O centro do reino era o coração de Andora. Era bastante movimentando, dias e noites, centenas de comerciantes, aldeões e todos os tipos de pessoas passeavam por aquelas ruas, sempre vendendo, comprando ou apenas aproveitando uma boa caminhada. O dia estava ensolarado, os camponeses pareciam mais aliviados. A segurança do reino tinha sido reforçada apenas por causa de uma fera a solta. Eu adentrei o centro comercial montado em meu cavalo, Arion, um cavalo de guerra negro, um corcel lindo. Olhava distraído ao redor, admirando algumas belas moças que davam risinhos com a minha passagem. Quase todos ali sabiam quem eu era, e em minha passagem fazia algum gesto de respeito ou até para minha surpresa, reverencias. Mesmo vivendo anos ali, não estava acostumado com o respeito que os cidadãos de Andora tinham por mim. Porém algo me pegou de surpresa.

A vampira estava ali, parada há alguns metros de mim.

A bela Violet estava escondida debaixo de um capuz. Usava um vestido bem detalhado, com certeza do mesmo que a realeza usava. O corpete marcava seu corpo esbelto, mas por cima usava uma longa capa branca, escondendo-se do sol. Os cabelos ruivos e sedosos estavam soltos por cima do ombro e pelo capuz, a única coisa que eu avistava em seu rosto era um pequeno sorriso cruel. Eu percebi que ela também tinha um amuleto em seu colar, igual ao meu para proteger-se do sol. Percebi que mesmo com o amuleto, ela não confiava andar a luz do dia

Desmontei e manti Arion ao meu lado. Ela deu alguns passos em minha direção, mas apenas fiz um gesto para que ela me seguisse. A vampira assentiu ainda cabisbaixa, escondendo seu rosto. Segui pelo um caminho que serpenteava para fora do centro, em direção à floresta do Norte. Quando senti que estávamos afastados o bastante de olhares indiscretos, parei em uma clareira. Estralei os dedos e Arion manteu um trote para fora da clareira, afastando-se. Correndo pelas árvores, fiz o mesmo, desaparecendo nas copas, deixando a vampira sozinha naquela clareira, o balançar das árvores e o vento faziam uma belíssima combinação.

Ela não me seguiu, percebi que ficara tensa por meu sumiço, esperando qualquer ato contra ela. Com minha velocidade anormal, dei a volta silenciosamente pela clareira e surgi atrás dela. Fiquei a centímetros dela, a mesma apenas tensionou os músculos ao sentir minha presença, mas não reagiu. Levei a mão ao rosto dela, esperando uma reação, mas nada obtive. Segurei o rosto dela pelo queixo.

– Seu reflexo diminuiu nos últimos dois meses. Parece estar com problemas. – Sussurrei no ouvido da mesma, provocador.

–Há dois meses estou sendo perseguida por sua guarda. – Violet respondeu virando-se para mim, seu rosto perto do meu. Não parecia intimidada. – Não me alimento direito, por sua causa.

– A culpa não é minha, humft. – Minha voz saiu rouca. Recuei um passo, retirando o elmo e o colocando debaixo do braço.

– A culpa é totalmente sua, quando reforçou a segurança nos vilarejos e no centro de Andora. A culpa é sua de colocar caçadores atrás de mim! – A vampira apontou o dedo em meu rosto, enfurecida. - O que quer de mim? Tudo estava ótimo antes de você surgir!

– Ah, ótimo? Magra, faminta, isto é ótimo? Enfim... O ponto é quê, algum imbecil traidor da minha tropa avisou ao Conselho que avistou uma vampira ruiva nas fronteiras de patrulha. A culpa é mesmo minha? - Apontei para uma árvore na esquerda da clareira, um corpo de um soldado da tropa de Andorah estava fincado por flechas e alguns membros lhe faltavam, o sangue escorria pelo chão.

Percebi que a vampira iria à boca para gritar comigo novamente, mas sentiu o ar ser envolvido pelo cheiro do sangue. Parou e olhou para onde apontei, vendo o sangue escorrendo. Pareceu entrar em um tipo de frenesi. Começou a andar em direção ao corpo, rapidamente, os olhos mudaram e os caninos cresceram. Em um movimento brusco, segurei o braço da vampira e olhei fixamente em seus olhos.

– Você não quer fazer isso, tola.

– Estou faminta, merda! – Ela disse entre dentes.

– Este não é o seu maior problema. –Puxei a mesma para perto de mim e com a mão livre, retirei o capuz de Violet, colocando no lugar, meu próprio elmo. - Veja Violet, agora você sou eu. Sim, o capitão que tem que ver centenas de pessoas todos os dias, mas mesmo assim não as ataca, okay?

Senti os ombros dela mucharem ao se afastar do cheiro. O rosto de Violet enrubesceu levemente.

– Sim, mas esse trabalho é seu, não meu. Sua responsabilidade, não minha. – Ela respondeu sem tirar os olhos do cadáver. Eu percebia que a fome gritava dentro dela.

Ela forçou os braços soltando-se se mim.

–Humft... Faça como quiser. – Dei um suspiro longo de frustração e a deixei livre.

Violet seguiu para perto do corpo, retirando o elmo da cabeça. Ela deu um pequeno sorriso ao inspirar o cheiro do sangue. A vampira enficou os dentes no pescoço do cadáver, mas logo após, algo a fez parar. Ela recuou, tossindo freneticamente. Ela caiu de joelhos, seu corpo tremendo em agonia.

– Está envenenado... Sangue de lobo. – Ela disse rouca e voz oscilante. Eu conhecia essa sensação. Sangue de lobo queimava a garganta de qualquer vampiro, além de leva-lo ao chão em poucos segundos.

–Hum...Ora,ora...- Disse coçando a nuca, meio surpreso com aquilo.

– Você sabia, não sabia seu maldito? – Violet disse entre as tosses.

Não tive tempo para responder.

Dois arqueiros apareceram apontando flechas para mim e para Violet. Logo após deles, um homem com quase as mesmas vestimentas que as minhas, surgiu com um sorriso zombeteiro no rosto. Seu cabelo era ruivo, mas era mais alaranjado do que de Violet. O corpo era levemente bronzeado e os olhos negros eram intensificados pelo semblante severo. Era corpulento e alto.

– Não vampira tola, ele não sabia. – O homem respondeu.

– Você não... Seu maldito. – Manti o rosto abaixado, travando o maxilar. Eu sentia nojo daquele homem.

Violet de repente se colocou de pé. Lançou um olhar a nós dois e antes que eu pudesse ter certeza de algo, ela investiu contra os dois arqueiros, sua velocidade estava reduzida, mas os arqueiros não conseguiram acompanha-la.

– Violet, pare! É inútil... – Disse preocupado, levantando a mão em um sinal, a outra pousada na bainha da espata.

A vampira não me deu ouvidos. A garota agia por impulso. Derrubou o primeiro arqueiro, tão ágil, que o mesmo não conseguiu terminar de soltar a flecha. Ainda lhe acompanhando com o olhar, vi que Violet já estava ofegante, fraca. Era incrível como ela persistia mesmo faminta e fraca. Ela investiu contra o segundo, esmagando seu crânio contra o chão brutalmente.

Voltei o olhar para Seth, que não parecia surpreso pelo ataque de Violet.

– Então Seth, o que merda você faz por aqui?! Deveria estar pastando. – Provoquei com um leve sorriso no rosto.

– E você Joe? O que faz com essa vampira de merda? – Ele perguntou já com a espada em punho.

De relance, pude ver a vampira estraçalhando o pescoço do arqueiro morto. Logo ela estaria forte e recuperada. Voltei à atenção a Seth.

– Em breve a tropa do norte chegará aqui, vampira idiota, estes são apenas aperitivos! – Seth disse também observando a vampira, gargalhando em seguida. Um ódio me tomou subitamente. Saquei a espata da bainha.

– Não a chame assim! – Disse entre dentes e usando capacidade anormal que possuía investi um ataque contra Seth.

A batalha estava travada.

–Oh, sua namoradinha? – Seth retrucou enquanto investiu contra mim, estocando golpes, que eu apenas desviava ou bloqueava com minha própria arma.

A luta seguiu-se mais rápido, igualmente balanceada. Acertei um golpe em uma brecha da armadura de Seth, que urrou e com fúria investiu contra mim. Com uma chuva de golpes pesados e rápidos contra mim, acertou parte da minha coxa. Porém, cometi um deslize. Seth, como um guerreiro experiente, viu o deslize e bateu sua espada contra a minha, de modo que minha espata caiu no chão. O mesmo acertou um chute em meu peito, fazendo-me cair sentado. A ponta de sua espada parou a centímetros do meu rosto.

– Diga adeus a sua vadiazinha, Comandante Joe. – Seth cuspiu as palavras, vitorioso. Lancei um olhar a Violet, lhe deixando entender que era sua vez de atacar.

A vampira entendeu o recado.

Investiu silenciosamente contra Seth, precisando de apenas alguns míseros segundos para ataca-lo pelas costas e o segurando pela armadura, o jogou contra o chão com uma força descomunal.

– Só eu posso matar o Joe. – Ela disse tomando a espada de Seth.

Levantei rapidamente e peguei minha espata. Limpei minhas vestes e apontei a arma para o rosto de Seth.

– É, só ela pode me matar. – Disse com um pequeno sorriso vitorioso ao canto do rosto.

– Você está se condenando e condenando toda Andora! – Seth gritou furioso, porém acuava-se sem poder levantar. – A rainha vai pagar um preço alto pela cabeça de vocês dois! Seu traidor de merda!

– Tem todas as honras, comandante Joe. – Violet disse jogando a espada de lado e cruzando os braços. O sorriso frio continuava preso ao seu semblante.

– Hum, você deve ter um gosto horrível, Seth. – Ao dizer tais palavras, minhas presas caninas cresceram e meus olhos mudaram de cor, ainda mantendo a espata em riste ao peito de Seth.

– O que diabos... Você é um deles! – Seth mostrava-se assustado, seu corpo começava a estremecer. Ele soltou um grito, que ao final, parecia mais um rugido.

– Violet, chame Arion, temos que partir imediatamente. – Recuei ao ver a forma corporal de Seth mudar. Embainhei a espata. – Vamos rápido. Ele é um...

– Lobo... Merda! – Violet recuou também surpresa com a transformação. – Faça alguma coisa com essa maldita espata! Não fique apenas olhando, não podemos morder ele!

– Ele deve ter uma matilha, os lobos antigos viviam neste lado da fronteira, devem estar chegando mais! – Assobiei logo em seguida, Arion aparecia entre as arvores, o garanhão abaixou a cabeça e passou por Violet, fazendo a montar.

– A nova era acaba de despertar, Joe! Andora não resistirá! – Seth gritou para mim, sua transformação mais rápida.

Subi no cavalo o ignorando. Violet apoiou os braços ao redor da minha cintura.

– Joe, somos apenas dois contra vários deles! – Violet disse ainda boquiaberta com a transformação de Seth.

– Temos que partir daqui, agora! – Retirei uma adaga da bainha e lancei contra o lobo. A mesma ficara cravada em sua perna direita. – Isso vai atrasa-los, não sairão sem o líder da Matilha. Está pronta?

– Sim, vamos logo! – Violet apertou os braços ao meu redor.

Por um momento hesitei com o aperto da vampira, mas logo em seguida deu uma leve palmada em Arion. O cavalo seguiu em disparada entre as arvores, rumando para fora dos domínios de Andora.