Andamos mais um pouco por Jotunheim, vimos os resultados da guerra ali. Ossadas, armas quebradas, casas em ruínas, um típico cenário pós-guerra. Como Loki havia dito ainda havia magia naquele lugar, nós podíamos sentir.

– Eu acho que chegou a hora - Loki diz quando paramos em uma área mais limpa.

– Tudo bem, eu tento. Só me dê um tempo, ok? - peço, os dois concordam. Eu respiro fundo várias vezes, tentando assim me acalmar, tento usar minha magia de fogo para ver se estou sob controle.

– Você está indo bem Johanna. Estamos aqui com você, não se preocupe - Remy me diz

.- Ok, você está pronto? - pergunto, ele assente com a cabeça - então vamos lá!

– O que eu preciso fazer? - Remy pergunta.

– Não sei nem o que eu tenho que fazer. Mas eu vou tentar algo - eu digo. Tento me conectar com Remy, sentir a magia dele. Peguei em suas mãos, pude sentir sua emoção, sua magia, força, mas tinha algo mais. Levei minha mão ao seu peito e fechei meus olhos, me concentrando no que eu sentia. Seu poder, Spark, estava lá, no fundo de seu ser, esperando para ser libertado. Eu me concentrei nessa força que me atraía, tentando chegar até ela. De repente eu senti algo diferente, eu ouvia os pensamentos de Remy. Me perguntei se ele também ouvia os meus, ele assentiu e sorriu. Nós havíamos conseguido. Olhamos para Loki, que se surpreendeu.

– Isso é incrível! Vocês deviam ver seus olhos. Estão laranjas, como fogo - Loki nos diz. Olhamos um nos olhos do outro para ver do que ele estava falando, realmente nossos olhos estavam com aquela coloração.

– Deve ser por isso que chamam de Spark - eu digo.

– Eu sempre me perguntei o que isso poderia ter a ver com faísca - Remy disse. Ele estava muito feliz em saber que possuía Spark também. Era muito divertido também poder falar com meu irmão por pensamentos, ninguém à nossa volta poderia saber que estávamos conversando. Nos desconectamos depois de um tempo, andamos um pouco mais por Jotunheim, ainda havia vida ali, uma floresta, alguns animais, mas as pessoas, todos foram embora dali após a guerra entre os Jotuns. Depois de explorar um pouco o lugar, fomos embora

.Quando voltamos ninguém desconfiou de nada, pois Remy e eu havíamos levado conosco nossos arcos e flechas. Todos pensavam que eu e Loki estávamos treinando com ele. Algo em mim mudou naquela tarde, eu já não estava mais com tanto medo do Spark. Agora que sei que Remy também o possui, parece ser mais fácil lidar com isso, é bom saber que não sou a única com esse poder. Chegamos cedo ao castelo, antes do crepúsculo, eu fiquei conversando com Remy, ou melhor, enchendo ele de perguntas a respeito de nosso pai e do mundo em que eles vivem, eu nunca saí daqui, queria saber como é viver lá fora.

Depois de conversar bastante com Remy, aproveitamos que estávamos com nossos arcos e praticamos um pouco antes do jantar. Eu estava tão ansiosa que nem jantei, acabei perdendo o apetite, então fui direto para meu quarto, tomei um banho tão demorado que quando saí meus dedos estavam murchos.

Depois do banho, fiquei sentada em minha cama, estava cedo para dormir. Ouvi alguém bater em minha porta, de início pensei que fosse algum empregado me trazendo lanche porque não jantei, mas quando abri a porta Daniel estava ali. Ele pediu para que ele mesmo entregasse meu jantar. Deixei ele entrar, mas fiquei meio sem jeito em comer enquanto ele ficava ali me olhando. Depois que terminei de comer vi que Daniel queria muito me perguntar algo.

– O que você quer me perguntar? Conheço essa cara, fala logo o que está te preocupando - digo.

– Eu queria saber onde a senhorita foi hoje com o seu e com o meu irmão - ele me diz, direto.

– Treinar. Remy é um arqueiro e fomos treinar com ele - eu disse, mas acho que meu tom não o convenceu

.- Você sabe que pode me dizer a verdade, né? Também sou bom em guardar segredo - Daniel me diz, eu solto um suspiro, deixando claro que o que disse não era a verdade.

– Eu não consigo mentir para você, não é? Nesse caso, eu conto. Nós fomos para Jotunheim.

– Jotunheim? Não vai me dizer que...

– Sim. E nós conseguimos, Remy possui Spark também. Não me pergunte como eu fiz o que fiz porque nem eu sei. Só sei que quando toquei nele eu pude sentir que havia uma força dentro dele, e foi ficando mais forte até que foi liberta. E o mais legal é que nós podíamos ouvir os pensamentos um do outro - eu digo. Daniel estava boquiaberto com a novidade.

– Vocês ouvem os pensamentos um do outro? - Daniel me pergunta.

– Sim, não sei se é porque somos irmãos, com o mesmo poder, ou se isso é por causa do Spark. Mas só ouvimos o pensamento do outro, não é possível ver o que o outro pensa.

– E agora que sabe que Remy também tem Spark, continua com medo? - Daniel me pergunta. Eu ainda tinha um pouco de receio por ser algo que eu não sei como funciona, mas estava sob controle. Como resposta à pergunta de Daniel, eu o beijei. Fiquei recostada à cabeceira da cama e Daniel ficou do meu lado. Conversamos por algum tempo. A conversa estava boa, até ele tocar em um assunto que havia algum tempo eu vinha tentando não pensar.

– Então Johanna, outro dia você me disse que teve um pesadelo, mas não queria falar sobre ele naquele momento. Quer conversar agora? - ele me pergunta.

– Eu não gosto de pensar nisso. Eu não sei se foi um sonho ou uma memória reprimida que veio à tona. É confuso - eu digo.

– Que tipo de sonho foi esse que você acha que pode ser uma lembrança?

– Eu acho que pode ser porque foi com minha mãe. Vi sua morte, vi Randall cravar sua espada no peito dela e eu estava ali ao seu lado enquanto uma poça de sangue se formava em volta de seu corpo, que foi esbranquiçando enquanto a vida a deixava. Eu sei que foi Randall quem a matou e que eu também fui sequestrada por ele, então acho possível ser uma lembrança.

– Você era um bebê quando isso aconteceu. Seria muita crueldade da parte dele ter te deixado presenciar aquilo, mas desse cara eu não duvido nada.

– Falando nele, por que sua família, sabendo que ele fez o que fez, o deixa viver aqui e ainda ser um dos treinadores?

– Com ele aqui fica mais fácil ficar de olho nele. Meu pai acha que é melhor que ele esteja por aqui. Eu não posso discordar, afinal ele é o rei. Mas eu concordo com você, é estranho ter um assassino morando aqui. E ninguém desconfia dele.

– Você não sabe mesmo se eu estava lá quando Randall matou minha mãe? - pergunto.

– Eu não sei, mas pela descrição de seu sonho, é bem provável - ele diz. Eu me aproximo dele, descansando minha cabeça em seu ombro e ele fica me fazendo cafuné até que eu pego no sono.

Eu só percebi que Daniel dormiu comigo quando acordei, já de manhã, e levei um susto quando me virei e ele estava ali em minha cama. O acordei assim que o vi ali.

– Bom dia - ele me diz, meio grogue ainda por conta do sono.

– Bom dia. Você já se deu conta de que não dormiu em seu quarto? - pergunto enquanto ele se espreguiça.

– Desculpa por isso. É que você estava dormindo tão tranquila depois de ter falado sobre... bem, eu não quis te acordar, então fiquei, mas eu acabei pegando no sono também.

– Ah que amor. Foi muito gentil da sua parte. Nem parece o Daniel que eu conheço. Mas você tem que sair. Eu preciso me arrumar para os treinos e você também - digo já me levantando da cama.

– Ok, nos vemos no treino então - ele diz, me dá um beijo e sai.

Eu agora treinava em grupo, não mais precisava de aulas individuais, pois já havia aprendido o suficiente em pouco mais de um mês treinando aqui. Em nossa aula de luta, eu vi que Samuel não havia vindo treinar de novo. Desde o incidente com seu pai que ele tem andado isolado, nem tem treinado com os outros. Depois das aulas eu procurei Loki para conversarmos sobre isso. Fomos juntos para o almoço, o salão estava barulhento pela conversa do pessoal das outras mesas, então nós falamos ali mesmo, pois ninguém ouviria.

– Você reparou que Sam está afastado depois que, supostamente, Randall brigou com ele? - digo enquanto bebo um pouco de suco. Loki pensa por um momento.

– Verdade, eu não tenho visto ele com tanta frequência depois daquele dia. Será que é verdade o que ele disse? - Loki me pergunta.

– Eu acho que pode ser, mas eu não confio mais no Sam tem algum tempo.

– Vamos esperar, talvez ele esteja isolado assim por conta dos machucados, daqui a pouco ele volta aos treinos, eu acho. Ah, já ia me esquecendo, hoje à tarde começam as aulas com Remy. Já temos alguns grupos para treinar com ele. Achei que gostaria de saber. Sei que você é ótima com arco e flecha, talvez poderia ajudar ele, ficando cada um com um grupo. O que acha? - Loki me pergunta.

– Não sei não. Eu não conheço ele, apesar de ser meu irmão. Eu não sei se ele não prefere trabalhar sozinho.

– Converse com ele. Acho que não tem problema, eu conheço ele - ele me diz. Eu assinto.

Terminamos o almoço e eu fui falar com Remy. Ele gostou da ideia de Loki, mais do que eu para falar a verdade, mas seria bom, iria passar mais tempo com meu irmão e poder conhecê-lo um pouco mais.

Eu treinei com Remy antes para combinarmos o que passar para os aprendizes. Estava sendo legal esse contato com ele. Depois de praticarmos os exercícios que iríamos passar nas aulas, ficamos conversando enquanto a hora da nossa primeira aula ainda não havia chegado.

– Você que mora fora daqui, por que Svetilnik parece ter parado no tempo? Nós temos alguma tecnologia aqui, luz elétrica, telefone, etc. Mas nós vivemos numa sociedade monárquica, com um castelo, um exército real. Você não acha isso, sei lá, confuso? - eu pergunto, meio insegura, talvez ele até risse de minha observação.

– Eu demorei até me acostumar aqui. Eu sempre soube como era pelo que meu, digo, nosso pai me contava. Mas isso é tradição. Os Jotuns se diferenciam dos humanos nessa questão, eles são muito mais tradicionalistas que os humanos. E Svetilnik, assim como alguns outros lugares também protegidos por magia, bem para os humanos esses lugares não existem. É como se estivessem em outra dimensão, um mundo paralelo ao humano. Desculpe se te confundi, eu não sei explicar direto essa coisa. Mas realmente, os humanos estão mais à frente, aqui também estariam se não tivessem se isolado completamente do mundo humano.

– É meio confuso para quem nunca esteve lá fora, que nem eu. Mas acho que entendi sim. Obrigada Remy - nós conversamos mais um pouco e depois tivemos nossa primeira aula de arco e flecha com nossos respectivos grupos.