Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 12
Capítulo 12




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Estamos na arena de novo. Como isso pôde acontecer? Isso não está certo. Seguro na mão de Katniss. O sol brilha tão intensamente que impede que eu enxergue o que está a minha frente. Mas eu sei que estamos numa arena. Por nossas roupas, e pelo cheiro. De morte, e medo.
– Eles estão vindo Peeta! – Katniss grita.
–Eles quem? – pergunto atormentado.
Mas é tarde demais. Bestantes surgem de todos os lados, e partem para o ataque. Eu me ponho na frente de Katniss, numa tentativa inútil de protege-la. Mas é como se eu não existisse. Eles passam por mim, e atacam Katniss ferozmente. Ela grita. Sangue verte dos arranhões e mordidas em seu corpo. Eu tento salvá-la. Mas nada do que eu faço faz com que essas mutações parem o ataque. Eu grito, desesperado por ajuda. Grito até minha garganta sangrar. Mas os bestantes não param. E eu me vejo assistindo a morte lenta e dolorosa da pessoa que é tudo para mim.
Suor pinga do meu rosto. Mal consigo respirar. Meus olhos demoram para distinguir o ambiente. Mas, quando sinto um peso em meu ombro, suspiro aliviado, e quase choro. Foi só um sonho ruim. Katniss dorme serenamente ao meu lado. Tenho medo de que o meu tremor a acorde, por isso me forço a recobrar algum tipo de controle. Vários minutos se passam até que eu me sinta calmo novamente. Fazia algum tempo que eu não tinha um pesadelo assim. Também, fazia algum tempo que eu não dormia. Sinto o cheiro do almoço, e minha barriga, apesar do exagero da noite anterior, ronca. Mas eu ignoro minha fome, e decido ficar aqui com Katniss. Foi tudo muito real. Preciso ficar aqui para ter certeza de que foi mesmo um sonho ruim. Acho que eu enlouqueceria se a visse morrer daquele jeito, ou de qualquer outro jeito. Ou talvez me mataria para morrer junto com ela. Imaginar uma vida sem ela é doloroso demais. Fico perdido em meus pensamentos por horas, apertando Katniss contra meu corpo, sentindo seu calor, até que percebo um par de olhos cinzas me encarando.
— Sem pesadelos — digo.
— O quê? — ela pergunta um pouco sonolenta.
— Você não teve nenhum pesadelo esta noite — explico.
— Mas eu sonhei — ela responde, pensativa. — Eu estava seguindo um tordo por um bosque. Por muito tempo. Eu era Rue, na verdade. Digo, quando eu cantei, eu tinha sua voz.
— Para onde ela te levou? — pergunto, tirando uma mecha de cabelo de sua testa.
— Eu não sei. Nós nunca chegamos. Mas eu me senti feliz.
— Bem, você dormiu como se estivesse feliz.
— Peeta, como eu nunca sei quando você está tendo um pesadelo?
— Eu não sei. Eu não acho que choro ou rolo por aí ou algo assim. Eu chego a ficar paralisado com o terror.
— Você devia me acordar — ela responde, séria.
— Não é necessário, meus pesadelos geralmente são sobre perder você — digo, enquanto um tremor percorre meu corpo, relembrando o pesadelo que tive. — Eu fico bem quando percebo que você está aqui.
— Será pior quando estivermos em casa e eu estarei dormindo sozinho novamente – digo mais para mim, que para ela. Talvez ela diga algo que possa me dar uma certa esperança. Talvez possamos dormir juntos quando voltarmos, já que um faz bem para o outro. Mas nada disso acontece. E eu caio de cabeça, mais uma vez, na constatação de que nada do que vivemos aqui, vai se repetir quando voltarmos ao distrito 12. Voltaremos a viver nossas vidas, ela fugindo de mim, e eu me afogando cada vez mais nesse amor.
Quando chegamos ao distrito 12, uma tristeza infindável me acomete. Paramos na estação para acenar e sorrir para as câmeras, e em seguida somos conduzidos para a casa do prefeito, onde acontecerão nossas preparações. Katniss se sente mais a vontade pois ela é amiga da filha dele, Madge. Eu apenas aceno para a bela garota, e vou, guiado por Effie para o terceiro andar da enorme casa, onde minha equipe espera para começar um longo trabalho. O jantar acontece como todos os outros. Katniss está deslumbrante num vestigo longo e prateado, combinando com as estampas prateadas do meu terno. Minha família não aparece.
Quando vamos para as ruas onde o festival está acontecendo, só as crianças estão realmente felizes. Katniss está tensa. Ela disse que não haveria mais segredos entre nós, mas eu desacredito disso, olhando sua expressão de pânico, por baixo de um falso sorriso. A noite avança e Katniss não dá sinais que me dirá alguma coisa. Bem vindo de volta ao distrito 12, penso.
Tudo acabou. A encenação. As câmeras, os beijos... Só me dou conta disso, agora, que estou jogado em minha cama. A primeira noite que ficarei sozinho. Não pensei que sentiria tanto medo, ou que me sentiria tão vulnerável. Cogito até ir dormir na casa de Haymitch, mas aquele lugar não se encontra em situação habitável. Com o sono longe de aparecer, me entrego a minhas tintas e telas. Começo a pintar devagar, sem ao menos saber o que estou fazendo. Conforme os traços vão ganhando forma, acelero o ritmo. Acelero mais, e mais. Quando termino, estou ensopado de suor, ofegante, e exausto. Tiro minha camiseta, e enxugo o suor do rosto para poder olhar melhor a tela que pintei. Passo muito tempo olhando cada detalhe. Meus olhos ficam marejados, mas eu me recuso a chorar. Pego um colchão, um cobertor, e deito em frente a tela. Essa talvez seja a melhor tela que já pintei. Os grandes olhos cinzentos me encarando. Os lábios num tom alaranjado, como o fogo, me fazendo lembrar de como eles são quentes. O cabelo esvoaçando ao redor do rosto fino. Fico ali, admirando tamanha beleza, enquanto o dia amanhece. Adormeço aos poucos, me sentindo feliz, por de certa forma ter Katniss comigo, nem que seja numa tela, com o seu retrato.
Acordo com o toque do meu telefone. E acho isso muito estranho pois ninguém costuma me ligar.
– Peeta?
Reconheço a voz de meu pai. Fico sem saber o que falar por um tempo.
– Oi pai. Aconteceu alguma coisa? – pergunto, me sentindo um estranho ao falar com meu próprio pai.
– Nada. Bem... Sua mãe está organizando um jantar para você hoje. Te esperamos a noite, pode ser?
Não penso duas vezes antes de responder.
– Mas é claro.
E então ele desliga.
Seria bom ter o carinho de minha família. Mesmo sem nunca ter tido antes, imagino que deve ser muito bom se sentir amado pelo menos por seus pais, e irmãos. Se eu tivesse isso, talvez fosse mais fácil esquecer Katniss. Ou conviver com esse amor. Tomo um banho, me agasalho com um casaco vindo da capital e saio de casa.
Encontro Katniss no caminho para a cidade. Ela provavelmente está voltando de alguma caçada. Ela deveria parar de fazer isso, mas Gale ainda é um caçador. Isso significa que ela ainda é uma caçadora também.
— Estava caçando? — pergunto, já sabendo a resposta.
— Na verdade não. Indo para a cidade? — ela pergunta, ansiosa.
— Sim. Eu tenho que jantar com a minha família.
— Bem, pelo menos posso acompanhá-lo – ela sugere.
Começamos a andar, num silêncio mais cortante que o vento. Estamos nos aproximando da praça, quando Katniss sussurra:
— Peeta, se eu lhe pedisse para fugir do Distrito comigo, você iria?
Paro abruptamente e seguro seu braço. Não preciso ver sua expressão para saber que ela fala sério.
— Depende do por que você está perguntando.
— O Presidente Snow não foi convencido por mim. Há uma revolta no Distrito Oito. Nós temos que ir embora — ela dispara, tremendo.
Fico surpreso. Pelo convite para uma fuga, e por saber que está mesmo acontecendo. Uma rebelião.
— Por “nós” você quer dizer apenas eu e você? Não. Quem mais poderia ir? — pergunto.
— Minha família. A sua, se eles quiserem vir. Haymitch, talvez.
— E Gale?
— Eu não sei. Ele talvez tenha outros planos.
Ótimo. Ela preferiu falar com Gale primeiro. Achei que tivesse ao menos a sua confiança, mas se ele tivesse aceitado fugir com ela, talvez nem aqui falando comigo, ela estaria. Forço um sorriso, e mesmo magoado, não consigo dizer não.
— Aposto que ele tem. Claro, Katniss, eu vou.
— Você vai? – ela pergunta, esperançosa.
— Sim. Mas não acredito nem por um minuto que você vai — replico.
Ela tira, com raiva, seu braço da minha mão.
— Então você não me conhece. Esteja pronto. Pode ser a qualquer momento – ela diz, e recomeça andar, fazendo questão de me deixar para trás.
— Katniss — chamo.
Ela começa a andar mais rápido.
— Katniss, espere – suplico.
Ela chuta um punhado de neve, mas deixa eu a alcançar.
— Eu realmente vou, se você quiser que eu vá. Só acho que é melhor conversar sobre isso com Haymitch. Certificar-nos de que não estaremos tornando as coisas piores para todos. — De repente, escuto um barulho. Algo como um assobio, gemidos. — O que é isso?
Ficamos parados, ouvindo esse som estranho com um certo nervosismo.
— Vamos lá — digo, finalmente, pressentindo que algo terrível está para acontecer.
Quando chegamos a praça, é impossível ver algo, pois há uma enorme multidão assistindo horrorizada alguma coisa. Subo em uma caixa para tentar ver o que está acontecendo, enquanto ofereço uma mão para que Katniss suba também. Mas o que vejo, me deixa aterrorizado. Gale, quase inconsciente, ensanguentado, sendo chicoteado no meio da praça. Katniss não pode ver isso.
— Desça. Saia daqui! – sussurro para que as pessoas não nos notem, podendo chamar atenção para Katniss, que também caça na floresta. Pois é óbvio. Gale está sendo punido por esse motivo. O pacificador que está o chicoteando não é daqui. Talvez seja o presidente tomando providências. Cumprindo suas ferozes promessas.
— O quê? — Katniss pergunta absorta em sua curiosidade.
— Vá para casa, Katniss! Eu estarei lá em um minuto, eu juro! – peço, pensando no que fazer para impedir que matem Gale.
Mas Katniss, é dona de uma teimosia gigantesca, e eu a vejo se afastando de mim, abrindo caminho em meio à multidão. Tento acompanha-la, mas as pessoas me empurram. Chego a cair duas vezes devido a minha perna falsa, e quando finalmente consigo um vislumbre de Katniss, fico sem reação, vendo ela se pôr na frente de Gale, e tomar uma chicotada em seu lugar.
Abaixo a cabeça. Meu coração bate tão forte, que parece estar prestes a sair do meu peito. Agora eu consigo entender tudo. Quando Katniss arriscou sua vida por mim, e quis morrer comigo na arena, ela fez isso por desespero e medo. E não por amor, como ela está fazendo agora, se pondo entre Gale, e um chicote. Ver ela no chão, o rosto sangrando, e implorando para o pacificador parar, me faz ter certeza disso. De que nunca foi amor. De que nunca será. Enquanto vejo Haymitch se aproximar, tentando impedir que ambos apanhem ainda mais, avanço pela multidão para fazer o mesmo. Conforme me aproximo, vejo o estado deplorável que Gale se encontra, e me pego torcendo para que ele fique bem, para que ele não morra, pois ele é a única pessoa que pode fazer Katniss feliz. Por mais que eu odeie admitir, essa é a única e irrefutável verdade, com a qual terei que conviver. Me fazer de cego era mais fácil, do que aceitar e aguentar. Agora terei que pagar o preço, e ajudar a salvar a pessoa que tem, o que eu faria qualquer coisa para conseguir: o amor de Katniss.


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