A noite passou e o primeiro dia de investigação também, Jade dormiu mal, demorou pra pegar no sono, sua mente revivia sua falha sem parar, como se estivesse a julgando. E como se não fosse suficiente, quando o sono finalmente veio fantasmas do passado vieram para assombra-la. Relembrando o pior dia de sua vida, o sofrimento de seu pai, o grito de sua mãe, e as chamas de sua casa incendiada pelos carrascos de sua família.

Damian também não teve facilidade para dormir, sua mente apenas refletia sobre o demônio que deveriam matar “Isso é justo? Ele realmente está fazendo mal? O que é certo nisso tudo?” sua mente não parava de repetir essas perguntas. E seu dever lhe pesava também, “matar” ele se ponderava se conseguiria fazer aquilo, um garoto com seus quinze anos, estaria pronto para tirar uma vida, mesmo que seja de um demônio? Ele se forçou a dormir, independente de sua vontade, no dia seguinte, continuaria sua missão.

Quando acordou tinha lágrimas escorrendo do rosto da garota de cabelos brancos, lágrimas derramadas pelo sonho maldito que teve. Depois disso não conseguiu voltar a dormir, ela saiu do quarto de hóspedes e foi em direção à cozinha, segundo seu celular eram 06h23min da manhã. Estava acostumada a acordar cedo, então não se incomodou. Ao chegar ao local viu Carla Kerbecs preparando o café da manhã.

— Bom dia senhora Kerbecs – disse de forma educada e gentil.

— Jade minha querida, o que faz acordada há essa hora, está muito cedo para se acordar em um sábado. – falou estranhando ao ver a garota de cabelos brancos de pé àquela hora. – Aconteceu algo? – perguntou de modo gentil, se aproximando da garota e passando a mão de modo carinhoso em seu cabelo branco.

— Foi só um sonho ruim. – soltou uma risada sem graça, tentando acabar o assunto – A senhora precisa de ajuda?

— Oh, faz tempo que não tenho companhia pra fazer o café, embora Damian tenha um dom pra cozinha ele sempre está dormindo há essa hora ou atrasado pra escola, – riu – mas sim, aceito uma ajuda. – Jade foi até lá e começou a ajudar Carla com a comida – Acho que não tenho companhia pra fazer o café desde que o pai de Damian estava aqui – falou soltando um sorriso triste.

— O que houve com o pai dele? – questionou – S-Se não for incômodo responder, é claro – virou o rosto meio sem graça.

— Ele era um homem muito ocupado, tinha muitos trabalhos, em muitos lugares, ele não podia viver com uma família, infelizmente. – o rosto de Carla expressava um sorriso, mas sua voz tinha tristeza – Mas imagino que ele tenha se arrependido, pois quando ele foi embora seus olhos tinham apenas tristeza. – disse olhando pela janela que havia em cima da pia, como se estivesse lembrando-se do momento – E você Jade, como são seus pais? – perguntou voltando ao tom de voz gentil de sempre.

— Ah, eles eram maravilhosos – respondeu tentando sorrir.

Ao ouvir a resposta Carla se arrependeu de ter perguntado – Me perdoe por ter perguntado, Jade... – disse com um rosto triste, expressando o arrependimento que sentia.

— Não precisa se desculpar senhora Kerbecs, eu que deveria ter dito antes, mas tá tudo bem, não fiquei magoada com a pergunta, nem nada do tipo. – tentou reconforta-la vendo como a mãe de Damian reagiu ao que tinha dito.

— Não há nada de errado em ficar triste ou chorar, Jade. – a garota de cabelos brancos foi pega de surpresa ao escutar aquilo – Imagino que deva ser difícil para uma garota de apenas quinze anos, mas eu quero que saiba que se precisar de um apoio materno eu estou aqui, e estou disposta a te ajudar. – o sorriso gentil e reconfortante de Carla, e seu toque ao acariciar mais uma vez o cabelo de Jade, fizeram que a garota de cabelos brancos derramasse algumas lágrimas, ela tentou esconder virando o rosto.

— O-Obrigado senhora Kerbecs. – respondeu sem graça.

Damian acorda por volta das 6h40min, ele ponderou se devia ou não levantar, mas depois ficar rolando na cama por dez minutos, sem conseguir retomar o sono, ele se pôs de pé e saiu do seu antigo quarto. Foi até a cozinha e viu Jade e sua mãe terminando de colocar a mesa.

— Acordou na hora certa, Damian. – brincou sua mãe soltando uma risadinha.

— Bom dia Damian – falou Jade se sentando.

O garoto de cabelos negros soltou uma risada ao ouvir o comentário da sua mãe e respondeu Jade logo depois. Ele se sentou e os três tomaram seus cafés.

— “Família é algo muito lindo” – comentou uma voz inocente na mente de Damian. Era Hértinis se comunicando mentalmente com ele, ela estava do lado dele.

Ele ficou meio surpreso com aquele comentário vindo do nada – “Por que diz isso assim do nada?”.

— “É que vendo vocês três juntos eu comecei a pensar nisso, sobre família, sobre como os laços conseguem fazer pessoas diferentes ficarem juntas, eu acho isso algo incrível!” – um tom animado podia ser percebido na voz de Hértinis ao dizer que suas últimas palavras.

Damian parou pra olhar sua mãe e Jade, e então conseguiu perceber algo que não tinha reparado antes, um sentimento bom em seu peito, algo que aquecia. Ele viu a família de que Hértinis havia falado, era óbvio que já sentia isso com sua mãe, mas a presença de Jade e Hértinis não tinha feito o garoto de cabelos negros sentir isso ainda. Porém, quando a garota fantasma lhe falou aquilo ele entendeu o porquê se sentia confortável ao lado dela, e porque ficar próximo de Jade não o deixava incomodado ou algo do tipo, era porque, lá no fundo, Damian passou a enxergar tanto Hértinis quanto Jade como família, como pessoas que estão do seu lado de verdade, pessoas no qual se sentia bem quando estavam juntos.

“Família... Eu já ouvi muitas definições para essa palavra em minha vida, alguns diziam que família era apenas um casal de homem e mulher, e seus filhos. Mas essa definição sempre me incomodou... Isso significa que eu e minha mãe não somos família, já que meu pai nunca esteve conosco? Essa definição é tão vazia e apática. Pois, quando eu sinto isso que estou sentindo agora significa que estou me sentindo em família, significa que tanto Jade quanto Hértinis me fazem sentir isso. Talvez se as pessoas parassem para olhar quem está ao seu redor, notar as pequenas coisas, poderiam finalmente entender que família não é um grupo único, específico e rotulado de pessoas, família é muito mais do que isso. Hértinis vê isso, ela enxerga a beleza nisso tudo, ela enxerga que família é algo que transcende isso tudo, e mesmo assim consegue ser algo tão simples. Pois família, não é nada mais, nada menos, do que amor...” – Damian Kerbecs.