Sobrenatural escrita por Francielle Santana


Capítulo 3
Capítulo 3 - A verdade




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Havíamos nos afastado da armadilha, e a poucos metros entramos numa choupana bem aconchegante. Sentei-me e aproveitei pra observar. Se eu morasse ali com certeza traria um pouco mais de vida. As janelas estavam fechadas, mas ainda assim me sentia confortavel. Ele voltou com um pouco de agua. Fiquei com receio de toma-la e coloquei sobre a mesinha que havia entre nós.

– Obrigada.

A sua deficiencia era ainda mais visivel. Ficamos em silencio por um instante até que o interrompi.

– Me explique sobre os rebeldes.

Ele parou de beber seu chá e levantou os olhos na minha direção, rindo um pouco, o que foi estranho.

– Por que esta rindo? O que eu falei de tão engraçado?

– Na verdade ainda me surpreendo com esse titulo que voces nos deram.

– Mas não é isso que voces são?

– Responda-me voce. Te pareço um rebelde? - balancei a cabeça negativamente - Se assim fosse eu teria te ajudado? Não usaria voce como um meio de vingança por tudo que os Perushins ja nos fizeram passar?

– É que meus pais me disseram…

– Sim, eles dizem isso desde que o mundo é mundo. Senhorita Alyah, somos chamados de rebeldes por que não obedecemos os extremos deles, e sim o que consideramos correto. É simples, se hoje fosse o dia santo - sempre temos esse dia, como um ritual onde descansamos, compreendia mas assumo que achava um tédio - e a senhorita visse alguem ferido no meio do caminho, pararia para ajudar?

– Mas é claro que sim…

– Pois bem, isso te custaria alguma punição. Mas me diga o que lhe parece mais correto? Ajudar ou cumprir leis?

– Mas senhor Simon…

– Pode me chamar apenas de Simon.

– Não importa… não ha uma chance de cumprir as leis fazendo o que é correto?

Ele me olhou com um sorriso de canto.

– Tem, sendo como voces chamam, rebeldes.

Tentei absorver aquelas informações. Mas por que eles simplesmente nao conversavam? Tudo poderia mudar.

– Aalyah, há mais coisas entre o céu e o inferno do que supõe nossa imaginação. Nós optamos por continuar fazendo o certo ainda que todos achem errado.

– Mas o que te garante que esta fazendo tudo corretamente?

Ele lançou um olhar sobre minha chave. Segurei-a com força.

– Voce conhece o Livro?

Seu sorriso mostrava um certo carinho.

– Ele é a resposta Aalyah. Para tudo que voce quiser saber. Ele é a garantia de que tudo que faço é certo. Ou pelo menos a intenção é correta. Provavelmente voce não leu a declaração, não é? E seus pais, não sabem que o tem?

– Não sabem. - me levantei cada vez mais confusa - Eu não consigo entender como um livro pode fazer voces viverem assim. Isso é loucura Simon. Olha para voce, pelo jeito que fala e pelo tanto de livro que tem nem parece aquele homem que encontrei dias atras. Voce é inteligente. Mas essa decisão de seguir um livro me parece um tanto maluca.

Ele se levantou e foi até a cozinha pegar mais chá.

– Aalyah, eu não sigo papéis. Esse trabalho eu deixo pra voces, Perushins. Eu sigo um proposito por detras dos papeis.

– Mas Simon, me explica então por que os Perushins simplesmente não se rendem.

Reaparecendo na sala ele caminhou na minha direção. Olhando em meus olhos afirmou.

– Não te culpo por não entender. Voce viveu muito tempo presa a leis, regras, papeis, punições. Eles não se rendem por um motivo - senti tristeza num suspiro que interferiu a frase -. O livro, a maioria deles ja leram, ou ouviram falar. Ha muito tempo não havia um conjunto de 3 familias onde pelo menos 2 não tivesse em sua posse um exemplar do livro. - Retirou umas folhas bem danificadas de dentro de uma caixa - Mas um dia, grande parte, quase todos, foram queimados. Foi muito triste, Aalyah. Diferente de voce, fui criado sobre os principios desse livro. Até que um dia tudo se foi. Eu ainda era pequeno. Com dificuldade fui até a grande fogueira quando o publico ja tinha se retirado, e peguei todas as folhas que consegui. Com o tempo organizei e consegui lembrar de algumas coisas que reescrevi. Mas… como falei, houve um motivo. Esse livro tem muito a nos contar. E os Perushins perderam a fé no Livro. Isso quer dizer que provavelmente seus pais ja foram como eu.

Aquilo me assustou.

– Meus pais ja foram rebeldes?

– Basicamente, mas não eram tão ignorados como nós somos. Por que hoje o reino esta dividido, e a maior parte sao dos Perushins…

Me deixei afundar na sua cadeira. Eu poderia simplesmente colocar o livro no lugar e esquece-lo. Mas se tudo que ouvi for real, eu vivi uma mentira. E eu queria conhecer a verdade. Quando se passa muito tempo na escuridão, a luz acaba incomodando.

– Eu tenho medo…

Simon se virou na minha direção, e parecia entender o que queria dizer.

– Aalyah, é uma escolha sua. Mas sei que a escolha correta é ler a declaração.

– O que ela diz?

– É como um juramento. Voce diz que esta disposta a buscar a verdade, ainda que isso custe abandonar velhas mentiras. É dificil, eu sei, mas todos temos um proposito Aalyah. Recebemos dons. Se voce encontrou esse livro, o dono dEle quer falar com voce.

– Não, não. Meu pai nem sabe que estou com o livro dele…

– Aalyah, cabeça de vento, não é deste dono que falo. Se estiver com medo podemos ler juntos. Eu vou me sentir muito feliz.

Minha cabeça dava voltas, o que poderia ter naquele livro?

– Simon, eu preciso pensar. Preciso ir, depois nos falamos.

Senti sua mão na porta, me impedindo de passar.

– Como vou saber que voce não vai inventar alguma mentira e sair contando por ai? Como poderei me sentir seguro depois que uma Perushin entrou em minha casa?

Olhei para o copo que tinha deixado na mesa. Fui até ele e tomei o que havia, até o fim.

– Pode confiar em mim da mesma forma que confiei em voce. Poderia ter me matado antes e agora se tivesse me dado algum veneno.

Nos olhamos e por fim ele me deixou ir.

***

Alguns dias se passaram sem que eu tomasse uma decisão. Algumas vezes ia até Simon e ele me falava mais sobre a diferença entre o povo dele e o meu. Ele citou, por exemplo que a justiça que nos move, ou move os rebeldes no caso, deve exceder a dos Perushins. Não havia entendido, afinal eramos justos. Até que ele me explicou melhor, se no nosso reino não era permitido matar, no reino dele não poderia se irritar. Se no nosso reino não poderíamos nos sentar com um impuro, alguem que transgride as leis de forma clara, no reino dele diz que precisamos ter compaixão ao ponto de abrirmos mãos de status para ajudar alguem. Não me parecia tão mau, pelo contrario… é a consumação do que poderia definir como um terra proxima ao paraiso. Havia tambem a parte ruim para alguns. Não há espaço para acomodação entre os rebeldes. O que tambem não me assombrava. No entanto viver o que o Livro dizia para viver era perfeito demais.

– Simon, eu não vou conseguir. Pra que começar algo que não poderei terminar?

– Pequena Alyah, quem disse que eu consigo fazer tudo? Tem muita coisa que é dificil, e que sempre derrapo. Acabo não conseguindo cumprir.

– Mas e o juramento, sentença, seja la o que for?

– O objetivo do livro não é que voce não tenha defeitos. É que independente de tê-los voce continue tentando. A palavra é perseverança.

– Fala serio, Simon. Agora vou ter que correr atras do vento? Quem na sua sã consciencia vai prometer algo que não pode cumprir?

– Alguem que sabe que esse é o melhor caminho.

Pelos argumentos ele havia ganhado. E fora que estava curiosa sobre o que tinha nesse livro. Quando voltava para casa não havia mais o Simon para me contar.

Tudo aconteceu num dia quase comum. Se não fosse por uma cena que vi. Uma moça tentou entrar em uma de nossas reuniões, mas foi impedida por causa das suas roupas. Foi rapido, ela entrou, foi chamada e nunca mais voltou. Não resisti e pedi permissão para falar.

– Porque aquela garota não pôde ficar?

– Ela não vestia as roupas adequadas, não seria exemplo pra voces.

A mulher falou ja abaixando a cabeça, como se tudo terminasse ali.

– Mas… não deveríamos nós, ser o exemplo para ela? Falamos sobre caridade aqui, e não conseguimos nem sequer ajudar uma garota com suas vestes. - Ela ia falar, até que continuei - Isso me parece contraditorio, senhora Juditt.

A sala toda estava em silencio. Acho que fui mais ousada do que deveria.

– Senhorita Aalyah, me aguarde por um instante.

A senhora Juditt se levantou e saiu, por um instante fiquei com medo. As meninas que estavam la começaram a cochichar.

Alguns momentos se passaram até que ela retornou com ninguem menos do que meu pai. Ele provavelmente estava fazendo algum tipo de serviço por perto.

Os cochichos cessaram. Os olhos de meu pai vieram de encontro ao meu.

– Aalyah… Por que voce fez isso?

– Mas pai, o que eu fiz?

– Desrespeitou a senhora Juditt.

– Pai, eu não…

– Não me interrompa tambem Aalyah - sua voz se exaltou -. Estou cansado desse seu espirito independente. Me trazendo vergonha.

– Mas pai, o senhor nao sabe o que aconteceu. Havia uma menina.

Ele me interrompeu de forma impaciente.

– Uma menina que nao poderia ficar entre nós, Aalyah. Ela é filha de um rebelde. Não se pode juntar luz e trevas. Será que voce nao entendeu até hoje?

Meus olhos encheram de lagrimas. Por que naquele momento eu percebi que havia muita verdade no que o Simon disse.

– Não pai, eu realmente não entendi. E se for pra viver essa hipocrisia eu prefiro continuar sem entender.

Vi raiva nos seus olhos.

– O que voce quer dizer com isso?

– Quero dizer que vergonha é pouco para o que sinto agora. - Silabei cada palavra. O que me resultou em um tapa no rosto, na frente de todas as meninas, sob o olhar satisfeito da senhora Juditt. Meu rosto ardia, as lagrimas molhavam minha mão que tentava amenizar a dor. Pensei em algo pra falar, não consegui. Saí correndo dali fui até minha casa, sem pensar duas vezes peguei meu livro, coloquei dentro de uma grande bolsa com algumas roupas e dei meu primeiro passo rumo ao meu proposito.


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