Meu Professor de Matemática escrita por Boobaloo


Capítulo 6
Capítulo 6




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Na manhã seguinte prometi a mim mesma que esqueceria de uma vez por todas qualquer sentimento que se opusesse ao meu casamento. Tristeza, saudade, medo... Tudo isso ficaria aqui em Cheshire. Minha vida de agora em diante estaria em Londres. Uma semana se passou desde o incidente na St. Eugenius e hoje, quando eu acordei, possuía aquela aura que toda mulher deseja possuir um dia: a aura de uma noiva.

Minha mãe nem me deixara sair da cama quando acordei. Ela provavelmente passou a manhã toda esperando do lado de fora do meu quarto, só para ter certeza de que me pegaria quando eu acordasse. Levou-me café na cama e me obrigou a ficar deitada até que ela voltasse com uma caixa branca em mãos.

Fazendo o maior clima de mistério, minha mãe demorou, mas finalmente abriu a caixa, revelando um vestido de noiva tão lindo que eu mal pude acreditar que era meu. Eu tinha minhas dúvidas em relação ao gosto de minha mãe, mas ela simplesmente me surpreendeu com esse vestido. Toda garota quer seu dia de princesa... O meu só estava começando.

Mais tarde, naquele mesmo dia, mamãe havia me proibido de ver Harry. Tradições, eu nem se quer as entendia. Alice também havia sumido de nossa casa. Ao que eu entendi, ela havia ido com Adam para a mansão Dogson com um objetivo que nem mesma eu sei.

Meu pai auxiliava os filhos dos nossos vizinhos, que se voluntariaram para ajudar a montar tudo para a cerimônia, no quintal de casa. Mamãe tinha chamado Deus e o mundo para ajudarem com o meu vestido, o cabelo, as unhas e tudo mais. Porém só fui me colocar dentro da renda branca no final da tarde.

Quando finalmente mamãe me deixou em paz, o sol estava se pondo e eu via pela janela o jardim se enchendo de convidados. Os parentes de Harry, que chegaram há três dias, ficaram hospedados na casa dos Dogson e eu tive a oportunidade de conhecer as irmãs e a mãe do meu futuro esposo.

Ouvi batidas trêmulas na porta e logo em seguida Alice passou por ela. Estava adoravelmente vestida num vestido bem parecido com o meu, com uma linda tiara de flores brancas na cabeça. Ela correu para me abraçar, apertando os bracinhos finos contra a minha cintura.

- Tem alguém que quer vê-la. – Ela disse em meu ouvido, depois saiu correndo para fora do quarto.

Mal tive tempo de me colocar ereta quando vi um homem, extremamente elegante, vestido num fraque, com o relógio de corrente dourada pendurado pelo bolso do colete, entrar por onde Alice saiu. Ele rapidamente tirou a cartola quando me viu e parou estático em frente a porta.

Respirei fundo e tentei controlar o turbilhão de pensamentos em minha cabeça. Mas a única coisa que eu conseguia manter fixa em minha mente era como Charles estava absurdamente bonito, parado ali, diante de mim.

- Você está encantadora, Miss Liddel. – Ele disse.

Não consegui puxar a voz da garganta para dar uma resposta. Um silêncio desconfortável se estabeleceu, mesmo embora eu tivesse certeza de que esse silêncio era melhor do que qualquer coisa que eu pudesse dizer.

- Está prestes a mudar sua vida, Miss Liddel. – Ele continuou. – Eu desejo nada mais do que a sua felicidade.

Eu sabia que era mentira. Não tinha um pingo de convicção em sua fala. O seu olhar transmitia toda a sua insegurança, a ironia com a qual ele me dizia tais coisas. Minha única reação foi suprimir um suspiro. Ele estava prestes a deixar o quarto... Mas alguma coisa nele o fez mudar de idéia. Ele simplesmente se virou mais uma vez pra mim.

- Eu sei que Harry é um bom rapaz, Helena. – Ele começou. Largou a cartola numa poltrona mais perto da janela. – Sei que você merece uma vida muito mais excitante do que Cheshire pode te oferecer... Londres será a cidade dos seus sonhos. Mas eu sinto... – Ele ficou sem palavras por um momento. – Eu sinto que você está simplesmente fazendo a escolha errada.

- Qual é a escolha certa, Charles? – Eu perguntei atônita. – Ficar? Desistir?

Ele não tinha respostas. Eu conseguia agora entender o que eu sentia em relação a tudo o que estava acontecendo. Eu entendia o porquê de ficar tão devastada com a falta de Charles. Entendia que eu estava ficando apaixonada pelo meu professor de matemática, da mesma forma que eu lutava para que isso fosse mentira, ou para que ao menos escondesse esse sentimento fútil por debaixo dos panos, ou até mesmo da minha memória. Mas não conseguia entender porque Charles agira daquele jeito...

Na minha cabeça, era simplesmente impossível que um homem como Charles Dogson nutrisse qualquer tipo de sentimento que não o fraternal por uma garota como eu.

- Eu vou me casar, Charles. – Eu completei, pegando o buquê de lírios de cima da penteadeira, como uma forma de frisar o significado da minha frase. – Vou me casar com um homem que me ama e que faz de tudo para me ver feliz. E não há nada que você ou qualquer pessoa possa dizer que me fará mudar de idéia.

Charles bufou, demonstrando toda a sua aversão ao que eu tinha dito. Ele se aproximou de mim, mas eu não recuei. Uma coisa um amigo me ensinou uma vez... Mulheres fortes conquistam o que desejam, e eu estava sendo forte naquele momento. Eu não iria recuar, nunca! Nem mesmo diante do amigo que me dera aquele conselho.

- Olhe nos meus olhos, - Ele disse, tomando o buquê de minhas mãos. – E diga que você ama Harry da mesma forma que ele te ama.

Eu amava o Harry... De alguma forma. Só não sabia se eu o amava na mesma intensidade que ele se fazia parecer me amar. Engoli em seco.

- Eu amo o Harry mais do que a minha própria vida. – Eu menti.

- Você mente. – Charles me acusou. Ele estava mais certo do que nunca.

Ele recuou. Pareceu finalmente se dar conta de que ele não tiraria nada de mim, nem mesmo um pingo de arrependimento inocente. Charles devolveu o buquê em minhas mãos e foi se afastando cada vez mais. Seu rosto tomado por uma expressão de repulsa e surpresa.

Ouvi seus passos deixando o quarto. Ele não voltaria dessa vez...

Quando tive certeza de que meu professor estava longe o suficiente, desabei na poltrona atrás de mim, pendendo os braços em direção ao chão. Minhas mãos não tinha força para sequer segurar o buquê e os lírios caíram no assoalho, desmanchando o laço que prendia as flores juntas.

Parecia que eu tinha usado todas as minhas forças para mentir para Mr. Dogson, mas não era hora de eu me demonstrar vulnerável. Papai entrou em meu quarto, estupefato com o que via. Não tinha certeza se estava chocado com um buquê destruído ou com a primeira filha vestida de noiva.

- Meu buquê, - eu disse numa voz rouca e falha. – eu o deixei cair e...

- Não tem problema. – Papai agachou-se e juntou as flores novamente. – Vamos?!

Seu sorriso era o que eu precisava para continuar. Ele me ofereceu um braço e eu o aceitei. No minuto seguinte estávamos no jardim... Harry estava lá, parado em frente a uma multidão. Esperava-me como se eu fosse o bem mais precioso, o tesouro mais estupendo, andando em sua direção.

Meu pai segurou minha mão e sorriu.

- Vai dar tudo certo, você está linda.

Nós andamos pelo corredor entre as duas fileiras de cadeiras, Alice vinha logo atrás, carregando as alianças. Quando finalmente chegamos a Harry, papai beijou minha testa. Harry, por sua vez, me recebeu com um singelo beijo na mão e eu, como uma boa noiva, sorri... O sorriso mais falso de toda a minha vida.

Olhei ao redor. Eu sabia muito bem quem eu esperava encontrar quando me virasse para fitar a multidão. Mas ele não estava lá... Em seu lugar, vi Adam, sorrindo para mim pela primeira vez desde que Harry e seus primos chegaram a Cheshire. Nicholas e John sentavam ao seu lado, um mais lindo que o outro, vestidos em seus fraques.

Alice estava logo atrás, vindo apressada com as alianças. Seu sorriso estava escondido... Ela não estava exatamente feliz, mas não queria levar uma bronca de mamãe por não estar radiante no casamento da irmã.

Ouvi palavras vazias do padre em minha frente. Seu sermão cheio de um falso amor. Espiava Harry de canto de olho, só pra me certificar de que ele sorria. E então eu o ouvi dizer... “Aceito”, o som da palavra tremeu em meus ouvidos. De repente a frase de Charles se repetiu em minha cabeça: “Olhe nos meus olhos e diga que você ama Harry da mesma forma que ele te ama”.

Lá estava ele. Parado, em pé, ao lado de meu pai. Suas mãos enfiadas no bolso da calça, o fraque levemente jogado para trás de seu corpo. Ele não sorria, ao contrário de todo mundo ali presente. Ele não estava feliz.

“Você mente”.

O padre fez a pergunta. O mundo girou diante de meus olhos. O ar pareceu faltar aos meus pulmões. Cheshire estava prestes a ficar para trás na minha história. Alice, Adam, mamãe, papai, St. Eugenius... Charles. Tudo isso agora ficaria no passado. E eu só consegui dizer uma única palavra:

- Aceito.


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Notas finais do capítulo

Para quem se sentir interessado, esse é o vestido que eu imaginei para Helena (http://www.polyvore.com/do/set?id=41506858)



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