Meu Professor de Matemática escrita por Boobaloo


Capítulo 5
Capítulo 5




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O clima que se estabelecera em minha casa depois da conversa que tive com Charles era silencioso e tenebroso. Ninguém além de mim e meu professor sabia desse acontecimento, mas mesmo assim tive a sensação de que todos me olhavam com represália. Inclusive Alice, que não entendia o porquê de eu me recusar a ir visitar o Mr. Dogson em sua mansão. Evitava ao máximo ter que encontra-lo e quando o fazia, sentia um peso sobre meus ombros.

            Um mês se passou desde então. Papai e Harry conversavam sobre detalhes do casamento em seu escritório enquanto eu brincava com Alice no jardim de nossa casa. Minha irmã olhava casualmente para mim com aquele olhar entristecido, como se ela soubesse que Londres ficava a quilômetros de Cheshire. Eu suprimi um suspiro.

            Alice deixara sua boneca cair quando ouviu os passos e as vozes de Harry e papai se aproximando de nós. Ergue o rosto para me encarar com seus olhinhos cansados e estendeu a mão em minha direção. Eu entendia. Ela não queria que eu ficasse perto de Harry. Ela sabia que era ele quem me tiraria dela.

            - E então iremos para Londres dentro de duas semanas. – Papai disse orgulhoso enquanto olhava em seu relógio.

            Londres em duas semanas. Era o casamento mais rápido de que já ouvi falar. Talvez papai e mamãe queiram se livrar logo de mim. Eles não haviam me dito que a cerimônia seria em Londres, mas de alguma forma eu sentia, e esperava por isso. Eu tolerava muitas coisas, mas essa não seria uma delas.

            - Sobre o que se trata a conversa de vocês? – Perguntei ao meu pai. Alice ainda de mãos dadas comigo.

            - Ah! – Ele riu. – Vamos para Londres. Lá você vai a um alfaiate de confiança da Mrs. Kingsley para fazer seu vestido. E já estaremos lá, de qualquer forma, para o casamento.

            Eu franzi o cenho.

            - Eu queria que o casamento fosse aqui, em Cheshire. – Eu argumentei, incrédula de que meu pai fosse aceitar.

            - Isso está fora de cogitação, Helena. A família de seu noivo é toda de Londres. Ele tem amigos lá, parentes que se recusariam vir para Cheshire.

            - E nós temos parentes e amigos aqui, que assim como os parentes de Harry, também se recusariam a ir para Londres.

            Senti Alice apertando minha mão, como se ela estivesse aprovando meu argumento. Meu pai, por outro lado, ficou bravo, pude sentir o longo suspiro que ele deu, e isso, somado ao seu rosto, agora vermelho de raiva por eu tê-lo desafiado, me deixou com medo extremo.

            - Helena... – Mas ele não teve chance de terminar. Harry tocara seu ombro cuidadosamente.

            - Senhor, - ele interrompeu-o. – Não tem problema. Se Helena quer uma festa aqui em Cheshire, ela terá uma festa aqui. Não vejo problema algum em meu pai e minha mãe virem para cá. Tenho certeza de que o casamento será tão esplêndido quanto seria se fosse em Londres.

            Eu passei a sentir um respeito maior do que já sentia por Harry naquele momento. A tensão que se instalara sobre mim e Alice desaparecera no momento em que papai finalmente concordou com meu noivo. Eu sorri e sabia que minha irmã fazia o mesmo.

            Naquele mesmo dia, mais tarde, ao saber que o casamento seria agora em Cheshire e não mais em Londres, mamãe me levara ao alfaiate para que ele tirasse as medidas para o vestido de noiva. Eu havia dito que não me importava em usar o velho vestido de mamãe, mas a Mrs. Liddel jamais concordaria que sua filha usasse algo velho.

            Ela se empolgara com o alfaiate, dizia o que queria no vestido e o que não queria, e eu só me olhava no espelho, tentando me lembrar de quando fora que eu havia me tornado mulher e quando deixara a criança pra trás. Não conseguia entender nem um pouco aquele sentimento estranho de empolgação que tomava meu corpo, muito menos o fato de que essa empolgação vinha junto de uma tristeza e decepção.

            Eu queria poder conversar com uma amiga. Não, amiga não. Eu não tinha nenhuma amiga que entenderia pelo que eu estou passando. O que eu precisava era de meu melhor amigo... Mas há dias eu tinha perdido a coragem de olhá-lo nos olhos. Despertei de meus devaneios quando mamãe tocou em meu braço, chamando-me para ir embora. Ela trocou mais meia dúzia de palavras com o alfaiate antes de finalmente podermos sair de lá e finalmente quando estávamos na calçada eu encarei-a.

            - Mãe, vá na frente, - Eu me virei em direção a minha escola. Um prédio grande, majestoso, inúmeras janelas. – Quero passar na St. Eugenius antes de voltar para casa.

            Ela não se importou com isso, afinal a St. Eugenius era uma escola. Nada de ruim aconteciam em escolas. Pelo menos não em Cheshire. Andei em direção ao prédio, entrei pela porta da frente e subi as escadas como estava acostumada. Segui um corredor até dar em uma porta totalmente igual às outras, mas de certa forma, tão diferente. Não bati, girei a maçaneta sem pedir permissão e entrei sem esperar por nada. Talvez por isso tenha dado um suspiro assustado quando o vi.

            Lá estava ele, sentado em sua mesa de professor, encarando as próprias mãos cruzadas. Cogitei voltar para trás, talvez ele não tenha me notado, mas algo colou meus pés onde estavam. Ele virou-se e num súbito levantou-se de sua cadeira.

            - Miss Liddel, o que faz aqui? – Charles perguntou, realmente surpreso. – A escola está fechada.

            Eu permaneci calada, sem um pingo de coragem para dirigir-lhe uma palavra se quer. Queria lhe contar as novidades, que o casamento seria em Cheshire e que aconteceria em menos de duas semanas, mas não tinha certeza de que eu estava exatamente feliz com essas novidades. Queria que ele percebesse como eu estava me sentindo, mas tinha medo, muito medo de que ele não tivesse nada pra dizer.

            - Eu-eu, - gaguejei. Suspirei, me recompus. – Eu queria ver o St. Eugenius antes de me mudar. O casamento será dentro de duas semanas e por mais que eu tenha conseguido convencer Harry de que a cerimônia seja em Cheshire, não ficarei por muito mais tempo por aqui.

            Ele ficou sem palavras.

            -Tenho sentido sua falta, Mr. Dogson. – Eu choraminguei.

            Ele ainda permanecia estático ao lado de sua mesa, uma das mãos apoiadas na superfície de madeira lisa. Eu, por outro lado, estava impaciente ao lado da porta, os dedos ainda em torno da maçaneta. Charles não fez menção de que diria qualquer coisa e cada segundo que eu o encarava me deixava com medo. Por isso eu saí, fechando a porta logo em seguida.

            Sabia que ele não viria atrás de mim, mas não queria correr o risco. Corri, puxando os saiotes de brim para não tropeçar em nenhuma barra de roupa. Sentia lágrimas quentes se formando em meus olhos, mas eu era forte o suficiente para impedir que elas caíssem.

            Deixei o prédio tão rápido que quando alcancei a calçada do outro lado da rua, percebi que meu coração pulava freneticamente. Não queria olhar para trás, mas alguma coisa, alguma força inexplicável queria me ver sofrer e quando dei com um par de olhos azuis me encarando da janela do quarto andar da St. Eugenius, senti todos os pelos do meu corpo se arrepiando fervorosamente.

            Ele estava lá, com as mãos enfiadas no bolso da calça, a corrente dourada do relógio pendendo pelo bolso do colete, cabelos penteados para trás, tudo no seu devido lugar. Exceto o olhar, um misto de decepção e tristeza. Surpresa, talvez. Essa seria a última vez que eu veria Charles Dogson numa sala de aula, como um professor de matemática.

            A lágrima que eu resisti soltar agora escorregava pela minha bochecha, livre, caótica. Voltei para casa nessa tarde com o coração em uma mão e o dever em outra. E de alguma forma, o dever pesava mais do que o coração.


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Notas finais do capítulo

Depois de anos sem atualizar MMT, finalmente o capítulo 5.



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