Vidrar Vel Til Loftarasa escrita por Rach


Capítulo 4
You could be happy


Notas iniciais do capítulo

Mikey's POV

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No dia seguinte a uma festa todo mundo sofre de Korsakoff. Todo mundo se demora deitado na cama, olhando para o teto e tentando lembrar como diabos chegara ali, onde era o ali e o que tinha feito na festa, desejando ardentemente que não fosse nada vergonhoso.

 

Como uma pessoa fiel à regra que eu era, também fiquei deitado, olhando para o teto e forçando a minha mente a lembrar, primeiramente, o porquê de ter bebido aquele bendito champanhe. Pois ele era responsável pela dor que cortava ponta a ponta da minha cabeça, de modo que até o bater de asas de uma mosca fazia estalar mais ainda a dor e esta, por sua vez, era a culpada pela dificuldade que eu sentia de me lembrar de qualquer acontecimento daquela festa.

 

Esfreguei o sono para fora dos meus olhos, decidido a buscar uma xícara de café, independentemente de onde quer que eu estivesse. Eu precisava do café. Numa tomada de ar mais profunda, senti que havia um peso quente em meu peito. 

 

Graciosamente bagunçados, uma confusão de fios loiros se espalhava pelo meu tórax, me dando vontade de abrigar meus dedos entre eles ou de roubar o cheiro bom que emanavam. Esses fios dourados tomaram minha atenção, dor de cabeça e vontade de beber café. Num exercício de afagos caí no sono novamente.

 

Imaginava que o tilintar de tantas taças poderiam ensurdecer todos ali. Diversos cristais se unindo ao som de desejos de um ano afortunado ao fim da contagem estremeciam o ar.

 

Enlacei a cintura de Dora com um de meus braços e coloquei algumas mechas do cabelo atrás de sua orelha e sussurrei o meu desejo para nós, não para aquele ano, mas para aquela noite, quando toda a festa acabasse. Ela riu dizendo que eu era impossível e se afastou de mim. Ergueu sua taça e brindou comigo com desejos de ano novo de verdade. 

 

Nosso contato visual foi quebrado rapidamente, quando ela, com um gritinho de alegria, passou por mim e foi abraçar um homem bem vestido. Um ciúme ridículo teria me invadido se ela não o tivesse chamado de primo ou me puxado para apresentar o elegante homem. E quando pude reparar em seu rosto melhor, notei algo de estranhamente conhecido nele.

 

- Michael, esse é o meu primo, Oliver. Ele é o anfitrião e dono da galeria que vai expor as suas fotos.  – eles sorriam gentilmente para mim. Eu deveria devolver o sorriso e apertar a mão dele tão calorosamente quanto ele apertava a minha, mas tudo o que eu conseguia fazer era olhar para ele, boquiaberto. “Oliver Grant?”

 

- Muito prazer, Michael. Devo dizer que é um ótimo fotógrafo. Alguém te ensinou muito bem. – e atrás do homem, que sorria e piscava para a sua prima, tinha um par de olhos espantados. Olhos amendoados.

 

Acho que era quase meio dia quando eu acordei novamente. Dora já não estava deitada em cima do meu peito e sim penteando o cabelo frente ao espelho e cantarolando uma canção. Era admirável como ela não ficava com de ressaca, mesmo depois da quantidade de bebida que ingerimos no final da festa. Admirável mesmo, porque eu mal tinha aberto os olhos e a dor já tinha marcado presença.

 

- Bom dia amor! – cantarolou suave para mim. – Daqui a pouco o almoço vai ser servido, então trate de levantar dessa cama e ir para o banho já. Você está cheirando como se estivesse morto.

 

A realidade me voltou novamente e sai da cama em um salto, mas voltei logo em seguida, quando notei que estava nu, tampando meu corpo com o lençol.

 

- Droga! Dora, diga que a gente está em um motel. – ainda com o lençol enrolado na cintura, procurava as minhas roupas pelo chão.

 

- Não estamos em um motel, coração.

 

- Por favor, não me diga que a gente está na casa do seu primo. – olhei desesperado para ela.

 

- Para que eu diria isso, Michael? O que tem de ruim? – ela olhou de volta para mim, confusa.

 

- Oliver GRANT, Dora! – para mim era quase um pecado aquele simples nome.

 

- Meu PRIMO, Michael James. Qual é o problema com ele? – nada, apenas o fato de que eu acho que ele seja um pedófilo mau caráter.

 

Respirei fundo e sentei novamente na cama, tentando manter o controle sobre mim. Dora não tinha culpa da minha implicância, ela sequer sabia disso.

 

- Nenhum, amor. Só vamos para casa, okay? – disse, finalmente achando a minha boxer nos pés da cama e a vestindo.

 

- Qual o problema em ficarmos aqui? – ela deslizou até mim e sentou no meu colo. Com suas duas mãos segurando o meu rosto, seus olhos encobertos pela leve escuridão do quarto, queimavam em busca da verdade. Por um momento imaginei que sugaram os meus e arrancaram tudo que se passava na minha mente naquele momento. Então um sorrisinho quase infantil quebrou o clima. – Está com vergonha, Mikey? Oh, meu bebê, não se preocupe. Eu tenho um bom relacionamento com o meu primo e sempre trouxe meus namorados aqui.

 

- Não ajudou muito. – murmurei enquanto ela saia do meu quarto e voltava a se arrumar de frente à penteadeira, deixando claro que ficaríamos ali.

 

O desconforto e constrangimento eram traduzidos pela situação em que eu me encontrava. Estava na sala de estar da pessoa que considerei ser meu arquiinimigo pelos últimos quatro anos. Pessoa essa que era coincidentemente primo da minha namorada. Se havia algum lugar no qual que eu não quisesse estar, esse lugar era ali.

 

Na festa do réveillon quando descobri que Frank também estava lá, mal pude me caber de tanta felicidade. Até incomodava o fato de ainda me sentir tão feliz daquele jeito, como um bobo adolescente. E realmente, eu queria ser aquele adolescente, pegar Frank pela mão e voltar para Nova Jersey. Mantê-lo lá, preso em minha casa, só para mim, só eu podendo olhá-lo, tocá-lo, ouvir sua voz arranhada e sentir o seu cheiro indefinido, mas bom. Mesmo que isso significasse abri mão de tudo, inclusive de Dora.

 

Como atingido por um balde de água fria, foi como eu me senti quando vi que Frank na verdade estava acompanhado de Grant. Os dois estavam juntos como um casal e não havia nada no mundo que me fizesse entender aquilo.

 

Oliver Grant acariciava a cintura de Frank, enquanto se mantinha quieto e por mais que minha atenção estivesse presa nele o tempo todo, não notava nenhuma mínima mudança em sua expressão ou na posição de seu corpo. Frank lembrava uma marionete e Grant era quem o manipulava.

 

- Eu espero que não tenha a intenção de enganar a minha prima, meu rapaz. Conheço pessoas que conhecem pessoas que podem te dar um jeito. – Grant chamou a minha atenção, com um tom brincalhão que não combinava com a minha idéia de como ele seria.

 

- Esse ai está me enrolando há anos, Olie. – olhei indignado para Dora, não conseguia acreditar que ela falava aquilo com a cara lavada.

 

- Na verdade, senhor Grant, eu já até comprei alianças para a gente, mas Dora fez questão de que eu devolvesse. – rebati antes que ela pudesse continuar com a chantagem.

 

- Talvez elas fossem feias, pensou nisso? – Grant soltou uma risada, que poderia ser classificada como, no mínimo, bizarra. Era abafada, rouca e estremecia o ar de uma forma ameaçadora. – E não me chame de senhor, assim vai ficar difícil criar uma proximidade entre nós, não é verdade?

 

- Verdade, mas é difícil não tratar como senhor uma pessoa que tem idade para ser meu pai. Estranho seria se eu chamasse o Frank, que é mais novo do que eu, de senhor. – enquanto todas as palavras escapavam da minha boca eu não me importava como elas soavam, mas ao terminar a frase e sentir o peso dos olhares em cima de mim, eu desejei que não tivesse dito e tinha certeza que mais tarde desejaria que não tivesse língua. Dora faria esse desejo crescer em mim.

 

Logo Dora mudou o assunto e depois para outro, até que isso tornar-se interminável. Mesmo passando a tarde toda naquele apartamento, não tive uma oportunidade de falar com Frank. Grant não o largava e Frank se mantinha tão distante que era impossível começar um dialogo e nem saberia o que falar se estivesse a sós com ele. Quem eu via ali era uma pessoa completamente diferente da qual eu estava acostumado. Não era referente a aparecia física, que deixou de ser infantil para algo próximo ao homem completo, ele havia perdido todo o ar saudável e encantador que tinha. Havia algo de menos empolgante nele.

 

Chegamos em casa quando já era de noite e por mais que eu só pensasse em ir tomar um banho e voltar a dormir, pela forma que Dora havia passado por mim e parado bem a minha frente com os braços cruzados, sabia que seria impossível descansar.

 

- O que você pensou que estava fazendo lá, Michael? – ela esbravejou, soltando os seus braços para gesticular de uma forma exagerada. Passei a mão pelo meu cabelo, respirando fundo.

 

- Nada, Dora, eu não fiz nada. – desviei dela e fui sentar, apoiando a cabeça na minha mão. A dor dizia oi novamente.

 

- Então me explica a ceninha e a cara emburrada o dia todo, porque até agora eu não entendi. – me mantive calado e encarando o chão. Eu tinha um monte de coisas para falar, como eu estava cansado, como eu não queria ter ido para uma festa cheia de desconhecidos e como eu achava nojento o primo cinqüentão dela. Optei, porém, por ficar calado.

 

- Se não faz isso por mim, por ele ser da minha família, faça por você. Ele é o dono da galeria, Mikey. Não estou pedindo para ser amiguinho dele, mas pelo menos para ser educado.

 

- Por que você não me disse quem era o dono da galeria? Por que não disse que iríamos passar a tarde toda na casa de alguém que não conheço? O que você pretendia com isso? – a encarei por um momento, mas voltei o meu olhar para outro lugar.

 

- Se eu tivesse dito para você que a galeria era de alguém da minha família você teria vindo? Ou será que você ficaria com esse seu orgulho tentando adivinhar lá de Jersey se era um favor ou se ele realmente gostou das fotos?

 

Bingo!

 

Não era hora de brigar com Dora, não havia sentido continuar com uma discussão onde que pelo menos um dos participantes - no caso, eu -, não estava em condições. Precisava colocar a minha mente no lugar, nela passavam tantas coisas que era difícil até saber se eram palavras, imagens, vozes. E apenas apertar entre os meus olhos não estava ajudando.

 

Senti a mão de Dora em meu ombro e só então eu percebi que ela estava sentada ao meu lado com uma expressão preocupada.

 

- O que houve, Mikes? Você não é assim. – me limitei a respirar fundo e a balançar a cabeça, dizendo que não havia problema algum, mas o olhar de Dora ainda me secava querendo respostas.

 

- Esquece isso. Me desculpe, okay? Eu não vou mais fazer nada parecido. – beijei a testa dela e forcei um sorriso, culpando a dor de cabeça pelo fracasso que ele foi.

 

- Então você e o Frank já se conheciam de Jersey? – Dora deitou no meu colo, me impedindo de levantar e sair correndo da sala. Concordei com um murmúrio e ela demorou vários minutos para a próxima pergunta. – Vocês eram amigos?

 

- Melhores amigos. – concordei com um sorriso orgulhoso. Ainda era bom falar aquilo.

 

- O que rolou então? O clima estava tenso, deu para todo mundo perceber.

 

- É que faz muito tempo que não nos vemos, acho que as coisas esfriaram. – desviei meu olhar para outro canto da sala, pousando os olhos em um vaso elegante que ficava mais ao canto, pensando sobre o real motivo da tensão.

 

- O tempo cria a saudade e não a frigidez. – havia espadas em sua língua. Deus! Se havia. – Você sabe que não foi isso. Qual o real motivo, Mikey?

 

Tirei a cabeça de Dora do meu colo com cuidado e a deitei no sofá. Sai para o quarto, pulando a parte do banho, mas não sem antes dizer o que Dora queria saber.

 

- As coisas apenas não terminaram bem, Dora. Boa noite.

 

A cadeira em minha frente estava ocupada como não estivera há meses. Meus olhos estavam fixados na nuca do aluno sentado nessa cadeira, imaginava que eles poderiam perfurar a nuca a ponto de expor o seu cérebro.

 

Pensei em escrever um bilhete, a empolgação do professor me daria cobertura para isso, mas não tinha o que escrever. Seria patético escrever algo simples como “Porque você sumiu?” quando se sabe que a culpa é sua. Eu também não poderia dar uma bronca nele por aparentemente estar cabulando todas as aulas. Não era a mãe dele e isso iria soar como “forçar a barra demais”.

 

Quando finalmente decidi escrever um simples olá, notei um pedaço de papel amassado ao lado do meu pé. Desamassei a pequena bolinha e reconheci a letra desleixada assim que li as primeiras palavras.

 

“Desculpa ter sumido. Me encontra mais tarde? Preciso falar com você urgente. Vou direto para lá e não posso ficar muito. Por favor, não demore.”

 

Levantei a cabeça, ainda com o cenho franzido, tentando decifrar aquelas palavras para saber do que se tratava o assunto urgente, e notei que o sinal já havia soado e a cadeira na minha frente já estava vazia. Como só fazíamos a aula de música juntos, a minha única chance de descobrir o assunto urgente, era indo ao nosso pequeno encontro.

 

“Lá” no bilhete só poderia significar um lugar, o nosso porto seguro.

 

Passar pelos restos da bilheteria significava que eu havia acabado de entrar no parque. Frank estava um pouco mais a frente, sentado no chão, balançando a perna nervosamente enquanto olhava para cima. Tomei um tempo antes que fosse até ele e bloqueasse o sol que iluminava o seu rosto bonito.

 

- Mikey! Pensei que você não viesse. – disse em um sorriso, me convidando para sentar ao lado dele.

 

Não pude deixar de responder ao sorriso com um igual. Acreditava que haveria uma explicação que deixasse tudo no lugar novamente e não que ele apenas havia me esquecido. E de fato havia, de fato eu não tinha caído em esquecimento, mas isso não fazia nada mais fácil, ou melhor.

 

- Deus, Frank. Por onde você tem andado? Sabe o quanto eu estava preocupado? Eu fui milhões de vezes na sua casa e você não me atendeu. – extravasei finalmente, mesmo que repetisse repetidas vezes no caminho que não faria isso.

 

Frank por sua vez não reagiu, nem me respondeu. Apenas deitou a cabeça em meu ombro, como fazia quando estava chateado, e eu pude sentir todo o peso dos seus pensamentos. Ficamos assim por um tempo, em silêncio, até que ele fosse quebrado pela voz baixa de Frank.

 

- Meu avô está na UTI. – fiz menção de dizer que sentia muito, mas Frank continuou por cima de minha voz. – Os médicos dizem que não podem fazer mais nada. Nós já sabíamos que isso estava vindo, então já tínhamos decidido que quando acontecesse, não era para adiar a ‘viagem’ dele.

 

Ele se levantou e ficou de costas para mim, tinha certeza de que estava chorando e não deixaria que ninguém visse. Daquele ponto de visão, Frank parecia mais alto, mais forte, mais imponente, como a sombra dele que o sol projetava sobre mim.

 

- Eu queria que você fosse ao funeral dele e desse adeus por mim. Não vou poder ir. – ele mantinha seus pulsos cerrados, mas mesmo assim um soluço fugiu ao seu controle. – Eu estou indo embora, Mikey.

 

Foi como se alguém estivesse atirado com uma calibre 12 direto em meu peito. Palavras com a força de um canhão.

 

- Você está indo embora. – ri de nervosismo, me levantando para encará-lo melhor, mesmo que ele me oferecesse apenas as suas costas. - Eu não acredito em você. Primeiro desaparece e depois me diz que vai embora tão depressa, que não poderá nem ir ao funeral de seu avô que te criou todos esses anos. E pior, me pede para despedir dele por você. Você não existe, garoto.

 

- Não fique bravo comigo, por favor. Essa é a última coisa que eu preciso. – sua voz veio fraca e com um efeito calmante. Soltei os meus ombros e as minhas armas imediatamente.

 

- Eu não estou bravo, só não acredito que você vai embora. Vai me d-deixar? – eu só pude ouvir uma estranha mistura de riso com soluço antes de me dar conta que estava abraçando-o.

 

- Sinto muito, Mikey. Muito.

 

- Então, por favor, não vai. – o prendi o mais forte que podia, como uma criança se prende ao seu amigo Ted, o urso, quando ele tem que ir embora para outras crianças. – Porque você está fazendo isso comigo?

 

- Não se preocupe. Eu colocarei as minhas asas apenas para você, Mikey. Eu te amo.

 

Essas foram as piores últimas palavras que ele poderia ter escolhido.

 

A galeria de Oliver ficava em Soho, o que me animou naquela manhã depois que Dora disse que era para irmos ver como estavam organizando as fotos. O espaço era amplo e bem planejado, tive que admitir que Oliver Grant tinha bom gosto e que fazia muito bem o seu trabalho. Por mais que fosse divida em três ambientes, todos tinham uma iluminação incrível, traziam a sensação de que eles poderiam ser decorados de qualquer maneira que ficariam bem.

 

Eu bebia uma xícara de café, que me fazia parecer importante, sentado em um puff no meio da galeria, enquanto Dora dava ordens de onde deveria ficar cada foto, era divertido ver sua tentativa de explicar para o carregador italiano que uma delas estava de cabeça para baixo. Volta e meia ela me lançava olhares ameaçadores, sugerindo que era para eu ajudá-la e eu apenas fingia que não tinha nada a ver com aquilo. Só ajudei mesmo quando ela me pegou pela gola da camiseta e me mandou ir para o depósito.

 

Foi voltando de lá carregando com o italiano a moldura principal para o centro da sala, que eu vi Frank parado frente uma das fotos, tocando como se fosse preciosa. Procurei por qualquer sinal de Dora ou do primo dela, mas só havia os carregadores e nós dois ali. Deixei o resto do serviço para o italiano e me aproximei de leve de Frank. De perto dava para ver que suas mãos não chegavam a tocar no vidro do quadro, mas era questão de milímetros que os separavam.

 

As marcas do tempo já haviam esculpido o rosto do senhor da fotografia, criando sulcos ao redor de seus olhos, olhos que ainda não haviam perdido a vivacidade e o brilho da juventude, um feito heróico, eu diria. Assim como o tempo, duas mãos moldavam o rosto do senhor com um sorriso exagerado.

 

Fiz um barulho qualquer com a boca para mostrar a ele que eu estava ali. Pude ver Frank me olhando pelo canto dos olhos, como se estivesse se certificando quem estava ali.

 

- Esse aqui... é você. – ele disse finalmente tocando no vidro, por cima de uma mão com dedos ralados, maiores que a sua, pelo tamanho da fotografia. Deslizou os dedos até a outra mão, essa suja nas unhas e entre os dedos. – E esse sou eu. Nossa! O que eu fazia para sujar tanto minhas mãos?

 

- Você estava consertando a minha bicicleta, que havíamos quebrado tentando pular aquela rampa. – me pus ao lado dele, tomando a mesma posição que ele e analisando a fotografia.

 

- Ah, lembrei. Ainda bem que não segui carreira como mecânico, sua bicicleta estava melhor sem mim.

 

- Com certeza, ainda estou para descobrir como você conseguiu piorar a situação dela. De verdade.

 

- Ele era tão legal, deixava a gente perturbá-lo o tempo todo. – a mão dele finalmente repousou sobre o sorriso de seu avô e a fechou, tentando pegar algo dali.

 

Eu estava tão absorvido no momento, em reviver na minha mente aquele dia, que quase não percebi os braços enlaçados no meu pescoço e o beijo leve.

 

- Hey, garotos. Eu sei que estão colocando o papo em dia, mas eu vou ter que expulsar os dois daqui. – ela soltou o meu pescoço e pelos ombros me girou em direção à saída, fazendo o mesmo com Frank.

 

- Sair? Por que sair? – endureci o meu corpo, decidido a não me mover.

 

- É, sair. Vão ao cinema, tomar café, não importa. Apenas vão. – ao notar que nenhum de nós se movia, ela parou com o esforço de empurrar e apertou as têmporas antes de prosseguir. – É o seguinte. Mikey, você não pode ficar aqui, estou preparando uma surpresa. Frank, eu te peguei emprestado com Olie para distrair o Mikey enquanto estamos arrumando tudo. Entenderam?

 

Não. Frank também parecia achar algo muito errado, a julgar sua relutância em sair. Mas não tínhamos argumentos o suficiente para convencer Dora do contrário, minha impressão é que nunca teríamos, então nos restava a porta da rua.

 

A princípio nós ficamos encostados em um muro qualquer, olhando o movimento da rua, comentando coisas superficiais como o quanto estava frio e barulhento ali. Ele sempre dava respostas curtas e cheias de arrogância, me fazendo sentir perto de um estranho. Somente quando ficar ali incomodou ao máximo, me desencostei da parede e fiz sinal para que Frank me acompanhasse.

 

- Por aqui deve ter alguma cafeteria. Eu não tenho nem uma caixa de fósforos e nem vou morrer de fome e frio só porque Dora quer brincar de fazer surpresa. – era obviamente uma piada, mas ao reparar em Frank, a única coisa que percebi foi uma expressão preocupada voltada para a calçada.

 

- Se você não tiver grana eu pago para você.

 

- Não Michael, obrigado. É melhor ficar aqui, logo terminam de arrumar a galeria. – pisquei confuso diante daquele novo Frank ali. Michael? Qual é?

 

- Eu insisto. Dora disse para me fazer companhia e nesse momento eu estou movendo esse esqueleto congelado para uma cafeteria, acho melhor você vir junto, não a desobedeça.

 

E como se eu tivesse dito a palavra mágica, Frank estava ao meu lado, me indicando onde ficava a Starbucks mais próxima dali. No caminho recebi um sms de Dora, dizendo que era para ficar por volta de três horas fora e que se voltasse antes iria ter que me acertar com ela. Três horas não seria muito tempo a alguns anos atrás, com a companhia de Frank, mas o recado me fez suspirar em pesar, pois essas três horas durariam séculos ao lado daquela pedra de gelo que estava ao meu lado.

 

Na Starbucks, enquanto eu fazia um pedido exagerado, Frank recusava robóticamente qualquer coisa que eu oferecesse, antes mesmo que eu terminasse de falar ele já dizia não. Dava para ver que ele estava se mordendo de vontade de pedir alguma coisa, era inclusive intrigante a inquietação. Seus olhos voavam dos cookies que eu tinha pedido para a mesa, da mesa para os cookies e seus lábios estavam presos fortemente nos dentes.

 

- Está com fome, Frankie? Eu já disse que não precisa se preocupar com o dinheiro, se for o caso, você me paga depois.

 

- Não, eu estou bem, eu só não como esse tipo de besteira. – lembrei de que também não o vi comendo no almoço na casa de Oliver e o próprio usar o mesmo argumento quando questionei se ele não iria comer.

 

- Por isso está com essa cara de defunto, um Frank que não come besteira é novidade para mim.

 

- Eu só não quero, okay? - ele respondeu afoito demais e encostou a cabeça no encosto da cadeira e fechou os olhos, controlando a respiração.

 

Não precisei pensar muito antes de fazer a minha próxima ação, eu só precisei de um pouco de coragem. Bati na minha mão na mesa para chamar a sua atenção, queria dizer seja lá o que saísse da minha boca olhando bem para os olhos dele. Aquela manhã eu havia acordado decidido a deixar de lado todos os sentimentos dos últimos anos, mas eu precisava da ajuda do Frank e essa era a minha última tentativa.

 

- Oi, estranho, beleza? Será que você poderia explicar para Frank que tudo bem ele ser quem é que seja para os outros, mas para mim ele pode ser o Frank de verdade? Juro que não vou rir. – meu único medo era de que ele não entendesse o que eu queria dizer, isso também significaria que o antigo Frank estava inacessível. Um sorriso genuíno depois de algum tempo, porém, decidiu que ainda havia esperança.

 

Frank caminhou a mão sorrateiramente até meu cookie e o surrupiou, o último. Ainda sustentava a expressão malandra enquanto o comia sem culpa nenhuma, para só depois dizer:

 

- Eu quero um Mocha, bem quentinho.

 

- E cookies. – levantei com uma falsa indignação.

 

- É, para matar a saudades desse pedaço do céu. – ele fez uma pausa para levantar uma sobrancelha, como quem sugerisse algo, antes de continuar. – Do cookie, é claro.


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