LEIAM AS NOTAS

Me joguei no sofá da sala e liguei a TV. Já perdi a conta de quantos gritos ouvi do andar de cima envolvendo Nico e Thalia. Apenas sinto que vou acabar comendo o enorme jantar sozinha.

Não é que eu não goste de comer. Mas comer sozinha é deprimente. Aliás, essa linha de pensamentos é deprimente.

Eu nunca havia parado para analisar o quadro da parede da sala. Ele era estranho.

— Bom dia. – murmurou uma pessoa estranhamente alegre entrando em meu espaço.

— São quase sete horas da noite.

— Você sabe porque a Thalia tá encarando a fruteira a tanto tempo?

— Sei lá. Amor?

Um peso desnecessário se jogou sobre mim e arrancou o controle remoto das minhas mãos, mudando o canal.

— Ei! Eu estava assistindo! – mentira.

— Não estava não.

Realmente.

— Claro que eu estava.

— Ah é? – ele perguntou, risonho, me encarando divertido e próximo demais. Ele umedeceu os lábios com a língua para falar. Meu deus, não posso focar nesses detalhes não. Olhos. Foca nos olhos. – O que estava passando?

Enquanto encarava os olhos dele, vi uma expressão divertida surgir entre suas sobrancelhas e tenho certeza que falei algo muito inteligente, como “Hm, é, aham”.

Ele apenas riu e continuou assistindo o programa.

Tentei entender como funcionava o jogo de sedução dele. Não fazia muito sentido na minha cabeça.

Eu estava sentada em um dos sofás, com as pernas apoiadas no outro. Ele estava deitado nas minhas pernas, olhando a TV como se fosse a melhor coisa do mundo. Resisti à vontade de acariciar o cabelo dele.

Será que ele não se lembra de ontem? Porque assim que acordei as lembranças vieram até mim em enxurradas. Pelo menos, acho que são lembranças. Porque se eu estiver tendo sonhos quentes com ele... Olha. Vou ter sérios problemas psicológicos. Acho que Percy bebeu muito mais que eu.

Ouvi passos descendo a escada e logo uma pessoa entrava no meu campo de visão.

— Estou saindo. Não me esperem. Percy, vou levar o carro.

Nico disparou pela porta, nem dando tempo para o moreno responder, que apenas fez um gesto de pouco caso com a mão.

— Eu não pretendo sair mesmo.

Respirei com força. Eu não sabia o que aquilo significava, exatamente.

Menos de cinco minutos depois, Thalia apareceu também. Ela descia as escadas em uma velocidade impressionante, diminuindo o ritmo apenas para colocar o cardigã.

— Annie, estou com o carro. Não me espera.

— Mas...

Mal pude falar, e a porta já tinha sido fechada.

— Bom, - Percy começou – a má noticia é que se precisarmos de, sei lá, um médico, vamos morrer esperando a ambulância. A boa noticia é que temos a casa toda pra gente.

Meu coração bateu um pouco mais forte.

— Pois é, mas acho que a janta vai esfriar. Vamos comer?

— Comer? Claro.

O sorriso que ele me lançou antes de levantar foi tão sujo que deveria ser proibido. Ele conseguiu tornar essa pequena palavra tão poluída na minha cabeça que me obriguei a trocar de assunto.

Levantei e segui a ele calmamente até o outro cômodo. Como estávamos apenas nós dois, não vi necessidade de comer na sala, e arrumamos a mesa na cozinha mesmo.

Mal havíamos começado a comer, e ele já estava falando.

— Meu deus, isso aqui tá muito bom. Foi o Nico que fez, né?

— Só porque tá bom significa que foi ele?

— Claro. Já tiveram diversas conversas nessa casa explicando isso.

Rolei os olhos, terminando o que tinha no prato e levando até a pia.

Comecei a lavar a louça lentamente até ver um prato ser depositado ali.

— Você bem que podia enxugar essa louça, né?

Um segundo de silêncio se seguiu após isso e eu jurava que ele estava saindo da cozinha. Se livrando do trabalho. Mas não.

— Você bem que podia terminar o que começou lá, né?

Suas mãos se infiltraram pela minha camiseta, subindo até a minha cintura e fazendo círculos leves na mesma com os polegares. Sua respiração estava pesada na minha nuca, me causando arrepios.

— Hm, você está falando de que mesmo?

— Você sabe. – O aperto dele aumentou e seus braços rodaram meu corpo. – Eu não estava tão bêbado assim.

Engoli em seco.

— Bom, eu estava. Esquece isso. Sim?

— Tem certeza?

Assenti.

— Tudo bem então, eu guardo a louça.

Tão rápido quanto veio o conforto do seu corpo à minha volta, ele se foi.

Depois de alguns minutos em silêncio, me pronunciei.

— O que você vai fazer agora?

— Bom, eu sairia para dar uma volta. Mas, se você não reparou, estamos sem carro.

Assenti, concordando.

— Que tal vermos um filme?

— Tudo bem – ele murmurou – Vou ir lá escolher algum, tudo bem?

— Sim. – assenti. – Eu faço a pipoca.

Vi Percy atravessar a porta da cozinha e finalmente soltei o ar preso no meu peito. Eu estou me sentindo sufocada com a tensão que emana dele. Minha vontade é de pular em cima dele e fazer coisas nada puras.

— Ei, - ele gritou lá do outro cômodo – Algum gênero em especial?

— Terror não – eu gritei de volta.

Após o lento processo de estourar as pipocas, voltei para a sala, com um Percy muito a vontade no sofá. Sentei ao seu lado e apoiei metade das minhas costas em seu peito.

— Qual vai ser?

— Não sei. Uma comédia romântica que vai começar agora.

Peguei o controle, indo ver o nome.

— Não acredito. – murmurei, incrédula. – Você nunca assistiu esse filme?

Ele negou, franzindo o cenho.

— Deveria?

— Mas claro! Até seus pais conhecem esse filme homem! É um clássico. Muito engraçado. Bem leve, na verdade. Crianças de dez anos podem assistir sossegadas.

Senhoras e senhores, Percy Pegador Ego Jackson nunca assistiu 10 Coisas que Eu Odeio em Você.

Alguns minutos após o inicio do filme, comecei a falar.

— Até que você lembra o Patrick.

— Por que?

— Ah, sabe, ambos têm um ego enorme.

— Jura? – não consegui ver a cara dele, mas tive certeza de que ele rolava os olhos. – Sabe o que mais é enorme?

Ajeitei meu corpo e olhei para o rosto dele, perigosamente perto.

— Não, o que?

— Essas banhas aqui. – suas mãos voaram diretamente para a área da minha cintura e a apertou com força, puxando os meus quilinhos a mais.

— Meu Deus Percy. – gritei, jogando meu corpo para frente. – Para, isso dói. Dói.

Me debati, tentando me soltar, mas ele apenas ria. O pior, é que eu dava risada junto. Eu tenho cócegas, poxa! Isso não facilita meu trabalho de tentar parecer má e me soltar dele.

— Quem tem um ego enorme agora, heim?

— Você! Seu ego continua gigantesco.

Virei meu corpo, jogando minhas pernas sobre as dele, beliscando sua barriga.

— Eu não sou a única que tenho uns quilos a mais, não é?

Ele automaticamente soltou minha cintura e segurou meus pulsos, afastando de seu corpo.

Por mais que eu tentasse, não conseguia alcançá-lo para beliscar, sempre que me aproximava, ele levava minhas mãos para longe.

Minha raiva já passara a um tempo e dava agora lugar às risadas. Minhas e dele, misturadas. Inconfundíveis.

Encarei então seus olhos, tão risonhos quanto os meus e fui acalmando meus movimentos.

Encarei o límpido verde de seus olhos e me perdi por um segundo.

— Eu quero te beijar. – ele murmurou.

— Então me beija logo. – sussurrei de volta.

Ele largou meus pulsos e minhas mãos instintivamente o aproximaram ainda mais de mim.

Não era um beijo urgente. Nem cheio de luxúria. Não saberia dizer o que era. Só sei que queria provar daquele sabor por horas e horas.

***

POV Thalia

Depois de chegar em casa com raiva, com ódio, transtornada na vida, depressiva, decidida a me jogar, ouvir Lana del Rey, ficar bêbada (tudo ao mesmo tempo), eu tropecei em alguma coisa e caí.

Para o meu desespero era um tomate. Eu gritei. Gritei mesmo. Porque eu pensei que o tomate ia me matar. Lenta e dolorosamente. Do jeito que os tomates matam, seja lá do jeito que eles fazem isso. Annabeth saiu da cozinha com um Percy assustado atrás dela. Ele segurava uma frigideira e ela uma colher de ferro. Annabeth está descabelada e ofegante assim como Percy.

“O que está acontecendo aqui?”

Abri um sorriso malicioso quando percebi o que eles estavam fazendo na cozinha.

— O que está acontecendo aqui? – Percy perguntou.

— O que está acontecendo aqui? – repeti.

— Hã? – ele pergunta.

— Vocês aí todos descabelados. – Annabeth respirou fundo me lançando um olhar de “agora não” e Percy ficou avermelhado.

— Não fuja do assunto. – Annabeth retrucou. – Por que você gritou? Tem alguém aqui? – ela bateu a colher de ferro na parede. – Eu tenho uma colher e sei usar ok? – ela grita. Eu fiquei meio horrorizada. Mas ok.

— Não foi nada doida. Eu só tropecei no tomate. – Annabeth abaixou a colher de ferro assim como Percy que revirou os olhos e voltou para a cozinha.

— Garota eu pensei que você estava morrendo! – Annabeth gritou e voltou a erguer a colher.

— Eu também! Você não viu aquele filme sobre tomates assassinos?

— Hã? Tá tanto faz. – ela voltou para a cozinha. Me levantei e chutei o tomate.

— O que esse tomate está fazendo aqui? – gritei para a cozinha. Imediatamente um prato caiu no chão e se quebrou, Annabeth deu um grunhido de dor e Percy xingou. – Tô de olho em vocês ouviram? – subi as escadas rapidamente. Não iria mais descer hoje e tentaria evitar Nico o máximo possível. Parece meio improvável já que moramos na mesma casa, mas não estou apta para pensar em detalhes agora.

Entrei no meu quarto que, por acaso, fica em frente ao de Nico. Depois pensei. Se ele tivesse me visto no parque ele viria atrás de mim, então ele viria até o meu quarto, pedir desculpas e tal. Eu não o desculparia, brigaríamos, ele iria embora para logo depois voltar. Desta vez eu iria desculpá-lo e ficaríamos felizes até o fim das férias. Ele ia chamar a Abby e eu iria xingá-la, riríamos e depois eu ia assistir um filme com ele enquanto a Abigail chora do lado de fora da casa. Debaixo da chuva.

Fiquei monitorando da janela de meu quarto.

Mas o tempo passava e Nico não chegava.

Somente depois de duas horas, com Annabeth me chamando para jantar (quem janta às 22:00?) que eu percebi que Nico não viria. E que, se tivesse me visto no parque, não viria atrás de mim.

Percebi então que ele passaria a noite com Abigail.