"Lamento te desapontar, pai, mas talvez eu seja mesmo gay!", essa frase não sai da minha cabeça.
Sei que se eu continuasse perto do meu pai depois de ter dito aquilo, ele me mataria. Sei também que disse aquilo pra irritar ele, mas pensando bem, pode não ser uma mentira.
Quer dizer, eu nunca tive nada com nenhum garoto e tal, mas ultimamente Lírio tem me chamado muito a atenção. Não por atributos físicos (vamos fingir que ele não tem aquela combinação perfeita de: olhos hipnotizantes + abdômen definido + sorriso brilhante), mas sim pelo seu jeito de ser.
Nas últimas semanas voltei à Ribalta, escondido do meu pai, e Lucrécia tem me colocado como dupla do Lírio em todas as aulas. Me sinto seguro dançando com ele, e sei que isso não tem nada a ver com seus músculos.
Já contei isso à Sol, e ela disse que eu estou me apaixonando por ele, mas não sei.
Eu gosto muito da Mari, muito mesmo; mas nosso namoro já não é mais como antes. Ficou chato, monótono.
Ela é uma fofa, porém dramática. Se faz de vítima o tempo inteiro, sempre fica choramingando pra lá e pra cá, sofrendo muitas vezes por algo pequeno — sem contar as inúmeras vezes que ela fica cantando repetidamente "Tudo o que você quiser" do Luan Santana. Seu drama é tão grande que afeta em suas notas e dicção, e acaba não cantando tão bem quanto é capaz.
Esse jeito depressivo me incomoda.
Apesar de Lírio ser um pouco esnobe, ele é brincalhão e sua auto-confiança é admirável. Talvez Mari devesse conversar com ele pra, quem sabe, absorver algo.
Não sei nem porque estou comparando os dois, não é como se eu estivesse dividido entre um e outro. Não mesmo. Apenas estou refletindo, e não há mal nisso.
"Talvez a mudança não tenha que ser no jeito da Mari, e sim em outra coisa", Sol me disse hoje. Sei que ela insinuou que talvez eu devesse trocar Mari por Lírio.
Muita gente diz que eu estou com ela apenas por uma confusão entre os sentimentos, e que o que sentimos um pelo outro não passa de amizade — uma forte amizade, onde um não deixou o outro desistir de seu sonho.
Pode ser que seja isso. Como estávamos sozinhos e um virou o porto-seguro do outro, podemos ter confundido as coisas, mesmo.
Meu celular vibra mas eu não o pego. Deve ser a Mari ou minha mãe, mas eu não quero atender nenhuma delas. Não quero ouvir Mari com suas frases de auto-ajuda que me dão preguiça e não funcionam nem com ela mesma, e muito menos ouvir minha mãe me dar uma bronca por eu ter saído de casa de manhã e não ter voltado ainda. Já é de noite e não tenho vontade de voltar.
Meu celular vibra de novo e dessa vez eu o pego para ver quem é.
Lírio.
Hesito um instante, mas atendo. Pra ele me ligar, só pode ter acontecido algo. Nós somos amigos, mas nunca trocamos um telefonema.

— Alô? — digo.

— Jeff, onde você tá?

— Na praia. Por quê?

— Eu estou passando aí pra te buscar.

Eu não devia ter falado. Deve ser apenas mais um querendo que eu volte pra casa. No mínimo, Sol lhe contou que eu "sumi".

— Eu quero ficar sozinho.

— Sem chance.

— O que você quer, Lírio? Não pode ser algo tão urgente que você não possa esperar até a aula de amanhã.

— Sol me contou umas coisas, e nós precisamos conversar.

Eu mato essa garota.