Infelizmente, meu espírito de guerreira falou alto e desejei aquilo eu todos os guerreiros sempre almejaram: a imortalidade. E... Aqui estou.

– Oh... Entendo. E por que eu ainda não vi essa T... T...

– T’eemu. Bem... Com o avanço da Reforma Cética a fé entre as pessoas foi declinando cada vez mais... Até que apenas a minha já não era o suficiente para sustentar sua forma física. A única prova de que ela está “viva” é sua relíquia que está ali no altar.

Apontei para o altar, que era bem simples e apena apresentava uma pintura de T’eemu ao fundo. Em cima dele, havia uma belíssima espada levemente curvada e tão branca quanto a Lua embainhada. Era meu mais precioso tesouro.

– Woah! Que linda!

– É mesmo, não? Esta espada representa a paz no meio das batalhas. T’eemu abençoava aqueles que, mesmo sendo capazes de matar, escolhiam não o fazer. Por isso ela está sempre embainhada.

– Foda! Mas... Ela tem lâmina, não tem?

– Não. Aliás... Eu não sei. Ela não pode ser tirada da bainha.

– Entendo... Espere... Você disse que lutou contra céticos... Para proteger o templo... E tem essa espada... E seus olhos... Pelos Deus... Digo... Por Deus! Você é a mulher da lenda da Red Moon Forest!

– Lenda de onde?

– Red Moon Forest! Essa floresta em que estamos.

– Espere... Desde quando isso tem nome?

– Faz bastante tempo. Agora tudo faz sentido... A lenda de uma guerreira que deu sua vida para proteger o templo perdido na floresta e que foi recompensada com a vida eterna. Ela possuía olhos vermelho sangue e uma espada tão branca que parecia ser feita de luz... Parece que eles exageraram um pouco, mas... Ainda sim é muito legal saber que a lenda tem um fundamento.

– P-pois é...

Aquela garota parecia ser mestre em me deixar sem jeito. Nunca em minha extensa vida poderia imaginar que meus atos se tornariam lenda. Este é mais um dos sonhos de um guerreiro e parece que também o tinha alcançado. Isso fez com que eu sentisse meu peito um pouco mais quente que o normal. Naquele momento eu nunca poderia imaginar que esta seria apenas o começo da lenta e sutil mudança que ocorria dentro de mim.


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Notas finais do capítulo

Bem... Terminei de escrever esse capítulo agora porque passei o domingo inteiro fazendo um trabalho da facul. É claro que isso não importa, já que ainda estou no "prazo" normal de postar, mas só quis dizer isso como uma mera curiosidade.
Isso também quer dizer que ele está mais "fresquinho" do que nunca 8D
Esta história será a mais "parada" das três, pois terá várias cenas como esta última, onde Tsuya conta história do passado. Isso será um meio que usarei para passar tudo o que quero nesta última etapa do projeto.
É claro que isso não significa que não teremos uma trama principal que agite os personagens, mas só quer dizer que o ritmo será diferente.
Enfim, agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até a próxima =D



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