Aquele Que Venceu a Morte escrita por Ri Naldo


Capítulo 4
Arrogance


Notas iniciais do capítulo

Que tal deixar de lado o Dylan sério, chato e arrogante que temos por aqui e relembrar (um pouco) o Dylan idiota e piadista (de má qualidade) que tínhamos quando Louise estava viva?



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Abri os olhos. Eu não via nada a não ser escuridão à minha frente, para onde quer que eu olhasse. Achei que estivesse na minha cama, no Acampamento, tarde da noite, com todas as luzes apagadas, mas, mesmo assim, a fonte do chalé de Poseidon ainda emanaria luz. Então caiu a ficha: eu ainda estava sonhando.

Olhei ao redor, procurando alguma fonte de luz, algo que me tirasse dessa escuridão, sem receber resposta. Levantei, e percebi que tinha uma parede atrás de mim. Andei, tateando a parede, em um caminho que não parecia ter fim. Do nada, vozes que ecoavam no vazio começaram a recitar uma profecia bem familiar.

O ciclope mais forte enfim se mostrou

O filho do deus do mar como prova sequestrou

Quatro semideuses devem aceitar essa missão

O Sol, a Guerra, o Mar e a Morte irão

O anjo no fim deverá se apresentar

Uma escolha na mão daquele que veio do mar

“O anjo no fim deverá se apresentar”. Isso não trazia boas lembranças. Continuei, só queria chegar no final de sonho e acordar logo. Então, repentinamente, um clarão me cegou por alguns segundos, e, quando minha visão voltou, a primeira coisa que vi me deu um susto, apesar de tão estúpida: um peixe. Aliás, dezenas de peixes, talvez centenas. O que eu pensei ser uma parede era, na verdade, vidro. Só pensei ser uma parede por causa dos desenhos em alto-relevo de algas marinhas. Bem, sim, eu estava em um aquário. Não qualquer aquário, o aquário, aquele em que tudo começou, o aquário do Zoológico de Albuquerque, e esse era o corredor que eu estava quando o ciclope entrou correndo devastando tudo em seu caminho atrás de mim.

Outra fonte de luz apareceu, era a saída. Agora eu também podia ouvir as vozes das pessoas do lado de fora do aquário. Era como se eu realmente estivesse de volta lá. Saí para ver o que estava acontecendo, e me surpreendi, porque estava tudo como eu me lembrava. O “covil das zebras assassinas”, como eu passei a chamar depois de uma experiência não muito agradável — que resultou com Louise me salvando mais uma vez —, continuava no mesmo lugar, assim como todas as outras jaulas. Era possível que um lugar não tivesse mudado nada nos últimos dois anos?

Então eu vi algo que me deixou muito confuso: eu mesmo. Sim, eu me vi, e não era em espelho. Era eu, menor, correndo de um ciclope do tamanho de um poste. Eu estava sonhando com a noite em que conheci Louise pela primeira vez. Maldito cérebro de semideus idiota. Observei até o outro eu entrar no aquário, seguido logo depois do ciclope. Agora sei o porquê de Louise ficar rindo da minha cara o tempo todo: eu era horrível. Tinha uma cara de babaca de só pelos deuses. Ainda devo ter, pelo visto.

Eu as vi cinco minutos depois do meu outro eu e do ciclope entrarem no aquário. Louise, Mirina e Julieta entraram apressadas procurando por mim. Eu não podia ouvir o que elas falavam de onde eu estava, mas vi Mirina apontar para o aquário. Louise fez sinal para as outras esperarem ela do lado de fora, e veio na direção do aquário.

Ela chegou perto. Não pude descrever o que eu senti. Aqueles cabelos balançando ao vento, as bochechas infladas, a pele pálida, tudo era tão real que senti que podia abraçá-la ali, no ato. E eu de fato tentei fazer isso, mas meus braços passaram direto por ela, como eu havia suspeitado. Aquilo era uma lembrança em forma de sonho.

Eu sabia de cor o que ia acontecer agora, então fui fazer outra coisa. Cheguei perto de Mirina e Julieta, que conversavam sobre algum livro. Como esperado, ela estava usando o colar que parecia um pretzel — eu pesquisei sobre esse colar, e descobri que era na verdade um símbolo de uma saga chamada Os Alimentos Mortais, algo assim; acho que esse pretzel estava envenenado.

Bem, eu acabei de confirmar as minhas observações. Mirina era linda, sem mais.

— Como será esse garoto? — perguntou Julieta, depois de um tempo em silêncio. Vendo agora, ela era realmente muito diferente de agora.

— Tomara que seja gatinho — disse Mirina, cuja voz eu já tinha esquecido. Acho que ela ficou meio decepcionada com isso.

— Tomara que ele acorde.

O quê? Isso não fazia sentido.

De repente, as duas olharam para mim, como se pudessem me ver de uma hora para a outra.

— Acorde, Dylan — elas falaram, juntas.

O zoológico sumiu, Mirina e Julieta sumiram, tudo voltou a ser escuridão, até que eu abri meus olhos de verdade. A primeira coisa que vi me assustou, apesar de tão estúpida: Lucas. Levantei sobressaltado.

— O que é que você está fazendo aqui? — perguntei, com raiva.

— Você sabe que horas são?

— Sete da manhã?

— Para ser exato, nove e quarenta e cinco. Quase acertou.

Levantei apressado e fui direto trocar de roupa.

— Ugh, você vai sem tomar banho?

— Se você conseguir nos levar a uma hora atrás, eu tomo um.

Ele fingiu que estava vomitando e eu atirei o pente na cara dele, mas ele pegou o pente com dois dedos uma fração de segundo antes de atingir a cara dele.

— Olhe só, consegue fazer isso mas não consegue impedir que uma adaga perfure sua coxa — falei, irônico.

— Ah, é que eu estava muito assustado com a sua cara.

— Tão engraçado que poderia arrancar seu pescoço.

Ficamos um tempo em silêncio. Olhei para a cama de cima do beliche, onde Percy normalmente dormia, e vi que ela estava fazia. Eu imaginei que Percy já estivesse na arena, dando aulas, mas eu lembrei.

— Nenhum dos dois ganhou aquela luta — falei.

— E…?

— E que nós dois teremos que ser os professores.

Eu já tinha esquecido que aquela luta valia algo tão insignificante quanto ser o professor de esgrima. Pareceu que valia a vida de alguém ou algo assim. Lucas deu um tapinha no meu ombro.

— Vai ser divertido. E, aliás, nem vai durar tanto tempo assim. O Percy já volta, você vai ver.

Ψ

Quando chegamos, todos os alunos já estavam lá, inclusive Hellen, que escolhia sua espada em um canto. Ela virou para mim e acenou com a cabeça. Retribuí o aceno.

— Ela veio mesmo — observou Lucas.

— Muito bem observado.

Fomos para a frente de todos, que se viraram para nós. Limpei a garganta.

— Como vocês sabem, Percy foi convocado para uma missão, e ele deixou o cargo de professor para quem ganhasse a luta que aconteceu dois dias atrás. Como vocês também sabem, a luta meio que deu empate, ou seja, vocês terão dois professores, eu e o Lucas — ele acenou para todos, com uma adaga na mão. — O que tornará as aulas muito mais práticas, já que poderemos dividir em dois grupos. Lucas, por que não escolhe primeiro?

— Com prazer. Deixe-me ver...

— Ei, professor — algum aluno levantou a mão, e eu logo percebi que era Colin.

— Sim? — respondi.

— Temos uma novata aqui — ele apontou para Hellen, que olhou furiosa para Colin. Pelo visto eles se conheciam.

— Sim.

— E o ritual de introdução?

Basicamente, o “ritual de introdução” era uma espécie de “boas-vindas” a algum novato. Nele, o novo aluno teria que participar de um duelo com o professor para mostrar o que sabia que esgrima.

— Claro — olhei para Hellen. — Pode vir aqui na frente?

Ela assentiu e ficou entre eu e Lucas.

— Pode se apresentar para a turma?

Ela limpou a garganta e disse.

— Meu nome é Hellen. 16 anos. Chalé 6.

— Lucas, pode fazer as honras?

— Claro que sim. Pego leve com ela — ele sorriu.

— Coxa esquerda — eu falei no ouvido dela, depois fui para a arquibancada assistir à luta.

Todos se afastaram do centro da arena, deixando o espaço livre para os dois. Cada um se posicionou, e eles começaram. Colin sentou-se do meu lado.

— Você conhece ela?

— Sim. Mas a gente não se fala muito, ela só vive lendo.

— Parece que arranjei uma ocupação para ela, então.

— Como se ela fosse boa nisso.

Prestei atenção na luta. Tinha acabado de começar, e ninguém tinha investido ainda, só ficavam andando em círculos, Hellen com uma espada, Lucas com uma adaga. Se alguém que não conhecesse Lucas olhasse desse ângulo, diria que ele perderia com certeza por estar com uma adaga, mas a realidade é que a situação era muito diferente. Mesmo com uma miniatura da espada de Hellen, Lucas tinha as vantagens da rapidez e audaciosidade das adagas. Mas, se fosse rápida o bastante, Hellen podia interceptar com eficácia as investidas dele. Depois daquele castigo, Lucas não ousaria atingir outro campista em uma parte importante do corpo, então a única parte de Hellen que corria o risco de ser atingida era a mão, que, já que é quase impossível ganhar uma luta sem atingir a mão do adversário, era permitida ser focada. Lucas disse que iria “pegar leve”, então ele tentaria o segundo modo de ganhar uma luta: fazer o inimigo desistir. Há várias formas de fazer isso, como cansaço, que é bem a cara do Lucas.

Hellen investiu primeiro, e Lucas correu de costas, lançando adagas, que Hellen, como eu previ, interceptava com a espada, quase errando algumas.

A luta continuou assim por alguns minutos, até que, de repente, Hellen caiu no chão. Ela ficou de joelhos, se apoiando na espada. Ofegando.

— É, eu te disse — falou Colin, se levantando. Eu o puxei de volta para a arquibancada.

— Que foi, cara? Ela desistiu.

— Ela não disse nada.

Lucas se aproximou de Hellen, com um olhar de pena no rosto.

— Bem, relaxe, esse é só o começo, quem sabe voc…

— Uuuh — exclamou Colin, do meu lado. Eu sorri.

Hellen tinha apenas fingido que estava cansada, mas, segundo as regras, uma desistência só seria validada caso ela dissesse que queria desistir. Quando Lucas chegou perto dela, Hellen desferiu, com a parte plana da espada, um golpe na coxa esquerda de Lucas, que caiu no chão imediatamente, quase uivando de dor. Tecnicamente, ela não tinha quebrado nenhuma regra. Ela se levantou e apontou a espada para o pescoço de Lucas, ganhando por chance de golpe letal. Eu olhei para Colin.

— Não fale nada! Eu retiro o que disse.

— Sua arrogância te leva longe — disse Hellen, a qual todos aplaudiram.

Fui até o centro da arena e ajudei Lucas a se levantar.

— Acho que você vai ter que ver a Julieta de novo.

Ele se apoiou em mim e fui andando com ele. Olhei para Hellen, que também olhava para mim. Pisquei para ela e fiz um sinal de beleza. Ela sorriu.

Ψ


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