Os corredores estavam agitados como sempre: um grupo de garotas fofocava pelos cantos, garotos estavam em bandos rindo, zoando, e olhando para a bunda das meninas, o grupo de nerds discutia sobre o próximo "A hora da aventura", etc. Tudo no seu devido lugar. Principalmente o grupo de vadias do colégio.

Agora você deve estar pensando que sou simplesmente má. Mas eu só estou dizendo a pura verdade, elas usam calças tão apertadas, que nem sei como não tiveram que amputar as pernas, a blusa que você deveria usar um número maior para ficar decente, elas usavam dois a menos e sempre, SEMPRE andavam rebolando e empinando a bunda, mesmo que não tivessem uma. E é por isso que eu tenho que usar óculos, porque ver isso todos os dias estraga os olhos de qualquer um.

– Mas como assim você deu o dedo para ela? Onde você estava com a cabeça sua louca!

Suspirei.

– A minha cabeça estava na minha cama, já que como eu te expliquei, a querida vizinha fez o favor de me acordar. Então, perceba a direta que eu não dormi bem e pare de repetir coisas que eu acabei de te contar, caramba!

Lana conseguia deixar qualquer um louco de vergonha, mas o que me deixava louca era o fato que ela não conseguia acreditar que eu fazia essas coisas.

– Foi mal, foi mal. Me empolguei - ela disse, fazendo biquinho - O que eu quero dizer é como você vai encarar ela depois? Ela é sua vizinha.

– Do mesmo jeito que eu encaro esse mundo. Com minha beleza em nível reduzido. Mas uma coisa eu posso dizer: isso vai ser divertido.

Continuamos a caminhar em direção a sala, ouvindo Lana sempre fazendo pequenos comentários das pessoas ao nosso redor. "MEU DEUS! Catarina pintou o cabelo de loiro!". Aham. "Como eu queria ficar bonita em uma calça daquelas.". Nem tente. "Gente! Leo terminou com a Flavia! Eles eram tão fofinhos juntos, não acha?". Eu acho que vou pegar ele.

Chegamos na nossa sala e nos sentamos, ela com seu grupo de amigas, e eu no canto onde poderia me encostar na parede e dormir. Mas você deve estar pensando o porquê de eu não ter sentado com a Lana ou vice-versa. Bom, pelo fato que eu não posso me dar ao luxo de ficar conversando durante a aula, e aquelas focas não paravam de falar.

Coloquei o fone de ouvido, deitei a cabeça na parede e fechei os olhos ignorando o mundo. Será que eu poderia voltar àquele meu sonho de semana passada? Eu tinha sonhado que estava tomando chá da tarde com um gato (literalmente, um gato) em cima de uma baleia no meio do mar. Aquilo tinha sido divertido: toda vez que a baleia esquecia que havia uma festinha nas suas costas ela descia para o mar, e o gato bolado enfiava as garras na pobre baleia, que soltava água, mas continuava nadando sem mergulhar.

Barulho. Foi isso que me fez parar de sonhar acordada.

Abri os olhos e procurei a razão, e quando encontrei, sorri. Acho que a vizinhança chegou na escola, e chamava atenção da sala. Claro, não sou burra, ela é linda, mas ainda assim não entendia a balburdia. Então olhei para a porta e ri, porque lá estava o outro irmão.

Enquanto ela procurava um lugar para sentar, e ele como um segurança seguia ela com o olhar, o resto da sala cochichava. E eu? Bem, eu liguei o foda-se e coloquei os pés no acolchoado da cadeira da minha frente, e como sou sutil, chamei atenção indesejada da garota que estava separada de mim por uma fileira e não tinha me notado. Lerda. Ela me encarou e empalideceu.

Não aguentei, joguei minha cabeça para trás e ri. Minha vida estava uma bosta, mas ainda assim, eu consegui arranjar alguém que tinha medo de mim, sem nem tentar! Mereço. Limpei uma falsa lágrima e me recompus.

– Vai minha filha, senta e para de me encarar. Você tem toda sua vida como minha vizinha para isso.

E foi assim que eu passei a ser o centro das atenções.

– Vocês são vizinhos? Desde quando Julia? - Essa era Amanda, a fofoqueira.

– Desde que eles se mudaram, né. Dã! - Me poupe, viu. Ficar esclarecendo minha vida para os outros, ninguém merece.

– Nós nos mudamos ontem, na verdade - a loira disse.

Gente.

– E ela fala! - eu soltei. Pelo canto do olho eu podia ver que Lana estava se segurando para não cair na risada, já que além de estar sabendo das piadas internas, nos compartilhávamos o mesmo senso de humor, sou muito engraçada.

– Claro que eu falo - ela respondeu, tímida.

– Hum, divertido - encostei minha cabeça na parede de novo - Eu vou dormir.

Mas claro, a professora chegou naquele instante, e eu fiquei sem meu querido sono.

– Bom dia, alunos. Pelo que eu posso ver, temos uma nova aluna aqui hoje. Nome e escola anterior?

– Charlie e eu vim do Texas.

Todo mundo começou a cochichar e alguns fazendo perguntas para ela. "Por que você se mudou?", "Como você fala português tão bem?", e a que eu estava mais aguardando para ser solta: Aquele gato na porta era seu namorado?

Eu. Só. Ri.

Eu já havia percebido que ela era tímida, mas eu pensei que era por minha presença. Agora eu percebi, ela é muito tímida, tipo Lana tímida. Ela ficava olhando em todas as direções sem saber direito o que falar e algumas vezes olhando para mim implorando por ajuda. Suspirei e me levantei caminhando em direção a professora.

Eu e minha alma caridosa.

– Sabe Andrea, você poderia fazer a chamada para ela conhecer os nomes da sala não acha?

A professora estava olhando entretida para a confusão que a sala tinha se tornado em torno de uma garota. Conte com os professores para tudo, mas eles gostavam tanto de novidade quanto os alunos.

– É claro, você tem razão - ela se tocou - Vamos, pessoal, silêncio! Eu vou fazer a chamada.

Aos poucos todo mundo se acalmou e viraram para frente, sem nenhuma resposta as suas perguntas, enquanto eu continuei virada para frente ignorando o olhar agradecido que me seguia.

*

– Não, eu me recuso!

– Vamos, Julia. Você nunca mais ficou na cantina com a gente. Você sabe como é divertido!

Cruzei os braços e fiz bico. Não fazia sentido eu ir. Depois de tudo que aconteceu, eu passava todos meus intervalos sentada na biblioteca, no canto da parede ouvindo musica e comendo minha fruta. Não tinha sentido ir para lá, se a graça que tinha foi embora.

– Você sabe muito bem porque eu não vou.

Lana, Pietra e Camila estavam sentadas na sala desde que o intervalo bateu, discutindo comigo porque eu não queria ir lanchar com elas.

Depois eu era a criança.

– Vamos, Ju! Por favorzinho com caramelo! - Puft, sério?!

– Se não tiver nenhum caramelo, não vou mesmo.

E foi ai que Pietra entrou em ação.

– Poxa, que pena. Hoje eu trouxe mais dinheiro, e ia comprar um croissant de chocolate para quem me agraciasse com piadas sujas, e um humor de boi.

– Humor de boi? - eu dei uma risada - Bom, acho que você achou sua modelo! Vamos, que eu quero minha comida.

– Só assim mesmo para você socializar - Resmungou Camila.

– Só assim mesmo - Concordei.

E foi assim, que eu saí saltitante em direção ao barulho, com três outras mamutes pulando por outro motivo totalmente diferente. Sorte delas eu não me importava se me comprassem com comida.

Enquanto eu fazia meu caminho, algumas pessoas acenavam me reconhecendo, algumas até sorrindo. Só não sei por qual motivo, mas não me dei ao trabalho de me preocupar, apenas acenava com a cabeça e continuava a caminhar.

Por favor, eu não sou mal educada, na maioria das vezes só mal humorada.

Estava ficando com calor e lá não era a biblioteca, o que significa, sem ar-condicionado. Tirei o casaco e amarrei na cintura deixando minhas amigas receberem vento.

– Nossa, finalmente você tirou esse casaco. Nunca mais te vi sem um, chega a ser frustrante - Lana disse, alegre.

– É... - ignorei seu comentário - Agora vamos que eu quero meu croissant!

Se eu soubesse o que aquele croissant iria mudar, eu com toda certeza teria ficado na minha biblioteca.