A História dos Selvagens - Parte 2 - Raiva escrita por ShiroMachine


Capítulo 19
Fernando: O espião




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Acordei com a sensação de que minha boca havia sido usada como ninho para escorpiões. Estava deitado numa cama. Me ergui, tentando reconhecer o tipo de local onde eu estava, mas fui surpreendido por um mega abraço de Letícia.

_Ai!

_Desculpe._ Disse ela, se afastando. Senti um imenso alívio ao ver que ela estava bem, aparentemente sem nenhum ferimento.

Eu sorri.

_Foi mais pelo susto do que por ter machucado._ Eu disse. _Estou bem.

Ela voltou a me abraçar.

_Você nos assustou sabia?

Eu não sabia como responder. Apenas retribuí o abraço de Letícia.

_Onde é que estamos?_ Perguntei.

Ela se afastou, e olhou pra sala ao redor.

_Na casa de um antigo médico do Governo.

Realmente, aquilo era quase parecido com um quarto de hospital. Num balcão à minha frente encontravam-se remédios e soros. Havia armários a meus dois lados, provavelmente cheio de bandagens e coisas do tipo.

Eu olhei para Letícia.

_Como chegamos aqui?_ Perguntei, apesar de já suspeitar qual era a resposta.

_O cara do carro, o médico, nos trouxe até aqui e cuidou de nós.

Ela estendeu o braço para mostrar que uma parte estava coberta por bandagens.

_Ele disse que foi uma sorte grande não termos ficado com sequelas._ Disse ela. _De acordo com ele, era pra você ter morrido. Mas agora, tudo o que restam em você são cicatrizes.

Eu estendi meus braços e pude ver as cicatrizes. Ainda sentia um pouco da queimação do ácido, mas fora isso, me sentia bem.

_Como você está?_ Por algum motivo, pensei que perguntar isso seria uma boa ideia.

_Vamos ficar bem._ Ela respondeu. _Felipe está na sala, conversando com o cara. Acha que consegue levantar?

Ela parecia suplicante, como se o irmão estivesse tendo problemas. Eu tentei levantar. Cambaleei um pouco, e Letícia evitou que eu caísse.

_Obrigado._ Falei. Minha voz soou com um guincho.

_Tem certeza que está bem?

Assenti, apesar de estar apoiado pesadamente nela. Pude ver que sua expressão estava estampada pela preocupação.

Chegamos na porta do quarto, que dava para uma sala. O padrão era o mesmo da casa de Mário, o sargento aposentado do Governo. Me surpreendi por me lembrar da conversa com ele, que parecia ter sido um milhão de anos atrás. De qualquer maneira, no meio da sala havia um sofá onde Felipe estava sentado, conversando com um cara que tinha mais ou menos 25 anos. Tinha cabelos pretos e olhos cinza.

Felipe ergueu as sobrancelhas.

_Pensamos que você tinha morrido._ Falou, como que não ligaria se eu realmente tivesse morrido.

Eu dei de ombros.

_Decidi não morrer sabe? Se eu morresse antes de você, você ia ficar todo convencido.

Ele sorriu, e pude perceber que aquilo seria nossa piada particular.

O cara de 25 anos pigarreou.

_Você tem sorte de estar no mundo dos vivos._ Disse ele.

Eu franzi a testa. Tinha a sensação de que o conhecia.

_É, Letícia me contou.

Ele me estudou por alguns momentos.

_Creio que não se lembra de mim, certo?

Eu retesei, pensando que aquilo poderia ser uma armadilha, mas balancei a cabeça negativamente. O cara limitou-se a sorrir.

_Eu sou Erick._ Ao ver minha cara de confusão, ele continuou. _Vocês me salvaram dos revolucionários, na Cidade da Floresta.

Eu arregalei os olhos, lembrando da ocasião.

_Eu descobri que vocês estavam na Cidade do Ácido, então fui ao resgate de vocês.

_Espera aí!_ Exclamei, erguendo as mãos. _Como assim você descobriu?

_Ele aparentemente mentiu pra nós._ Disse Felipe, lançando um olhar acusador a Erick, que pareceu não notar.

_Não fui eu quem mentiu._ Argumentou Erick. _Foi o líder dos revolucionários que mentiu pros seus lacaios.

Eu me lembrei perfeitamente da conversa que o líder dos revolucionários teve com seus comandados, e Erick estava certo. Não fora ele que mentira pra nós.

_De qualquer maneira..._ Disse Felipe, trincando os dentes. _você não nos disse que era um espião do Governo.

Franzi a testa.

_Espião?

Ele deu de ombros, como se aquilo fosse algo indiferente.

_Não sou o tipo de espião que você pensa, daqueles que vão a lugares suspeitos, e fazem relatórios pros chefes. É mais com um..._ Ele ficou quieto por um tempo, como se procurasse a palavra que queria dizer. _um dom!_ Disse, finalmente. _Eu posso saber tudo o que está acontecendo, nesse exato minuto, em qualquer lugar do mundo.

Eu ergui uma sobrancelha. Por algum motivo, aquilo não me surpreendeu, mas Felipe fez uma cara de escárnio do tipo: “Dá pra acreditar nesse cara?”.

Eu ergui a mão na direção dele, fazendo um sinal para que tivesse paciência.

_Então você sabe da nossa fuga do Governo?_ Perguntei.

Ele assentiu, sombriamente.

_Então, já que trabalha pro Governo, por que não nos entrega?_ Indaguei. Letícia e Felipe olharam pra mim como se eu tivesse com um parafuso solto. A verdade é que eu talvez estivesse mesmo.

_Eu trabalhava pro Governo._ Explicou ele. _Não trabalho mais.

Mais uma vez, franzi a testa.

_Você se demitiu?

Erick teve que ponderar alguns segundos antes de responder.

_Bem, não exatamente. Eu só... decidi parar de dar informações pra eles.

Eu pensei em fazer mais perguntas, mas percebi que eram perguntas com respostas óbvias, então decidi dar o assunto como encerrado.

Eu olhei para meus braços de novo.

_Bem, obrigado pela ajuda._ Disse eu. _Mas temos que ir.

_Eu sei._ Disse ele, antes que eu pudesse disser algo mais. _Vocês tem que ir para os revolucionários. Saiba que eu acho que é uma péssima ideia.

Eu simplesmente caí na gargalhada.

_Eu também acho.

_Não estou brincando, Fernando._ Disse ele. _Os revolucionários estão aceitando “hóspedes” tanto quanto o Governo está aceitando eco sobreviventes._ Ele falava num tom sombrio, e pude perceber uma preocupação verdadeira nesse tom. _Mas os revolucionários são bem mais hostis que os membros do Governo.

Nos encaramos por um segundo. Cerrei os punhos, sentindo os lugares onde a chuva ácida havia caído na minha pele formigarem.

_Não temos escolha._ Falei.

Erick deu de ombros.

_Você que sabe. Não diga que eu não avisei._ Depois fez um gesto com a mão. _Venham, eu os acompanho até a saída.

Buscamos nossos últimos pertences. Percebi que nas nossas mochilas havia medicamentos. Decidi não falar nada quanto aquilo. Enquanto acompanhávamos Erick até a saída, eu me aproximei de Letícia.

_Você está bem?_ Perguntei.

Ela não olhou nos meus olhos ao responder.

_Estou. Por quê?

Eu a fitei.

_Bem, você não falou nada enquanto estávamos na sala.

Ela suspirou.

_Estou bem, é só que..._ Ela olhou pro nada e balançou a cabeça. Então, agarrou meu braço e olhou nos meus olhos. _Esqueça.

Eu achei meio difícil, mas segui o conselho dela.

Saímos da casa de Erick, mas antes que ele pudesse se despedir da gente, armas foram apontadas para nós.

_O que é isso?_ Guinchou Felipe.

Uma garota liderava um grupo de cinco pessoas, que seguravam as armas. Tinham roupas surradas e a aparência bagunçada. Rangi os dentes.

_Rebeldes._ Grunhi. _Os procurados pelo Governo.


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