Paz Temporária - Chama Imortal escrita por HellFromHeaven


Capítulo 3
A sacerdotisa imortal




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Onde estava? Ah sim. Eu estava travada feito uma rocha enquanto a garotinha me abraçava alegremente. Seu irmão me observava com um misto de admiração, surpresa e desconforto no olhar. Depois que ela parou de me abraçar e voltou ao chão, notei que suas roupas estavam sujas de sangue. Abaixei-me rapidamente e coloquei as mãos em seus ombros, preocupada:

– Você está bem? Eles lhe machucaram? Está doendo em algum lugar?

A garotinha me olhou confusa e coçou a cabeça. Olhei mais de perto e notei que não havia sequer um arranhão nela. Foi aí que eu fiquei confusa e levei a mão até minha cabeça e notei um líquido quente escorrendo de minha testa. Os dois arregalaram seus olhos e a pequena colocou me segurou pelos ombros e começou a me sacudir desesperadamente:

– Tia! Pelos Deuses! S-sua testa!

– Minha testa? Não foi nada.

– M-mas está sangrando muito! Desculpa tia!

A pequena começou a chorar, o que me deixou muito sem graça. Nunca soube lidar com crianças, então apenas levantei, coloquei meus dedos na ferida, puxei a bala e a joguei no chão.

– Viu só? Novinho em folha.

– A-anh? T-tia... Você... O que...

Comecei a fazer o mesmo com os outros ferimentos, até ter me livrado de todos os fragmentos indesejados do meu corpo. Os dois observaram a cena espantados. Fiquei sem entender nada e apenas cocei a cabeça. As feridas começaram a se regenerar e... Bem, daí veio o pior. A garotinha começou a entrar em pânico e desmaiou. Pulei e consegui cair em baixo dela, amortecendo o impacto. O garoto me olhava como se estivesse em estado de choque. Levantei com a menina no colo e estalei os dedos próximo ao rosto dele. Isso fez com que ele acordasse do transe e recuasse alguns passos para trás. Seu olhar fazia parecer que eu era algum tipo de monstro. Como estava mais confusa do que qualquer coisa, apenas comecei a andar em direção ao templo com a pequena em meus braços. Depois de apenas me observar por alguns segundos, o garoto avançou contra mim e tentou me dar um soco. Uma falha tentativa, pois desviei para o lado com facilidade e, no impulso, chutei de leve sua perna de apoio, fazendo-o cair no chão. Ele rapidamente levantou com seu orgulho visivelmente ferido e voltou-se para mim com raiva.

– Desculpe-me. Não era minha intenção derrubá-lo. Você veio para cima de mim tão repentinamente que não pude controlar meus instintos.

– Você... Solte minha irmã!

– Anh?

– É isso mesmo! Eu... Não sei bem o que você é, mas... Não deve ser coisa boa! Ainda mais vindo desta floresta...

– Mas do que você está falando, jovem?

– Não se faça de idiota! Não vou deixar você comer minha irmã!

– Mas o quê? Comer? Eu nem sequer como.

Ele ia falar algo, mas parou antes mesmo de começar e apenas ficou me encarando. Mantive minha expressão natural e continuei sem entender droga nenhuma.

– Então... Será que dá para você me explicar o porquê disso tudo?

– O quê? Sou eu quem quer uma explicação! O que é você?

– Uma sacerdotisa.

– Porra! Disso eu já sei! Você... Como você não morreu?

– Simples: eu não morro.

– Você não... Morre?

A raiva desapareceu de seus olhos e ele voltou a ficar confuso. Parecia curioso, mas orgulhoso demais para demonstrar explicitamente. Apenas suspirei e voltei a andar rumo ao templo.

– Ei! Aonde você pensa que vai?

– Vou colocar sua irmã em uma cama. É melhor ela descansar um pouco. Aliás... Você também.

– Eu? Estou bem.

– Devem ter andado bastante até chegar aqui. Que eu me lembre a vila mais próxima ficava... A uma hora de caminhada ou coisa do tipo.

– Vila?

– Oh... Já deve ter mudado a essa altura.

Entramos nos meus aposentos e coloquei a pequena na minha cama. Apontei para o garoto e depois para uma almofada e me dirigi para fora novamente. Ele parecia muito confuso e apenas chamou minha atenção:

– E-ei! O que vai fazer?

– Você fique aí. Vou tirar aqueles corpos dali. Eles não ficarão inconscientes para sempre.

– Eu... Eu posso ajudar!

– Não, não pode. Fique aí e cuide da sua irmã. Assim que ela acordar me avise. Não irei muito longe.

– Mas eu...

– Droga! Apenas obedeça jovem!

Fechei a porta deslizante com força e comecei a descer as escadarias do templo. Levou um tempinho até que eu colocasse os corpos dos homens numa parte um pouco mais afastada da floresta garantindo, assim, que eles não saberiam como voltar. Havia a possibilidade de animais ferozes aparecerem e comerem eles, mas não me importei com isso no momento. Quando estava voltando me toquei numa coisa: mesmo que a pequena acordasse, seu irmão não poderia me chamar, pois nem sequer contei aonde iria. Levei minha mão até meu rosto com força e apenas continuei caminhando.

A falta de contato social não fez bem para mim. Nem sequer me lembrei de que não era normal um ser humano receber ferimentos teoricamente fatais e continuar vivo. Sem falar na regeneração e na minha falta de dor... Enfim, foram apenas coisas que pensei durante o trajeto. Quando cheguei ao templo, a menina ainda estava dormindo e o garoto estava sentado ao seu lado, aparentemente preocupado. Ele não pareceu me notar, pois meus passos sempre foram muito silenciosos. Isso é um resquício de minha época de assassina, mas não tenho do que reclamar nem porquê me livrar dele. Aproximei-me vagarosamente até me posicionar exatamente à sua esquerda.

– Ela deve acordar logo.

O garoto deu um pulo para o lado e quase caiu de costas no chão, o que foi razoavelmente engraçado. Engraçado... Meu mau humor “eterno” me impediu de rir daquilo e apenas mantive minha expressão séria enquanto observava a garota.

– V-você está louca? Quase me mata do coração!

– Deveria ficar mais atento. Nunca se sabe se eles eram os únicos.

– Bem... Na verdade, eram sim.

– Oh... Enfim... Logo logo ela acordará. Aproveite que eu voltei e descanse também. Não recomendo que voltem hoje. A floresta é um lugar perigoso à noite.

– O quê? Mas...

– Sem “mas”! Vocês tiveram sorte de me encontrarem. Da próxima vez pense duas vezes antes de arranjar uma confusão.

– Meh, eu sei me virar muito bem.

– Isso é problema seu. Agora, não meta sua irmã nisso. Não tem um pingo de consideração pela pequena?

Ele baixou a cabeça assumiu uma postura defensiva. Suspirei e sentei no chão.

– Se algo acontecer a ela por causa de uma besteirinha sua, você se sentirá culpado para o resto de sua vida.

– Nossa... Eu já entendi. Você está ajudando bastante hein?

– Estou apenas falando a verdade. Esta pode ser dura às vezes, mas sempre será melhor e mais duradoura do que uma mera ilusão.

O silêncio resolveu tomar conta do recinto enquanto eu observava a garota atenciosamente e seu irmão olhava para o chão como se estivesse refletindo sobre tudo o que eu disse. Depois de alguns minutos, a menina acordou e levantou-se lentamente, permanecendo na cama. Ela esfregou seus olhos, se espreguiçou e olhou para nós. Levou um grande susto ao me ver e rapidamente verificou, com os olhos, os locais onde meus ferimentos estavam. Depois disso, ela suspirou profundamente e sentou-se na cama.

– T-tia... Você está mesmo bem?

– Sim. Minha regeneração age muito rápido.

– Ah... Sim... Sua... Regeneração... Tia! – exclamou enquanto levantava e apontava para mim. - Como você fez isso? Por acaso você não seria... Uma Deusa?

Apenas encarei a garota e usei todas as minhas forças para me controlar e não xingá-la de todos os nomes possíveis. Consegui me conter e coloquei um “belo” sorriso totalmente forçado em meu rosto e dei uns tapinhas nos ombros dela.

– Mas é claro que não, pequena. Eu sou uma sacerdotisa.

– Ah! Uma sacerdotisa! Que legal!

– Você não sabe o que é isso, certo? – perguntou o irmão com um tom de reprovação.

– É... Não! Mas se a tia é isso, então deve ser muito legal!

Levei minha mão com força contra meu rosto num gesto de reprovação e o garoto fez o mesmo. Suspirei profundamente e, quando eu ia começar a explicar o que eu era, o garoto começou a falar:

– Sacerdotisas e sacerdotes eram pessoas que dedicavam suas vidas a um dos Deuses e moravam em templos como este. Eles cuidavam do lugar e encaminhavam os fiéis até seus Deuses. São muito parecidos com os padres, mas são mais humildes. O engraçado é que eles foram extintos e seus templos foram depredados e demolidos na Reforma Cética. Nunca imaginei que veria uma de perto.

Admito que fiquei impressionada com o discurso dele, mas havia algumas inconsistências e eu não poderia deixar isso passar.

– Oh! Isso é verdade, tia?

– Vejo que andou estudando História. Muito bem. Mas há alguns erros nessas informações.

– Do que você está falando? – indagou o garoto, confuso.

– Primeiro: não servíamos a Deuses. Todos nós sabemos que existe apenas um Deus e este não possui uma forma física. Apenas servíamos aos espíritos elevados que moravam nos templos, o que não era muito difícil. Segundo: nós apenas cuidávamos da manutenção de local e, em raras ocasiões, explicávamos os conselhos dados pelos espíritos aos fiéis com dificuldade de aprendizado. E terceiro: nós não acabamos na reforma cética. É claro que aquela catástrofe reduziu nosso número significativamente, mas chegamos a fundar uma organização, da qual eu fui membra, com os principais representantes de cada espírito e esta durou por umas duas gerações, antes de se perder totalmente.

– Woah! A tia sabe mais de história do que você, irmão idiota.

– Isso... Não é possível, mas os livros dizem...

– Acha mesmo que os livros sabem mais do que uma pessoa que viveu durante essa época? Muita coisa foi distorcida pelos céticos. Sem falar que a organização era praticamente secreta.

– Isso... Espere um pouco. – disse o garoto. – Eu sei que meus próprios olhos comprovaram sua alta capacidade de regeneração e... Suas vestes e este local são muito antigos, mas... Eu simplesmente não consigo entender...

– Mas você é muito idiota mesmo, irmão. A verdade está sendo esfregada na sua cara e mesmo assim você se recusa a aceita-la. A tia é foda e isso já basta para mim.

– Isso é típico de céticos... E... “Foda”? Isso seria um elogio ou uma ofensa?

– Depende do jeito que você usa. Nesse caso foi um elogio, tia. É tipo... Muito legal pra caramba!

– Tudo bem então... Obrigada. Enfim, não tenho que provar minha imortalidade ou minha idade para ninguém, então fique à vontade para duvidar.

O garoto estava com as duas mãos em sua cabeça e olhava fixamente para baixo. Parece que aquelas informações foram demais para um mero cético. Afinal, eu desafiava algumas leis da realidade com minha simples existência e isso era o pior incômodo para gente como ele.

– Tia... Só não entendi uma coisa.

– Por favor, meu nome é Tsuya. E... O que você não entendeu?

– Ah... Tia Tsuya, você disse que só existe um Deus e... Desculpa, mas eram duas coisas. Se sacerdotisas são pacíficas, como você sabe lutar daquele jeito foda?

– Bem... É exatamente o que eu disse. E, aliás, acho que entendo o porquê da confusão. Pelo que seu irmão falou, estão confundindo os espíritos elevados com Deuses, mas por mais que eles estejam numa escala evolutiva maior do que a nossa, eles não chegam aos pés de um Deus. Eles eram mentores enviados por Deus para aconselhar os seres humanos.

– E por que não vemos mais nenhum desses espíritos hoje em dia? – perguntou o garoto em tom de deboche.

– Bem, isso é porque, como espíritos, eles tinham algumas limitações. Para se manterem no plano terreno, eles precisavam que os humanos tivessem fé neles e quanto maior esta fé, maior o poder deles. Mas é claro que eles eram incapazes de nos ferir. E com a Reforma Cética... Nem preciso explicar o que aconteceu, certo?

Ele ameaçou dizer algo, mas desistiu e baixou a cabeça como se estivesse arrependido de algo. A menina bocejou e olhou para seu irmão, levemente preocupada.

– Ah! – disse. – Não se preocupe. Podem passar a noite aqui. Amanhã levo vocês até a saída da floresta.

– O-oh... Obrigada, tia Tsuya.

– De nada... Pequena.

– Ah! Como sou mal educada! Eu sou a Ruby e esse é meu irmão idiota Jim, que é mais mal educado que eu por nem lembrar de se apresentar.

– Oh... Ela está certa. Perdão. – disse Jim.

– Não se preocupem com isso. Passaram por uma situação meio estressante. Por hora, apenas durmam.

Os dois se deitaram em minha cama e apenas fiquei sentada em uma almofada com as costas encostadas na parede. Comecei a pensar em várias coisas como, por exemplo, como as informações foram distorcidas ao longo do tempo e cheguei a me questionar em como o mundo estaria naquele momento. No final, acabei pegando no sono. Mesmo com meus instintos tentando me avisar de que alguma coisa ia acabar dando errado... Bem... Fazer o quê?


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Notas finais do capítulo

Antes de mais nada peço desculpas pelo atraso desta postagem. Sei que disse que postaria sexta feira à tarde, mas... Bem, era o planejado, mas rolaram uns imprevistos e só pude terminar agora. Mas... Antes tarde do que nunca, certo?
Enfim, aqui está mais um capítulo maroto pronto para ser lido ='D
Essa história está um pouco "lenta", mas eu realmente tenho muita coisa para mostrar com ela... Então vai demorar mais um pouquinho para entrarmos na trama principal.
Agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até a próxima =D



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