Os dez minutos de espera foram terríveis, só não foram piores do que os minutos dentro do carro.

Eu ia me sentar no banco de trás, mas Lírio insistiu para que eu me sentasse ao seu lado, no banco do passageiro.

Senti seu olhar sobre mim durante todo o trajeto até a Ribalta, mas ficamos em silêncio o tempo inteiro.

— Por que viemos aqui? — pergunto, seguindo-o o até a sala de aulas da Lucrécia. — Como você pegou a chave?

— A Jade pegou com a mãe dela e me emprestou, eu tenho que ensaiar.

Lírio ligou uma música em seu celular, o colocou no chão e começou a dançar.

Não sei porquê ele me trouxe aqui; achei que iríamos conversar — não que eu quisesse, porque ele nem deveria saber de nada do que eu conversei com a Sol. Eu ainda a matarei por ter contado qualquer coisa que seja.

Mas não posso reclamar, ver o corpo de Lírio se movimentando com precisão enquanto seus músculos se contraem a cada movimento mais pesado não é nada mal.

— Não iríamos conversar? — pergunto quase gritando porque ele está um pouco distante de mim e a música está alta.

— Estou esperando você começar a falar e confirmar o que a Sol me disse.

— Eu não sei o que ela te disse.

— Ela me disse tudo.

— Eu não sei o que foi "tudo" pra ela.

— Então me diga o que é tudo pra você.

Não respondo. Viro o rosto e encaro a parede. Ele continua a dançar.

— Eu sei que você tá afim de mim.

Olho para ele.

— Eu não estou a fim de você. Quer dizer, eu não... Eu não sei, isso é estranho, ok?

Volto a encarar a parede, desconfortável com a situação.

Ele parece notar, pois não insiste para que eu fale.

— Ei, vem aqui — ele chama. — Temos uma apresentação depois de amanhã, lembra? Temos que ensaiar.

Dou de ombros e começo a ensaiar com ele. Não sei dizer quanto tempo permanecemos dançando em silêncio, mas é mais tempo do que eu gostaria.

Sem parar de dançar, ele começa a falar: — Eu sei que é estranho, ok? A primeira vez que me senti atraído por outro cara também foi.

— Então você é gay? — Paro os movimentos.

— Bi — ele responde e gesticula para que eu continue dançando. — Isso é normal, essa dúvida faz parte da descoberta. E Jeff, você é diferente de todos os outros homens com que já fiquei. Você não é do tipo que só se importa com a aparência e essas coisas, como eu. Você é especial.

Rodopiamos duas vezes com os braços abertos.

Não penso nem por um segundo, apenas pergunto. — Isso quer dizer que eu teria uma chance?

Salto e faço movimentos lentos e circulares com os braços.

Lírio coloca suas mãos em minha cintura, me ergue no ar e rodamos.

— Uma chance? — ele ri. — Você teria muito mais do que uma chance.

Ele me desce devagar, estamos tão próximos que se alguém de fora nos visse, pensaria que estamos nos esfregando.

Agora estou com os pés no chão, mas Lírio continua com as mãos em minha cintura. Sinto sua respiração em meu ouvido — e não sei se é impressão minha, mas sinto algo roçar levemente em meu cóccix, e desconfio que seja uma ereção.

Viro meu rosto e solto um suspiro longo ao notar a proximidade de nossos lábios. Fecho os olhos esperando o contato, mas ele nunca vem.

Lírio me solta, caminha até o celular, desliga a música e o guarda no bolso.

Estou super confuso agora. Achei que nos beijaríamos, eu estava super pronto pra isso.

— Vamos? — Ele aponta pra porta, indicando a saída.Me aproximo dele.

— Achei que a gente...

— Não, ainda não.

— Ainda? Então quer dizer que nós ainda iremos...?

— Depende de você — Ele me dá uma piscadela e acaricia meu rosto. — Você ainda tem que se resolver com a Mari e ter certeza do que você realmente quer. Mas ainda podemos ensaiar amanhã de novo, se você tiver afim.

Sorrio. É claro que eu quero. Assim como eu quero beijá-lo, mas ele está certo. Não seria justo trair a Mari.

Ainda não sei se terei coragem de terminar com ela e me assumir bissexual, mas talvez Lírio valha a pena.