Vidrar Vel Til Loftarasa escrita por Rach


Capítulo 5
Wake me up when september ends


Notas iniciais do capítulo

Frank's P.O.V
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Com o tempo eu havia esquecido como era sentir-se a vontade, soltar os ombros e poder relaxar, simplesmente relaxar. Passei a tarde toda com Mikey e pude aproveitar essas sensações novamente. Depois da Starbucks, eu mostrei o pouco que eu conhecia da cidade, mas algo me dizia que ele não prestava atenção alguma, talvez fosse porque ele parava em todo lugar que tinha comida para abastecer o buraco negro existente em seu estômago. E no meu também.

 

Eu agradeci fervorosamente por aquelas horas, estava convencido de que eram um presente divino. Até o momento em que eu me vi sozinho novamente no apartamento, a espera de Oliver, e ficou claro que era uma armadilha do diabo.

 

Minha barriga estava pesada de tanto que eu havia comido. Por mais que eu não quisesse me livrar daquele conforto, assim que a porta bateu atrás de mim e o silêncio do apartamento gritou em meu ouvido, corri para o banheiro e forcei o meu estômago a expulsar toda a comida. Estava desesperado com a possibilidade de Oliver chegar, suspeitar que eu tivesse comido algo e confirmasse fazendo o mesmo que eu estava fazendo, mas com algo extra que seria machucar a minha garganta e em seguida arrancar meu coro.

 

Tinha acabado de fazer o que eu tinha que fazer quando ele chegou. Eu pude ouvir o bater da porta e o barulho das chaves no momento no qual deixei o banheiro. Seus passos ficavam mais altos na medida em que chegava perto do corredor onde eu estava. Logo, então, eu pude ver sua figura andando em direção ao seu quarto. Colei as minhas costas na parede do corredor, mesmo que o espaço já fosse o suficiente para ele passar, e abaixei minha cabeça, rezando baixo para que ele não me notasse.

 

Minha respiração cessou quando ele parou ao passar por mim. Eu podia sentir meu coração lutar para sair correndo dali e meu corpo insistir para que eu me encolhesse contra a parede e pedisse perdão.

 

- Dora quer que você vá à exposição do tal namorado dela. Vista a roupa que eu trouxe para você, está no sofá.

 

- Sim, senhor. – assenti rapidamente e ao me virar soltei todo o ar que estava prendendo, me apressando em sair de perto dele.

 

- Oh, trapo! – Oliver me chamou de volta e eu virei receoso. – O que você fez a tarde toda?

 

- N-nada, senhor. Eu só mostrei a cidade para o Michael. Sua prima pediu que eu o mantivesse entretido. – Oh meu Deus, ele descobriu, ele vai me castigar. Negue, negue, negue. Eram as únicas coisas que eu conseguia pensar enquanto ele vinha na direção da estátua chamada Frank.

 

- Está mentindo. – disse quando estava suficientemente perto de mim, a ponto de que eu conseguisse sentir sua respiração em meu rosto. Seus olhos espertos viajavam pelo meu rosto.

 

- Não, senhor. Eu juro. Pergunte a sua prima. Pelo amor de Deus, Oliver, eu não estou mentindo. – choraminguei baixo até que ele me selasse tão de repente que eu não pude reagir, nem por impulso.

 

Oliver passeou sua mão pelo meu rosto, descendo para o meu pescoço e por fim achou a minha nuca, puxando meu cabelo até que eu erguesse um pouco o meu queixo. Sempre muito perto, sempre muito assustador. Seus olhos estavam presos nos meus quando ele sorriu tão satisfeito quanto uma raposa em um galinheiro.

 

- Te ver com medo simplesmente me excita. Pena que nos atrasaríamos. – ainda brincou um pouco comigo em seus braços, antes que me soltasse, chateado. – Almocei com meu sócio hoje e a esposa dele insistiu que eu trouxesse um pouco do seu prato especial para você.

 

E agora ele me vê sorrindo e manda jogar fora. Tão previsível, mister Oliver Grant.

 

- É todo seu, mas não se acostume com isso. E se você nos atrasar, eu quebro suas pernas.

 

Então praticamente corri até a sala de estar, extasiado com esse pequeno agrado e principalmente por Oliver não ter percebido a minha escapada de sua dieta durante a tarde.

 

No momento imediato em que Oliver e eu passamos pela porta de entrada da galeria, alguns sorrisos e olhares foram virados para a nossa direção. Fiquei constrangido com tanta atenção, intimidado com o julgamento dos olhares. Eu queria simplesmente escorregar para a escuridão do meu lugar no apartamento e ficar protegido de suas suposições.

 

Oliver me puxou pela galeria, cumprimentando algumas pessoas somente com a cabeça, e chegando a certo ponto, encostou de leve seus lábios em meu ouvido, fazendo cócegas enquanto ele os movia, sussurrando de forma maliciosa.

 

- Está vendo aquele jovem de azul à sua esquerda? – eu virei discretamente, encontrando o rapaz que parecia ser pouco mais velho que eu. Ele era loiro e parecia um anjo de tão bonito, se não houvesse claramente o pecado exalando por seus poros. Isso, é claro, só o deixava bem mais interessante. Olhar para ele e não desejá-lo era praticamente algo impossível, até o jeito em que ele conversava sugeria que era delicioso tê-lo nos braços. – Bom, é com ele que eu pretendo passar essa noite, então trate de sumir da minha frente.  Se encontrar Dora, diga que você estava entediado com as conversas de adultos e se perdeu de mim. Quanto ao restante, você está livre essa noite.

 

Mesmo depois de ele ter terminado as instruções eu continuei perto dele, me atrevendo a olhar diretamente para o seu rosto e questioná-lo. Era que simplesmente não fazia sentido nada do que ele havia me dito, nem a mão dele em meu quadril me empurrando, como se dissesse “Cai fora daqui, verme”. Eu tentei verbalizar algo e perguntar o que haveria de ser feito, mas ao abrir a boca, a única coisa que saiu dos meus lábios foi um baixo e intimidado:

 

- Uh?

 

- Você ouviu. Some. – e me surpreendeu pela milésima vez na noite com um beijo na testa e um leve empurrão em direção ao restante das pessoas.

 

Demorou até que eu entendesse a situação. Oliver havia me levado até a exposição por ordem de Dora, o que era normal, pois geralmente ele faz tudo que ela pede. Também era normal ele me deixar sozinho e ir atrás de outras pessoas, mas era para discutir negócios ou vangloriar de suas conquistas e não para ir atrás de outro traseiro. Isso não era nada normal.

 

Eu perambulava pela galeria um pouco desajustado. Algumas vezes um garçom vinha me oferecer qualquer coisa, mas eu sempre negava. É que havia algo na minha cabeça e em meu peito que eu não conseguia entender completamente. Sempre que eu tentava pensar sobre isso, mudava o meu foco e ficava repetindo os passos do que acabara de acontecer. Quer dizer, quem era aquele rapaz que Oliver foi atrás? O que ele tinha que o fizera inclusive não estabelecer qualquer regra e me deixar “livre” para fazer o que eu quisesse?

 

É claro que eu sabia que Oliver tinha outras pessoas. Algumas noites ele não me deixava dormir no mesmo quarto que ele e me trancava em qualquer cômodo da casa. E em raras vezes, ao limpar a sua bagunça, eu encontrava roupas intimas de mulher entre os lençóis. Só que eu nunca tinha visto nenhuma dessas pessoas, então era como se elas não existissem, não tinham nenhum significado para mim. Parecia, porém, que dessa vez Oliver fez questão de me mostrar esse caso, e ver que ele era tão lindo, limpo, interessante, e saber que ele era tão melhor que eu me fazia sentir como se eu fosse... Culpado.

 

Não conseguia dizer se estava com ciúme, mas me sentia horrível por essa possibilidade. Se aquilo que estava dando pontadas na minha cabeça fosse realmente ciúme, eu nunca me perdoaria, porque isso significaria que eu sentia qualquer coisa que não fosse ódio por ele. E como eu poderia sentir algo por alguém que no decorrer desses anos só me machucava?

 

O fato era que eu sabia da minha culpa nessa história toda. Não era a vitima, nem o coitadinho das novelas mexicanas. Entretanto, eu não queria imaginar que a minha responsabilidade fosse maior do que aquela que eu já atribuía a mim. Era peso demais para meus ombros fracos e não tinha algo que me ajudasse a sustentar o restante.

 

A única coisa que teve o poder de me tirar daqueles pensamentos foi a imagem de um homem, que olhava com ar de especialista para uma pintura esquisita. Talvez eu não o reconhecesse se não fosse pela suas roupas escuras e postura de vilão. Seus lábios finos também me eram inconfundíveis, já que eu passava horas, há algum tempo atrás, olhando para eles.

 

Uma guerra então acontecia dentro de mim. Por mais que eu quisesse tanto falar com ele, não poderia correr o risco. Não que houvesse um risco real, onde eu pudesse ser castigado por falar com Gerard, mas em minha cabeça, aquilo soava como se fosse moralmente errado e fazia um barulho do cacete.

 

Além do mais, o que poderia ser dito? Não o via há mais de anos, bem mais do que eu não via Mikey, e honestamente não poderia ter algum assunto que o interessasse. Talvez ele nem lembrasse mais da minha cara feia e quem sabe não seria melhor sair dali e evitar o provável encontro antes que ele notasse minha presença.

 

Só que se tornou tarde demais para ‘talvez’ e ‘quem sabe’, pois Gerard já estava perto de mim e passou seus braços pelos meus ombros puxando contra ele.

 

- Belleville está toda em Manhattan! – disse enquanto me abraçava calorosamente e esfregava com sua mão aberta as minhas costas. O abraço durou menos que meio minuto, mas ainda sim eu pude registrar o cheiro gostoso presente no seu cabelo. Era cheiro de artista, os Way’s cheiravam sempre desse jeito. – Não pude acreditar quando Mikey disse que havia te encontrado.

 

Afastei-me dele e encolhi os ombros, sorrindo tímido, sem realmente dizer uma palavra, apenas balbucios que sugeriam algo. Gerard também riu, mas não era aquele sorriso de quem acha fofo ou engraçado algo que você fez, era um sorriso de quem sabia e já esperava por aquela reação. Pois Gerard sabia e, portanto, tinha como prever a única forma como eu poderia me comportar perto dele: um bobo apaixonado.

 

Há aquela altura do campeonato não dava mais para ser esse bobo apaixonado. Assim como o Mikey arrumou Dora, Gerard deve ter arrumado alguém também e assim seguiremos com a vida. Eu também havia aprendido com ele mesmo que não é qualquer borboleta no seu estômago que determina o amor, afinal, você se sente assim todas as vezes que está perto de quem você quer bem e somente isso.

 

- Já viu as fotos do Mikey? – então, me esforcei ao tentar parecer normal perto dele. Estranho era que não tive tanta dificuldade de falar com o Gerard quando tive com o Mikey.

 

- Nah. Eu estava esperando ele chegar, mas parece que ele não vem nunca. – Gerard disse colocando a mão no bolso na jaqueta surrada que vestia, tirando de lá um celular. Ele verificou a hora e praguejou contra o irmão de uma forma que me fez rir, pois ele acabava de xingar a própria mãe.

 

- Deve ter sido o trânsito. Ou Dora, mulheres sempre atrasam.

 

- Você quis dizer, Michael é uma mulherzinha, pois Dora é super pontual. – Gerard guardou novamente o celular no bolso e voltou a olhar para mim. – Quer saber? Deveríamos ir ver as fotos sem ele mesmo, para quê tanto suspense assim?

 

- Ele vai ficar chateado. – sorri de lado. – Mas quem se importa? Dora disse que tinha uma surpresa para ele e eu estou me roendo para saber desde cedo.

 

Gerard então pegou a minha mão e por incrível que pareça eu não senti a costumeira eletricidade percorrendo meu braço e subindo para a boca do meu estômago. Apenas senti os dedos macios e a sensação de que eu estava okay com os dedos dele entrelaçados nos meus. Isso me fez acreditar que eu poderia sim controlar os meus sentimentos, qualquer um deles. Mas não era uma verdade.

 

De um ambiente da galeria para o outro havia uma mudança drástica nas cores. De quadros super coloridos à molduras monocromáticas. Sempre achei que fotos em preto e branco ficavam dramáticas, mas contrariando as minhas expectativas, elas tinham um ar sempre alegre.

 

Reconheci alguns rostos das pessoas nas fotos, eles eram moradores de Belleville, curtindo sua juventude ou velhice nos lindos parques da cidade. E foi exatamente quando eu dava nome aos dois senhores que jogavam damas com seus, provavelmente, netos, que ouvi uma expressão de surpresa comedida escapar dos lábios de Gerard.

 

- A minha cunhada é incrível não é? – eu busquei em seu rosto alguma resposta, mas só recebi um sorriso divertido, então me restava apenas seguir a direção de seus olhos e tentar descobrir o que seria tão incrível e engraçado.

 

Não foi muito difícil de achar, já que a travessura de Dora era enorme e estava muito bem iluminada por leds que vinham de cima da moldura, ficava bem no centro da sala e também por ser a única fotografia colorida da exposição. Nela havia cinco figuras e eu não poderia dizer com precisão de quando a foto era, mas foi tirada bem antes de tudo ir para o inferno, bem antes de Oliver.

 

Mikey, Gerard, Sr. Way, vovô e eu, encostados na Landau prata do Sr. Way. Como o sol batia contra nossos rostos, nossas expressões estavam franzidas, mas o sorriso denunciava a felicidade compartilhada. Todo verão, uma semana era reservada para a gente poder ir pescar no interior do país, só os meninos. Costumávamos tirar uma foto de todos antes de sair de Belleville e outra ao retornar, meu vô dizia que era para fazer um balanço das perdas e ganhos.

 

Circundei a moldura na esperança de encontrar a segunda foto e lá estava ela. Esperava encontrar cinco cacos que se nomeavam pessoas, caras derrotadas, olhos que nem podiam abrir direito de tão queimado que o rosto tava e sujeira. E eu encontrei mesmo, mas havia outro detalhe na foto, que fez minha bochecha doer com o sorriso que se formara. Os irmãos Way estavam um de cada lado meu e apoiavam seus cotovelos em meu ombro, me deixando mais baixinho do que realmente era. Eu esticava a minha blusa com a estampa das tartarugas ninja, como se a exibisse para a câmera.

 

Aquela blusa viria a se tornar, para mim, um tesouro. Eu lembrava como estava feliz naquele dia, mas não me lembrava o porquê de ter dado tanta importância para aquela blusa e do motivo de me fazer sentir tantos sentimentos bons ao mesmo tempo. Um deles era alívio, eu poderia identificar esse, mas dar sentido a ele: nunca.

 

- Deixa de ser emo, Frankie. É só uma foto. – Gerard disse e deu um murrinho no meu ombro.

 

- Eu não sou emo, só estou recordando o tempo que você não era tão antipático. – eu protestei e voltei a olhar para a foto, puxando todas as lembranças que ela poderia me fornecer.

 

Gerard pousou o seu cotovelo em meu ombro, analisando a foto e apesar de me chamar de emo, sabia que ele estava tão saudoso quanto eu. Depois de um momento, um peso se fez presente no meu outro ombro. Era Mikey, que olhava para a foto com o mesmo olhar bobo e nostálgico que Gerard e eu. Estávamos na mesma posição da fotografia e eu senti por um segundo que poderia voltar ao tempo e fazer tudo certo dessa vez.

 

A luz alaranjada da chama do isqueiro iluminou o rosto de Gerard, mas logo se apagou. Ele tragou o cigarro e jogou a fumaça para cima, dando um pouco das substâncias cancerígenas para as estrelas. Mikey também fumava, mas ele era menos teatral na hora de soltar a fumaça e rolava os olhos todas as vezes que o irmão fazia truques com o cigarro.

 

- Você é um chato de galochas, Mikes. – ele disse somente para o outro rolar os olhos novamente. – Viu? A gente deveria ir beber. Você fica menos neurótico quando está bêbado.

 

- Não me use como desculpa para satisfazer o seu vício. Se quiser beber, apenas diga e nós vamos. – Gee olhou para ele como se o desafiasse e, julgando pela forma que ele suspirou, ganhando o desafio. – Depois de falar com Dora. ‘Tá feliz? Eu disse!

 

- Feliz eu não estou, apenas acho que é fato uma coisa. Dora te colocou no cabresto definitivamente.

 

Mikey tentou negar, mas eu o interrompi, estalando a minha língua em desaprovação.

 

- Colocou sim. Até eu já vi isso. – Gerard e eu fazíamos um dueto de risadas da desgraça do pobre.

 

- Vocês dois parem com esse complô contra mim. – Mikey nos ameaçava com a bituca ainda acesa do seu cigarro, enquanto olhava de mim para Gerard, com uma expressão irritada. – Vocês sabem como é a Dora, ela é assustadora às vezes.

 

- Ela consegue sempre o que quer. – eu soltei por último e nós três concordamos em silêncio, para só depois cairmos na risada.

 

- De qualquer forma, a exposição está no fim e ela já te mostrou para todo mundo que queria. Você acha que Dora vai se importar se fôssemos apenas ali, no bar da esquina, para um momento de rapazes? – houve um momento de silêncio, acho que Mikey estava tentando digerir a naturalidade que continha nos fatos.

 

- É sério, Dora está puta comigo por alguma coisa que eu não sei o que é. Nada de misturar a minha bebida, Gerard. Não posso chegar bêbado em casa.

 

E eu ainda estava rindo quando lembrei ao que pertencia e essa lembrança fez tudo estralar, como se o espelho que estava refletindo aquela realidade, onde eu estava com os meus amigos jogando papo fora como uma pessoa normal, estivesse se estilhaçando.

 

- Algum problema, Frank? – foi Mikey quem perguntou.

 

- Desculpe, eu não vou poder ir com vocês dessa vez. Está tarde, eu preciso voltar para casa.

 

- Qual é Frank? O seu Oliver Grant não te procurou a noite toda, você acha que ele iria se importar? – Mikey foi novamente quem se manifestou. Estranhei o desprezo em sua voz, imaginei ter sentindo um pouco de raiva no tom que ele usou, até que isso se tornou um pouco impossível, já que não havia motivos para isso.

 

- A gente joga a sua chave fora e você pode dizer que a perdeu, então não poderia voltar para casa até que tivesse certeza de que ele estaria lá.

 

- Ah, eu não tenho chave, Gerard. – eu soltei ao me lembrar desse pequeno detalhe. – Nem celular.

 

Oliver Grant também não havia me dado instruções de como eu iria para casa e a hora que deveria estar lá. Estava sem pistas sobre o que fazer e todas as opções pareciam erradas. Passar a noite na porta do apartamento não era aceitável. Também tinha aquele anjo “endemoniado”, Oliver poderia querer levá-lo ao apartamento, eu estar lá poderia atrapalhar em seus planos de comer o chapeuzinho azul e não me atreveria a fazer isso.

 

Eu olhei para os dois Ways a minha frente, tentando parecer o mais ameaçador possível diante de suas expressões curiosas.

 

- Eu não vou beber, ouviram bem? E saiba que eu conheço todos os truques sórdidos de vocês dois. Prometam que não tentarão nada.

 

- Prometemos. – os dois falaram ao mesmo tempo, mas eu sabia que estavam mentindo.

 

Nós fomos a um pub chamado Red Lion, que fica em West Village. Era bastante agitado e tinha mesas do lado de fora e dentro show ao vivo. Naquela noite uma banda realmente boa de Long Island fazia cover de The Smiths, mas eu não prestava toda a minha atenção na música, estava ocupado tentando salvar minha coca-cola dos ataques de Mikey, ou do seu drink que tinha vida própria e sempre tentava invadir o meu copo.

 

- Para, Mikey. Eu já disse que não quero, poxa. – eu dizia, ainda que acabasse rindo.

 

- Não sou eu, é o copo que gostou de você. – e ele respondia fingindo-se de santo.

 

Numa certa altura, eu já havia desistido de resistir às insistências de Mikey e Gerard e bebido mais do que deveria. Já era quase duas da manhã e eu havia decidido que deveríamos ir embora. Mikey e eu estávamos rindo até para as moscas que por ali passavam. Era gostoso ouvir sua risada, mas riso demais significava tristeza, principalmente quando se está bêbado.

 

Quando Mikey agarrou um garoto que passava por ele, confiante que era eu, e quase levou um soco por isso, foi que eu decidi que definitivamente era a hora de ir embora. O único problema era que fazia quase meia hora que Gerard havia sumido e não haveria sequer cogitação de ir embora e deixá-lo ali, bêbado feito um gambá.

 

- Acho que já deu, vamos embora. – Mikey disse depois de virar mais um drink. – Vou buscar meu irmão. Não saia daí, mesmo se for se atracar com alguém.

 

Tinha ficado exatamente na mesma posição, assim como eu fazia quando Oliver cuspia ordens semelhantes para mim. Porém, eu não suportava essa comparação, Mikey e Oliver, era errado e por não suportar eu fiz pelo menos uma mínima mudança, que foi trocar de cadeira. Pouco, eu sei, mas era o que estava ao meu alcance naquele momento.

 

Nós três cambaleávamos pela rua sem esperanças de conseguir um táxi. As pedrinhas das ruas estreitas de West Village passavam por nós devagar, vagarosamente sendo pintadas pela neve que aterrissava macia. Minha impressão era essa, elas andavam e eu estava parado. Uma, duas, três pedrinhas, tão bonitinhas.

 

- SEJAMOS UM COM A RÚSSIA!

 

Gerard gritava, assustando os poucos seres vivos da noite gelada e bebia mais um gole de sua vodka. E eu reforçava, saudando de forma zombada a união soviética, sem ao menos me preocupar se o que dizia fazia sentido. Mikey por sua vez não parecia conseguir falar por estar rindo de tudo.

 

 E como num piscar de olhos, estávamos na frente de um prédio de tijolos vermelho e branco. A última coisa que eu notei naquela noite foi que no térreo do prédio tinha uma Starbucks e que eu gemi com a necessidade de tomar um café, então uma mão esfregando minhas costas dizendo que tudo que eu precisava era dormir e nada mais.

 

No dia seguinte, acordei realmente com o ranger de uma porta, mas fiquei debaixo do cobertor quente ouvindo os sons do ambiente. Durante um tempo ouvi o som de um chuveiro ligado e depois o abre e fecha de algumas gavetas, quem quer que estivesse fazendo esses sons, estava atrasado. Acredito que dormi novamente, pois o som seguinte foi a voz de Mikey, me oferecendo carona para ir para casa.

 

- Ir para casa? – a imagem de Mikey ainda estava um pouco desfocada, então fechei meus olhos e, no que o fiz, pude sentir o gostoso cheiro de hortelã que vinha dele.

 

Um sorriso começou a se abrir a partir do meu peito. Eu estava acordando com Mikey me chamando, ele estava ao meu lado enquanto eu dormia e agora estava cheirando à hortelã. Todos esses anos não tinham passado de um pesadelo então? Havia escolhido Mikey, não Oliver, e agora esse sonho ruim acabara?

 

Ergui meu tronco e olhei bem para ele, pensando em tirar a prova com um beijo, como os casais apaixonados fazem ao acordar. Ele riu.

 

- Não se lembra da sua própria casa. Parece que você nunca bebeu na sua vida, Frankie. – um tapinha na minha testa fez um som que repetiu em ecos na minha cabeça. – Dora ligou, disse que Oliver estava preocupado com você. Disse a ela que Gerard deixou o carro comigo e que, quando você acordasse do porre, te levaria para casa.

 

Já jogou solvente em uma parede com tinta fresca? A realidade era o solvente e a tinta era sorriso recém-nascido em mim.

 

A cada passo que ficava mais perto do apartamento de Oliver, mais meu coração ia diminuindo. Michael tentou várias vezes começar uma conversa e desistiu ao ver que eu não reagiria. Não era que eu não quisesse, mas a minha cabeça estava perdida nas quantidades de “se”. Se tivesse ficado em Belleville, eu acordaria com o Mikey cheirando à hortelã perto de mim? Ou Gerard, ou qualquer outro que me oferecesse a possibilidade de me sentir bem ao acordar?

 

Foi quando já estávamos no elevador que a assunto surgiu e eu não sabia se tinha força o suficiente de manter ou ignorá-lo.

 

- Você está bem com Oliver? – ele havia soltado bastante ar para fazer esta pergunta. Não tinha insinuações no seu tom de voz, era apenas mais uma tentativa de puxar papo, mas ainda assim não pude olhar em seus olhos ao responder.

 

- Sim.

 

- Olha. Eu não o conheço direito, e confesso que tenho certa implicância com ele, mas se ele está te fazendo feliz, deve ser uma pessoa incrível. – eu sorri para ele e ele sorriu para mim. Só que eu não acreditava no sorriso dele e algo me dizia que ele não acreditava no meu. Talvez em minha mente eu gritasse para que ele não caísse nessa e me tirasse dali, mas era só na minha mente, pois na realidade, sequer o respondi quando ele disse adeus na porta do apartamento.

 

Girei a maçaneta devagar, adiando a minha entrada no inferno. Eu estava desarmado e sozinho novamente. Não tão sozinho quanto eu gostaria, mas pior. Assim que o click da porta avisou a entrada de alguém, uma voz rouca chamou pelo meu nome. Meu coração deu as últimas batidas lentas, falando que se eu tivesse alguma armadura, era melhor que a vestisse naquele momento. A voz me chamou outra vez, agora mais alto, fazendo com que eu corresse pela madeira corrida do chão do apartamento em direção ao seu quarto.

 

Oliver estava sentado na cama, com o corpo curvado para frente e os braços apoiados nas pernas. Eu escorreguei para dentro da escuridão do quarto silenciosamente e fechei a porta atrás de mim, assim como manda o protocolo. Tudo ali me assustava, a cama muito grande, o tapete de pele de urso, os móveis escuros, o cinto em sua mão, a ausência do cheiro de sexo e os olhos brilhantes de raiva que me encaravam.

 

Quando Oliver queria me amedrontar, ele jogava os ombros para trás e isso dava para ele um tamanho ameaçador como um predador. E assim ele fez ao se levantar e caminhar em passos lentos até mim. O primeiro contato de verdade que ele manteve comigo foi um tapa estalado em meu rosto, que me fez vacilar para cair. Eu chorei baixinho, mas a dor do tapa só viria depois, junto com a enxurrada de urros assustadores.

 

- Eu sinto muito, Oliver. Pensei que...

 

- Seu desgraçado, infeliz desgraçado. Como se atreve a me desafiar dessa maneira? - sua mão voou contra o meu pescoço e me ergueu ao ponto de que não pisasse no chão e ficasse a altura de seus olhos de fera. Esforcei-me para manter a boca fechada, mas logo eu estava implorando por ar e também era algo que poderia sentir não só vindo de minha boca, mas também de minhas roupas. – Você andou bebendo, seu verme!

 

Tentei me explicar novamente, mas estava sufocando com o aperto em minha garganta.

 

Com a facilidade que você pega um filhote de gato, Oliver me jogou com toda a força no chão, fazendo um baque terrível ao que a minha cabeça bateu contra a superfície.

 

- Você não tem jeito mesmo. Um castigo só não resolve com você, não é mesmo? Além da dieta vou ter que fazer o que? – ele agachou perto de onde eu estava encolhido, choramingando. – Vamos, me diga. O que deve ser feito com um merdinha desobediente como você?

 

- Me-me desculpe. – murmurei apenas para colocar um sorriso em seu rosto.

 

Ele me levantou pelos cabelos e me espremeu contra a parede. Seu corpo largo contra as minhas costas deixando a respiração impraticável, quando ele disse:

 

- Claro, aqui estão as suas desculpas.

 

Alguns segundos de alívio e pude girar, ficando de frente para ele antes que, com um estalar alto, a fivela do cinto em sua mão chocasse contra minhas costelas, me fazendo curvar meu corpo. Isso repetiu-se várias e várias vezes, até que só o cinto não satisfizesse sua necessidade de me machucar e ele partisse para outras formas.

 

No quarto, dentro do closet, havia um espelho enorme, devia ter uns dois metros de altura e a moldura era dourada. Ele era não só o objeto que confirmava toda a soberba de Oliver, mas também a forma mais cruel de tortura que ele usava contra mim. E ele estava me arrastando para lá.

 

Uma vez eu vi um filme onde uns caçadores arrastavam um vampiro para o sol. Ele gritava e se debatia, aterrorizado com o futuro que o esperava, como se ele já sentisse a carne queimando pelos raios. Assim com o vampiro, eu lutava para soltar do braço de Oliver. Mas no momento em que entramos no closet e eu sabia que não havia mais volta, agarrei com todas as forças a camisa dele e afundei meu rosto em seu peito.

 

Porém sua força sempre se sobressairia sobre a minha, e ele conseguiu me desvencilhar de si e me virar de frente para o espelho. Mantive meus olhos fechados, como último esforço, enquanto eu sentia as minhas roupas sendo arrancadas de mim. Meu corpo estremeceu ao que todas as roupas estavam no chão, mas não foi pelo frio e sim pelo brado forte de Oliver me mandando encarar sua máquina de tortura.

 

Um rapaz baixinho estava parado em minha frente, o tom de sangue pintava a beirada de seus olhos, sua face estava completamente molhada e um dos lados avermelhado. Eu senti pena dele, do seu olhar patético, e mais ainda quando passei a analisar todo o seu corpo. Ele era feio e milhares de vergalhões e manchas roxas, esverdeadas ou amareladas se espalhavam por todo o seu tronco, braços e pernas. Ao notar o meu olhar critico, o rapaz tapou com a mão suas partes íntimas, e então eu não pude mais olhar.

 

- O-oliver. Oliver, por favor. – meus lábios tremiam pelo esforço de conter o choro.

 

- Você está se vendo, lixo?

 

- Por favor. – abaixei a cabeça e sussurrei como se fosse um segredo.

 

- Você está se vendo? – ele gritou, puxando meu cabelo e me forçando a olhar para o espelho. – Essa merda que você está vendo é você.

 

Eu não conseguia dizer mais nada, pois os soluços se tornaram intensos, meu corpo todo tremia a cada golada de ar que eu tomava.

 

- Eu quero que você me diga o que está vendo. – ordenou como de praxe e eu neguei veemente com a cabeça. – Pois eu digo. Eu estou vendo o trapo mais ingrato de toda a terra. Eu te coloquei na minha casa sem que você tivesse algo para me oferecer, porque você nunca terá. – Oliver me empurrou para mais perto do espelho, de forma que eu estava a apenas dois palmos dos nossos reflexos. – Olhe bem, nem um corpo bom o suficiente você tem para mim. Feio, burro e miserável, é isso que você é. Pois bem, a única coisa que você pode fazer é me obedecer, mas não, você é o maior ingrato que eu conheço.

 

Queria me desculpar, porque ele tinha razão de tudo que dizia. Eu queria pedir perdão, mas não prometeria que nunca faria novamente. Estou sempre fazendo as coisas erradas e por mais que eu tentasse não conseguia mudar isso em mim.

 

- Então, o que você vê?  - dei uma boa olhada para minha imagem, para o espelho da verdade.

 

- Um verme, senhor.

 

- Exato. Fique aqui até que você tome consciência disso.  – ele soltou meu cabelo e sua voz foi distanciando ao que ele se afastava de mim. Pelo reflexo do espelho dava para ver ele na porta do closet, ainda com aquele brilho no olhar. – E não se mova.

 

Até muito depois que ele havia me trancado ali, não conseguia controlar minha respiração ou cessar o choro. E quando consegui parar, olhei novamente para o espelho só para começar a chorar novamente, pois ele não me refletia mais e sim um garoto com sua camisa das tartarugas ninja. Pude ler em seus lábios, ele me chamava de assassino, pois eu o havia destruído, minha culpa e ambição.

 

Verme.

 


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Notas finais do capítulo

Ficou realmente grande. Desculpe.



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