Estações escrita por Emma


Capítulo 33
Incertezas


Notas iniciais do capítulo

Me perdoem pela demora, venho sofrendo alguns bloqueios criativos e outros probleminhas que dificultam a escrita, tenho que aproveitar quando a inspiração aparece e correr pra postar aqui. O capítulo não está tão grande porque eu precisei dividir ele com o seguinte, acredito que ia ser mais interessante pra narrativa dessa forma... Ah, a música do começo do capítulo eu ouvi no episódio 2x14 de This is Us, é linda, ouçam (P.S: vejam a série tbm porque é maravilhosa!!!)

Mico querida e todas as outras Janeites dedico a vcs!

MUITO obrigada pelas 1.521 visualizações, sem mais delongas, vamos a leitura.



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“Através das ranhuras da pele, subi ao topo, subi na árvore para ver o mundo, quando as rajadas chegaram para me derrubar, segurei tão forte quanto você se segurou a mim, tão forte quanto você se segurou a mim. Porque, construí uma casa para você e para mim, até desaparecer, de você e de mim...” – To Build a Home (The Cinematic Orchestra)

 

Os dias passaram em uma rapidez que Sonia nem conseguira contabilizar. Ela gastara a semana seguinte tentando entender (e principalmente esquecer) o beijo que eles compartilharam no quarto do hospital, falhando miseravelmente. Quanto mais o repreendia, mais forte as lembranças retornavam, tão intensas que poderia facilmente saboreá-las outra vez.

Logo quando saíra do quarto precisou se encostar contra a porta para estabilizar as batidas do seu coração. Sabia que permitir aquilo tinha sido um erro terrível, mas o pior era que não tinha esse gosto, muito pelo contrário, despertaram tantas sensações adormecidas que até pensou que não existissem mais.

Todavia, não podia se sabotar dessa maneira, não deveria ceder a delicadeza da situação que a conduzira ao México outra vez, então justificou tanto quanto pode. Sua mente e lábios usaram de inúmeras desculpas, começando com: “eu estava vulnerável pela possibilidade perder o pai dos meus filhos”, depois: “foi um momento de fraqueza por toda história que tivemos”, terminando em: “fiquei com muito medo de ver outro ente querido morrendo prematuramente” ... Até que, Helena, em uma manhã, enquanto tomavam café na suíte em que a ex-modelo estava hospedada, lhe revelara o real motivo antes de colocar um pedaço de croissant na boca.

“Oh querida, não se engane, você o beijou e desfrutou da sensação simplesmente porque ainda o ama! Você não vai aquele hospital todas as tardes apenas levar seus filhos, você vai para conferir se ele está bem, pois se importa”.

Sim, fora como levar um soco na boca do estômago. Mesmo que não quisesse ouvir uma das pessoas que mais lhe conhecia afirmar isso com tanta veracidade, o que a amazona dissera, era fato. A quem queria enganar? Amava sim Alexandre, mesmo depois da traição e se odiava por isso.

Ela se conduziu por um caminho pelo qual já passara inúmeras vezes no último ano, tantos “e ses”, tantas dúvidas sem respostas concretas. Jurou todo esse tempo que espantaria para longe o sentimento que assombrava seu coração, porém falhou miseravelmente. O beijo que eles trocaram só constatou o que no fundo já sabia, por mais água que derramasse dentro de si, seu peito sempre insistiria em voltar a queimar a chama de tudo o que sentia por seu marido.

“Marido”

Falando para si própria a palavra, lembrou-se que Victor estava na fase final do processo e a audiência para assinatura do divórcio estava marcado para cedo na manhã do dia 24/12, única data em que Dr. MonteCarllo conseguira com um amigo juiz. Só que quanto mais os dias passavam, quanto mais tardes ela via as crianças interagirem com ele e o crescente vínculo que Alexandre desenvolvia com Arthur, mais uma dúvida corrosiva enchia seu coração e já não tinha certeza de nada.

Deveria acabar dessa forma quando já não conseguia responder com indiferença os olhares que ele lhe dava? Tão pouco os sorrisos abobalhados? A conversa fluía tão fácil como fora outrora e seu coração estava totalmente compadecido ao estado em que seu doutor se encontrava. Sonia percebeu que eles caíram numa rotina tão confortável que tirando o fato de que Alexandre estava hospital, ela não se viu não preparada para que acabasse outra vez.

“Oh shit!”

* * *

 

Os primeiros dias não haviam sido fáceis para o doutor, logo após Heitor se despedir, ele sentiu fortemente sua ferida reclamar por todo o esforço que havia imposto sobre seu corpo menos de 24h após um cirurgia, alguns pontos abriram, ele sangrou, precisou ser “recosturado”, medicado mais uma vez para dor e entrar em repouso absoluto nos dois dias seguintes.

Entretanto, depois de passar 15 dias em um quarto de hospital, sentindo na pele o que era ser um paciente, Alexandre finalmente tinha recebido alta e ordens para continuar repousando em casa por pelo menos mais 10 dias, o que ele claramente protestara. Todavia, quando Sonia sugeriu que seria um bom tempo para ele desfrutar com os filhos, prontamente aceitou.

Não era difícil notar o quão ansioso o homem estava para ter mais contato com Arthur, aproveitar a energia dos gêmeos e curtir o máximo dos anos de infância que Cristal ainda teria, antes da menina resolver que passar tempo com eles o os irmãos já não seria mais um dos seus programas favoritos.

Na primeira tarde que passou em casa após sua alta, sua esposa estava assustada demais para retornar ao antigo lar deles, achou mais seguro apenas levar as crianças.  Ainda debilitado, interagiu um pouco enquanto os observava brincar pelo quintal, até a hora em que ela fora buscá-los e no rápido diálogo que tiveram lhe confidenciara sua indagação da tarde, onde afirmara que esperava ardentemente que tal momento demorasse, pois não estava preparado para ver sua menina se tornar uma moça tão bonita quanto a mãe e ter seu coraçãozinho se enchendo de amores por outro homem.

Pensando sobre o assunto, ela mesma concordou que não seria fácil. Cristal era sua primeira filha, sua garotinha doce, olhá-la e perceber o quão crescida estava trazia além do orgulho, uma dorzinha aguda que enchia sua mente de recordações que nunca mais voltariam. Por sorte, eles sabiam que ainda demoraria um pouco para que tivessem que lidar com algum rapaz.

* * *

 

Em um bairro diferente, numa zona modesta da cidade, o mês avançava rapidamente para o casal Laura e Orlando, que viviam uma doce e apaixonante lua de mel, até sua visita chegar e interromper um pouco sua nova rotina, que incluía o latino dormindo na cama da ruiva na maioria das noites. Entretanto, Ally estava cheia de curiosidades e assuntos para pôr em dia, acabando por expulsar o jovem senhor da casa e enviá-lo para o seu apartamento enquanto roubava seu lugar ao lado da amiga.

A advogada morena, tinha antecipado suas férias e vindo lhe encontrar por volta de meados de dezembro, estava até então desacompanhada, seu marido só chegaria mais próximo do natal. Orlando ganhou sua boa opinião, depois de uma semana de avaliações minuciosas, isso incluía o exagero de olhar a ficha criminal e consultar o CPF do cara, resolveu que era sim um bom homem para Laura.

Louise estava adorando ter sua titia por perto e curtindo ao máximo a companhia. Já era final da tarde e a menina estava debruçada sobre alguns cadernos, papéis e lápis de cores, após finalizar sua lição de casa junto com Ally, que havia dispensado a babá Karen. Laura chegara a pouco e fora tomar um banho.

— Então, o que vamos jantar? – Ally perguntou quando a notou chegando na sala.

— Orlando ligou, ele está trazendo comida italiana – sentou no sofá ao lado da amiga – para ver se sobe um pouco no seu conceito.

— Eu não vou admitir isso à ele de bandeja assim, mas saiba que estou feliz por vocês, ele realmente é um dos bons.

— Eu também acho tia! – a menina se distraiu um pouco do que fazia e virou-se para elas sorrindo docemente.

— O que minha girafinha está aprontando? – a ruiva mais velha indagou retribuindo o sorriso e apertando de leve sua bochecha.

— Nós estávamos fazendo a lição de casa, mas já acabamos, então no que é que você ainda está dedicando tanta atenção amorzinho? – a morena também questionou.

— É uma carta para o papai noel...

— Hmm... e o que a mocinha está pedindo para ele?

— Eu estou pedindo para tio Orlie ser o meu papai – Alice e Laura se olharam, a ruiva totalmente sem respostas e a outra com um sorriso conhecedor nos lábios – eu sei que tenho outro pai, o moço bonito da foto que você me deu, mas será que ele não aceita ser meu pai do coração? Que nem o Matteo da minha sala, ele tem uma mamãe do coração também – abriu a boca, mas nada saiu, engolindo o caroço que se formou em sua garganta ela apenas encarou a filha – o que foi mamãe? Você acha que tio Orlie não vai aceitar?

— Eu acho que ele vai adorar Lou Lou – Alice a salvou – você é a garotinha mais fantástica que eu conheço e qualquer homem ia ser muito feliz sendo seu papai.

— Menos o meu pai, porque ele nunca veio me ver, acho que ele não gosta muito de mim tia Ally – a menina fez um biquinho e a tia sentiu o coração se partindo.

— Amorzinho, não ligue para isso, tenho certeza que se você pedir com esse seu sorrisinho lindo Orlando não vai resistir, por que não faz uma cartinha para ele também?

— Ótima ideia tia! – a criança retornou aos seus desenhos e depois de alguns minutos solicitou – mamãe você pode me ajudar com algumas palavras? Ainda não sei fazer direito e eu me embolo toda, quero que seja a carta mais linda de todas.

— Claro filha, eu só vou ali na cozinha beber uma água ok?

— Tá bom.

Alice acompanhou Laura até a cozinha e a encontrou parada em frente a geladeira, abraçando-a em seguida.

— De onde essa menina tira essas ideias? – Laura sussurrou.

— Hey, você não precisa mais se preocupar com essas coisas, tenho certeza que Orlando irá adorar a proposta de Lou Lou – Alice as afastou do abraço, mas continuou perto, encorajando-a a aceitar sua nova realidade com um sorriso.

— Eu sei que sim, ele já me disse isso.

— Então por que você está reagindo assim? Como se fosse algo trágico?

— Porque nós estamos avançando rápido e eu tenho medo.

— Medo de que Laura? De construir um futuro com esse homem que até agora tem sido maravilhoso contigo e sua filha? Ou isso ainda tem a ver com Victor?

— Já fazia um tempo que eu não pensava em Victor até Louise tocar no assunto hoje, Orlando tem me distraído de vagar por esse território muito bem, mas e se eu lhe der meu coração por inteiro, se construirmos esse futuro e lá na frente tudo se desmoronar? Não sou apenas eu Ally, agora existe minha filha também que está totalmente envolvida com Orlando...

— Querida, posso te dizer algo? – ela acenou – As pessoas sempre poderão machucar umas às outras, relacionamentos tratam disso, saber perdoar e se reconstruir, pois nós somos humanos suscetíveis a falhas, quando nos envolvemos com alguém é um risco que ambas as partes assumem. Confiar seu coração de novo a um homem, agora, é um risco que vocês duas terão que correr, mas saiba que se você desmoronar outra vez, eu estarei no exato lugar onde estive, ao seu lado.

— Obrigada por ser a melhor irmã que eu poderia ter recebido nessa vida – Laura a abraçou.

— Nah – ela balançou a cabeça negando com um sorriso – a recíproca é verdadeira – saindo do abraço, fitou sua amiga continuando – Só para constar, acho que você não precisa se preocupar com Orlando, o homem realmente te ama.

— Eu sinto, também o amo – Alice sorriu – e um dia será na mesma proporção.

* * *

 

 Aquela manhã Heitor dirigia a SUV de 7 lugares e não um de seus amados conversíveis, pois além de Helena ao seu lado, tinham os gêmeos atrás em suas cadeiras de transporte. Henrique desceu na primeira parada, o colégio, era sua última semana de aulas antes do recesso de fim de ano e Gabriela ficara na ginástica, uma alternativa que a amazona encontrou para gastar um pouco da energia da menina e não deixá-la louca.

Enquanto eles esperavam a barra de metal que liberaria sua entrada no estacionamento da empresa se erguer, ela olhou para o filhos, estavam lindos e saudáveis, Otávio era um pouco maior e gorducho que Catarina, pelo tanto que mamava não tinha como ser de outra maneira. Sorriu ouvindo-o balbuciar alguns sons, tentando chamar sua atenção, provavelmente ele não seria fácil, Gabriela era tão energética quanto ele nessa fase, continuou sorrindo para o menino, enquanto iniciava um diálogo com ele.

Sentindo-se negligenciada Catarina também tentava ganhar atenção, Helena começou a brincar de esconde com eles, ocultando o rosto no apoio de cabeça do assento e depois surgindo de repente, repetindo a ação várias vezes, ambos os bebês começaram a dar gargalhadas altas e gostosas, a mãe da mesma maneira. Heitor estacionou em sua vaga, virou-se para trás, contagiando-se com a cena, entrando na brincadeira e sendo envolvido pela alegria de seus filhos. Quando suas barrigas já estavam doendo, resolveram que era hora de descer do automóvel e prosseguir com suas atividades. Aquela certamente havia sido uma forma maravilhosa de iniciar o dia.

* * *

 

Metade da manhã já tinha passado quando sua secretária interfonou lembrando-lhe do próximo compromisso, o COO de uma rede hoteleira internacional que estava chegando na cidade, queria seus serviços para construir filiais na capital e em Cancún, tinha agendado uma reunião para apresentar suas ideias e fechar negócio caso desse certo.

Quinze minutos depois, no exato momento em que a hora fora marcada, a porta se abriu e Ana deu passagem a uma mulher alta, de pele morena bronzeada, cabelos castanhos iluminados e de corpo desenhado pela saia lápis e blusa social, Heitor fixou os olhos em seu rosto, os traços lhe era conhecidos, sua memória fez uma busca rápida em segundos até que o nome lhe veio.

— Caroline Nolan... – ele se levantou e estendeu a mão. 

— Heitor Herrera, quanto tempo! – depois de aceitar o cumprimento, ele lhe indicou a poltrona e ambos sentaram-se.

— Então, você assumiu a rede hoteleira da família?!

— Por enquanto não, ajudo minha mãe na administração, depois da morte do meu avô ela assumiu - ela o encarou – agora veja só você, ainda tão ou até mais charmoso que na faculdade – Heitor sorriu negando o elogio quando se assustou com Helena ao seu lado, com uma sobrancelha arqueada para ele.

— Caroline, essa é minha esposa – foi rápido em cortar o assunto e introduzi-la – Helena Herrera, ela é minha arquiteta chefe, por isso a convoquei para a reunião – a outra mulher se levantou e estendeu a mão cumprimentando-a.

— Prazer em finalmente conhecer a senhora que roubou o coração boêmio de Heitor – a amazona apertou a mão da mulher, sorrindo cordial, mas ainda sem humor, avaliando se gostava ou não da “amiga” de seu marido.

— E você quem seria? – a COO e Heitor trocaram uma rápida olhada, decidindo que ele seria o mais indicado para responder a pergunta.

— Caroline e eu nos conhecemos na época da faculdade – esperta como era, rapidamente pescou o “conhecemos”... Então a vacca já tinha dormido com seu marido. “Va benne que o objetivo dela em vir aqui seja apenas profissional”.

— Hmm... é bom que vocês já tenham entrosamento – tentou descontrair para aliviar um pouco a tensão que se construía – facilita o andamento do projeto – indicando as cadeiras novamente prosseguiu – Vamos nos sentar, mostre-nos as projeções do terreno e fale um pouco sobre suas ideias para o hotel.

A empresária não se sentiu intimidada, pelo contrário, riu da comicidade da situação, nunca na vida imaginara estar diante de Heitor e sua esposa, na faculdade ambos eram vadios que só queriam sexo e encher a cara no final de semana, nenhum deles parecia desejar uma família, no entanto, lá estava ele casado e muito comprometido.

Helena por outro lado estudava suas palavras e expressões, atenta se deveria ou não levantar defesa contra o que lhe pertencia. O engenheiro ria internamente de sua mulher, não acreditava que Caroline quisesse uma reaproximação, portanto sua cisma era desnecessária e cômica .

Alguns minutos após falar suas aspirações para o empreendimento, ouviu um choro, distraiu-se procurando de onde vinha, até notar uma babá eletrônica sobre a mesa enquanto Helena anunciava:

— É nossa filha mais nova, está no anexo ao lado, vou verificá-la. Me desculpe interrompê-la (ela realmente estava sendo sincera agora).

— Oh não se preocupe, fique à vontade – quando Helena passou pela porta, Caroline voltou-se para Heitor – Quantos são?

— Quatro – sorriu orgulhoso virando o porta retrato com a foto da família – Esse aqui é o mais velho, se chama Henrique e tem 10 anos, a garotinha maior é a Gabriela, uma pestinha de 3 anos e os bebês são um casal de gêmeos de 7 meses, Otávio e Catarina, quem você ouviu chorar.

— Estou completamente surpresa, 4 crianças? Quem diria que você se tornaria um homem de família.

— Queríamos mais um, infelizmente precisamos parar... – riu sem humor ao lembrar-se do motivo – Tudo muda quando você encontra A pessoa Caroline, Helena é meu mundo inteiro e eu amo demais.

— Dá para notar, confesso que vim a essa reunião com esperanças de que pudéssemos relembrar os velhos tempos, porém, sei que está fora de cogitação, mesmo que você estivesse interessado, jamais me perdoaria por destruir algo tão lindo quanto isso – ela apontou o porta retrato que ele lhe mostrara segundos atrás – estou feliz por ti.

— Obrigado, também me sinto muito feliz.

Voltaram a falar sobre o hotel, todavia, o que não sabiam era que a babá eletrônica permanecia ligada e Helena pode escutar toda conversa, sorrindo satisfeita, sentindo um pouco mais de empatia pela mulher conversando com seu marido, mas nem tanta, porque afinal ela já tinha provado o quanto seu marido podia ser delicioso.

Quando acalmou Catarina, voltou e dessa vez ela sorriu abertamente para Caroline que retribuiu de imediato. Durante o restante da reunião, quando a pontinha de ciúme queria aparecer, a amazona se lembrava das palavras do marido, que “era o mundo inteiro” dele e sorria feliz.

 

* * *

1 semana depois...

 

Era em torno de duas horas da tarde quando Sonia chegou a sua casa, ou nem tão mais sua, passou pela faixada elegante e com paisagismo muito bem cuidado até a garagem, admirando o fato de Alexandre ter pedido para alguém zelar de algo que costumava ser seu encargo.

Descendo do carro deu um giro e observou o restante do lugar que amara desde a primeira vez que vira, ele os esperava na porta da frente, com um sorriso tão cativante que pode sentir seu estômago vibrando com uma emoção que a todo custo tentava conter, todavia ao passo que Alexandre se aproximava para ajudá-la a descer as crianças, podia senti-la expandindo-se exponencialmente.

No próximo mês faria um ano que ela não pisava ali, na semana anterior quando fora deixar e buscar os filhos nem descera do carro, as lembranças e tudo o que aquele lugar lhe despertava era perigoso em um nível que ela temia. Temia porque lhe traziam saudades e a conduziam por um caminho de vulnerabilidade tal qual o dia em que cedera ao beijo de Alexandre no hospital.

Quando casaram-se, seu marido lhe deu carta branca para fazer todas as mudanças necessárias, mas com exceção dos quartos que foram surgindo, alguns rearranjos de peças de mobiliário soltas e itens de decoração, nada mais foi alterado. Tinha se apaixonado por ele tanto quanto pelo seu lar. Até naquilo eram um encaixe perfeito, pensou na época, aparentemente tudo estava da mesma forma como se lembrava, e no momento em que a porta da frente foi aberta cedendo-lhes passagem, aquela sensação quente e satisfatória de estar finalmente em casa preencheu seu coração.

* * *

 

As crianças estavam com as bochechas coradas de tanto correr pelo gramado verde do quintal, Alexandre empurrava o balanço para Charlie e Cristal, enquanto César orgulhosamente mostrava ao pai como ele não tinha mais medo de altura e descia o escorrega da casa na árvore, ao passo que a ex modelo fazia caras e bocas, arrancando um sorrisinho do caçula de vez em quando.

Tirando o menino da cadeira de balanço que Alexandre fizera questão de comprar e montar sozinho, ela o colocou em seu colo, Arthur encarava os brinquedos sobre a grande toalha xadrez onde sua mãe estava sentada, alguns lanches foram preparados e arrumados sobre a mesa redonda de madeira pouco mais de um metro na lateral direita onde Sonia aproveitava a sombra da castanheira antiga, que Heitor e Helena resolveram preservar quando projetaram o condomínio e que fora pivô na escolha de Alexandre ao escolher qual terreno comprar.

Cristal chegou diante dela e lhe pediu um pouco de suco, notava o suor descendo pelos contornos do seu rosto, realmente estava bastante quente para uma tarde de inverno. A menina olhou para a piscina que parecia tão convidativa agora que os raios solares refletiam no azul do fundo.

— Mãe, será que nós podemos dar um mergulho? Está fazendo tanto calor.

— Tudo bem Cacau, mas eu não vou entrar com vocês e seu pai não pode até amanhã quando tirar os pontos, então você vai ter que se conformar em ficar na piscina pequena com seus irmãos.

— Tá bom, é só pra gente se refrescar um pouco.

— Alexandre – ele virou na direção da voz que o chamava – as crianças querem dar um mergulho, tudo bem pra você?

— Claro que sim – sorrindo, encarou Charlotte e perguntou – você também quer ir para piscina princesa?

— Sim papai, quero muito, tá bem quente aqui – a menina sorriu e ele a tirou do balanço – vamos pegar algumas roupas de banho e bóias no quarto de vocês.

César rapidamente se aproximou deles e os quatro entraram em casa pela porta lateral de vidro, subindo as escadas, Sonia aproveitou o momento e abaixou as alças do vestido soltinho, descobrindo seu seio e amamentando o exigente bebê que começara a reclamar de fome.

Não demorou mais que alguns minutos até Alexandre estar de volta com a turminha que saiu em disparada pulado na parte rasa da piscina, ele os observou por um tempo, até ter certeza de que tudo estava bem e depois foi caminhando em direção a toalha de piquenique onde sua esposa estava sentada, sendo agraciado com a cena.

Não se cansava de admirar o quão linda era, após o nascimento de cada bebê conseguia ficar ainda mais radiante. Parou por um tempo, encantado com Arthur e sua bela mãe, aproximando-se mansamente para não quebrar a conexão estabelecida entre eles. Ela percebeu que ele estava perto e o fitou sorrindo, naquele momento Alexandre jurou que seu coração sairia pela boca.

Sentando-se ao seu lado, o doutor alisou a bochecha do garotinho e eles iniciaram uma conversa espontânea. Falaram sobre tantas coisas alegres e divertidas, principalmente envolvendo as pequenas aventuras e peripécias das crianças que ele havia perdido naquele ano, Alexandre sorria de doer a barriga e Sonia o acompanhava, vez ou outra olhavam para a piscina para conferir se os mais velhos estavam bem.

A essa altura Arthur já tinha deixado de mamar, repousando seguro no colo do pai e o sentimento que o acometida era de puro amor e felicidade, se permitindo sonhar que quem sabe, aquilo significava que ele já não era tão caso perdido assim.

* * *

 

A timidez e insegurança que outrora rondava Sonia, fora sumindo aos poucos sem que ela notasse, estava tão confortável em sua casa novamente, conversando com seu marido sobre trivialidades paternas, que aquela podia ser só mais uma tarde de domingo ensolarada em que eles curtiam o dia e os filhos. Alexandre se levantou, colocou o bebê na cadeira de balanço e foi em direção a mesa, encheu dois copos com suco colocando-os sobre uma bandeja, trazendo também alguns cortes de frutas e dois pedaços torta.

Ao sentir o cheiro da torta percebeu que estava com apetite e lhe agradeceu assim que o prato com comida pousou em sua frente. Observando-o ela pensou que talvez... talvez eles poderiam sim recomeçar, talvez o relacionamento deles não estivesse tão quebrado quanto pensara, quem sabe, com o tempo pudesse confiar nele de novo e reconstruir o que um dia tiveram... No fim das contas ele e Melissa não assumiram nada, então tinha sido só um caso mesmo?! Não poderia dizer. A única coisa que podia afirmar era que o queria de volta, por mais complicado que fosse, por mais dúvidas que surgissem em sua mente, isto era um fato. O coração queimou de leve enquanto enchia-se de esperança, a antecipação causando um frio gostoso na barriga, fazendo com que adorasse a sensação.

Aparentemente o médico também tinha suas indagações, pois igualmente a observava, sendo contudo mais rápido em iniciar o assunto:

— Eu estava pensando sobre o natal desse ano Sonia...

— Hm... e quais são seus planos? – perguntou-lhe um tanto tímida.

— Sophie me chamou para estar com eles, meus pais irão esse ano, só que a família de Elijah comemora outra festa chamada Hannukah... Confesso que pensei e ir, não queria passar a data sozinho, principalmente sem vocês – o médico remexeu seu pedaço de torta, dando a ela um sorriso sem ânimo continuou – E quais são seus planos?

— Não sei ainda, minha mãe sugeriu que todos fôssemos para o Refúgio, porém, as crianças não querem passar esse dia longe de você – Sonia começou a ficar nervosa outra vez, sem saber como fazer um convite tão simples, mas quando finalmente fez, o sorriso que lhe dera era enorme – Victor até mesmo sugeriu que eu o convidasse para estar conosco... – o sorriso tão bonito morrera no exato momento que o nome de seu amigo entrou na conversa, o semblante do marido mudou da água para o vinho.

— “Victor sugeriu” – ele riu sarcasticamente – Então agora seu namorado “sugere” se eu posso ou não passar o natal com minha família na minha própria casa de férias?!

Sonia correu em se corrigir.

— Alexandre, você não entendeu o que eu quis dizer – ela ia continuar a lhe explicar quando ele a cortou ainda magoado, seu tom deixando bem claro.

— Entendi sim! Esse homem por um acaso não sabe viver longe de você? O tempo todo lhe cercando... Inacreditável!

— Mas foi eu quem o convidei, ele ia passar a noite sozinho então – novamente foi interrompida.

— Que droga Sonia! O que diabos esse homem fez para que você não dê mais nenhum passo sem ele? Hã? Victor é tão bom em esquentar sua cama assim?

Sonia recuou, sentindo como se tivesse levado uma bofetada, ela o encarou boquiaberta e ferida. “Ele realmente tinha lhe ofendido dessa forma? Como ele podia?”... Sua mão coçou para lhe espalmar o rosto, pois nunca tinha merecido tanto, mas ela jamais faria uma cena, principalmente na frente das crianças. Suspirando, lhe devolveu a afronta com toda a classe e sinceridade que possuía:

— Você não deveria me cobrar nada em relação a isso quando foi o único a levar alguém para sua cama – apontou o indicador em direção ao peito dele acusadoramente – ou melhor, nossa, na época. Não venha fazer cara feia ou uma cena, isso soa muita hipocrisia sua. Ultimamente eu não o reconheço – fechando os olhos balançou a cabeça, arrependendo-se de ser tão boba – Acho que já está na minha hora, vou chamar as crianças.

Levantando-se foi em direção a piscina, seus olhos estavam marejados e a única lágrima solitária que desceu por sua bochecha fora rapidamente limpa, ao passo que as outras foram engolidas. Sonia não deixou de notar que a carranca que havia se formado no rosto do médico dobrou de tamanho e ele permanecia calado, com a expressão de quem fora severamente contrariado.

* * *

 

Assim que sua esposa se aproximou da borda da piscina e chamou os filhos, Alexandre se amaldiçoou pelo que falara, sentindo um pesar imenso pelas palavras e por ter estragado a tarde tão agradável que tiveram, todavia, a ideia de voltar para o Refúgio de amor deles e vê-la com outro homem o horrorizava, mas admitia que tudo o que havia dito fazia dele um babaca sem tamanho que nunca fora. Passou a mão pelo rosto frustrado, soltando uma lufada de ar em seguida.

Seus filhos estavam reclamando por já terem que ir, porém Sonia foi firme e mais uma vez lhes pediu e finalmente começaram a sair da água para se arrumar. Uma das antigas babás que trabalhavam com eles apareceu e se prontificou em ajudar, acompanhando-os até o vestiário da área de lazer.

Retornando para pegar Arthur, encontrou o olhar do doutor e já não era mais tão severo, podia começar a notar os sinais de arrependimento que estampavam seus traços todas as poucas vezes em que tiveram uma discussão no tempo em que estiveram juntos. “Mentiroso! Falso!”... Todavia, ela não era mais a Sonia tola que o perdoava tão facilmente.

Pegando o bebê o beijou e lhe entregou, abriu a boca duas vezes porém nada disse, apenas colocou as mãos no bolso frontal da bermuda, o que ela achou melhor. Não tinha nada que justificasse a falta de respeito e educação com a qual havia lhe tratado.

   - Eu posso deixá-los se quiser – Sonia já tinha lhe dado as costas quando ele falou e se surpreendeu ao ouvir o tom normal, jurava que ele ainda estaria recheado de veneno como há minutos atrás.

— Não Alexandre! – bradou, agora quem estava chateada era ela – você acha que eu sou o que? Idiota? Vir aqui e passar essa tarde contigo foi um erro estúpido meu.

Sonia o viu soltar outro longo suspiro, Alexandre estava em uma guerra interna, dava pra sentir...

Parabéns Alexandre! Você é um imbecil ciumento e deixou isso te levar à estaca zero de novo, outra vez Sonia ergueu as barreiras que passei todo esse tempo tentando derrubar”.

— Me perdoe pelo que disse, é que... – tentou se aproximar, mas ela se esquivou – é que a ideia de você com outra pessoa me fere profundamente.

— Sabe o que é engraçado – balançou a cabeça com um riso sarcástico de indignação – você só teve a ideia, enquanto eu tive a constatação e mesmo assim estava tentando... Eu sou mesmo uma idiota! – bufou uma risada fechando os olhos.

* * *

 

O coração do doutor acelerou, dammit, seria possível que ela estava cogitando uma reconciliação e ele realmente pôs tudo a perder?

— O que quis dizer com “tentando”?!

— Nada! Só mais um erro que cometi.

— Sonia... – ele segurou o punho dela que estava livre, esperando por um resposta.

— Eu já disse que foi um erro! Divagações bobas da minha cabeça sonhadora... Agora me solte porque não quero ouvi-lo, preciso ir embora daqui.

Soltando-a com pesar abaixou a cabeça sentindo que carregava o peso do mundo, culpa inundou seu coração outrora aquecido por amor e esperança, pareciam tê-lo arrancado do mais doce dos sonhos atirando-o no meio de um horrendo pesadelo. Sendo ele o único culpado.

— Estamos prontos mamãe – Cristal anunciou, interrompendo qualquer discurso de perdão que ele pudesse começar.

— Se despeçam do seu pai, vou esperá-los no carro.

Quando ela e, depois de abraços e beijos, as crianças sumiram de vista, esfregou as duas mãos pelo rosto, sentando-se no banco de madeira que compunha a mesa.

“Que merda eu fiz?”


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Notas finais do capítulo

Esse era um capítulo mais de transição, me perdoem pelos possíveis erros, não tive tempo para revisar da maneira que queria. Também não queiram matar Alexandre (ou a mim haha), todo o estresse da situação tem mexido com o pobre homem. No próximo eles terão uma conversa profunda e intensa, quem sabe dai não sai uma reconciliação?! Já iniciei a produção, vou fazer o possível para não demorar tanto. Bjos.



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