Escrito nas estrelas escrita por Bethane


Capítulo 6
Lembranças do passado




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– Então? - o rapaz ainda estava esperando por uma resposta. Eu não contava em ser pega no flagra, um medo insano começou a se apoderar de mim. Eu me vi novamente em um beco escuro e fedido de São Francisco, a sensação de que alguém me seguia era muito forte, não tive chance de processar o que estava acontecendo até que fui agarrada e imobilizada no chão. Eu tinha apenas 12 anos, os meus gritos e apelos não sensibilizaram meu agressor. Eu tive muita sorte naquele dia um sem facção chamado John me salvou de ser estuprada. Desde esse dia eu prometi a mim mesma que ninguém me forçaria a fazer nada do que eu não queira. O John me ensinou tudo o que ele sabia sobre defesa pessoal e desde então eu estabeleci uma rotina que incluía treinamentos. No início a Sarah não queria aprender, mas de tanto eu insistir ela acabou cedendo. O nosso quarto frequentemente se transformava em um ringue de luta.

– Moça? - a voz dele me trouxe de volta ao presente, eu não ia fraquejar agora e deixar ele perceber o meu medo. - Você esta branca como cera.

– Sinto muito. Eu ainda estou um pouco confusa por causa do acidente, acabei me perdendo. - eu rezo para que ele acredite nessa mentira.

– Que acidente? - ele me pergunta desconfiado.

– Eu sofri um acidente de carro hoje. Eu estava indo pegar alguns analgésicos na enfermaria. Acabei vindo parar aqui.

– Hum...então você é a garota que se acidentou?

– Sim, se você me indicar o caminho certo eu agradeço.

Eu quero me livrar dele o mais rápido possível, mas parece que a minha sorte não é tão grande assim.

– Eu a acompanharei, você parece prestes a desmaiar! - ele fala e indica o caminho por onde vim.

Deu certo dessa vez, mas tenho que ter muito cuidado no futuro. Assim que chegamos a enfermaria ele vai embora. Um imenso alivio toma conta de mim, pego os remédios e saio. Sigo em direção as escadas que dão acesso ao terraço do complexo, a brisa que vem do mar é refrescante e pouco a pouco eu começo a me acalmar. As luzes da cidade parecem pequenos vaga-lumes a distancia, a noite está calma, dá até para ouvir o barulho da água se chocando nas pedras no mar. Estou tão perdida nos meus pensamentos que não percebo que não estou sozinha ali, alguns metros adiante tem um garota muito próximo ao parapeito, com uma garrafa praticamente vazia nas mãos, ele parece bêbado. Isso não é da minha conta, mas estou com medo que ele caia. Sigo em sua direção e quando estou a alguns passos ele se vira pra mim e sorri. Eu não consigo acreditar no que eu estou vendo.

– Quatro? o que pensa que esta fazendo? - eu pergunto ainda sem conseguir reconhecer esse Quatro.

– Enfrentando os meus medos! - ele diz dando de ombros, como se isso fosse óbvio. - o que mais poderia ser?

– Enchendo a cara e tentando se matar talvez? - eu replico. - me dê essa garrafa.

Ele olha para minha mão estendida e entrega sem protestar. Incrível não pensei que fosse ser tão fácil.

– Não tem mais nada nela mesmo! - ele diz.

– Saia da beirada Quatro, por favor! - eu não sei o que dizer ou fazer em uma situação dessas.

– Você se importa se eu cair? - ele pergunta sarcástico. - Então você seria a única. Mas eu sei que você não se importa, então nos poupe a ambos desse teatrinho.

Eu o ignoro e me seguro seu braço.

– Vamos, vou te levar até seu apartamento.

– Ainda não fez sua caridade hoje? bancar a abnegada o tempo todo deve ser cansativo.

– Eu não quero bancar nada, só impedir que você se mate! dá pra facilitar? - eu já estou começando a perder a paciência.

– Por que você está fazendo isso? - ele parece não entender que eu só quero ajudar. Pra ele todos querem algo em troca. Bom se for pensar eu também penso assim. Mas eu não tenho que suportar isso.

– Entenda uma coisa de uma vez por todas, o mundo não gira em torno de você. - O que eu quero mesmo é soca-lo nesse momento não mais ajudar.

– Só quando eu estou bêbado! - ele diz e ri, eu não acredito que ele esta fazendo uma piada. Vivendo e aprendendo nunca imaginei ele dessa forma. Brincando e sorrindo. Eu não me contenho e começo a rir com ele.

Eu passo um braço por sua cintura e vamos em direção ao seu apartamento. Depois de muita dificuldade nos entramos e eu o deixo sentado em sua cama. Vou ao banheiro e pego uma toalha limpa.

– Vamos!

– Pra onde? - ele pergunta

– Tomar banho, e você vai fazer isso nem que eu tenha que arrastar você até lá! - Ele esta tentando tirar o sapato, mas sem muito sucesso. Eu o tiro para ele e o levo em direção ao banheiro. Dentro do box, abro o chuveiro e um jato de água gelada cai sobre ele.

– Mas que diabos... - ele grita e começa a ir em direção a saída que eu bloqueio.

– Nem pense. - eu o empurro de volta para o chuveiro. - e pare de se debater, você esta me molhando!

Ele fica quieto por um instante e depois um sorriso desenha seus lábios, eu não sei o que ele esta pensando, mas seja o que for eu não vou gostar. Ele segura minha cintura e me puxa para debaixo do chuveiro com ele e me mantém lá. Eu tento me soltar mas ele é forte.

– Me solte agora, o que pensa que esta fazendo? - eu não estou com medo, diferente de quando eu estava com o garoto da arma no corredor. Isso é diferente e inusitado.

– Fazendo você provar do seu próprio remédio. - ele ainda continua rindo da minha tentativa patética de me soltar. Então resolvo ficar quieta e me soltar quando ele estiver de guarda baixa. Ele me encara.

– O Gabriel estava certo, você é muito linda! - ele passa o polegar pelos meus lábios, quando eu fiquei quieta eu não esperava por isso. Minha respiração começa a acelerar. - Você tem cabelos castanhos sedosos, um nariz pequeno e lábios cheios. Uma verdadeira tentação Claire! Não pode culpar os garotos por acha-la linda.

Ouvir isso dele me deixa em um estado de felicidade que eu nunca experimentei antes, mas ele ainda é o Quatro que conhece meus segredos e pode me destruir quando quiser. Preciso sair daqui agora, ou posso me arrepender mais tarde. Me desvencilho dos seus braços e disparo pela porta do banheiro. Novamente no quarto tento organizar o que restou dos meus pensamentos e emoções. Apesar de tudo eu não posso ir embora sem ter certeza que ele esta bem. Ele pode cair no banheiro ou dormir com a roupa molhada e ficar doente. No banheiro ele esta com a testa apoiada na parede.

– Hora de sair! - digo, ele se vira e pega a toalha que eu estou estendendo.

– Pensei que você estaria bem longe daqui. - Sua voz é tão baixa que eu quase não entendo o que ele diz.

Nos saímos do banheiro, eu vou até uma cômoda e pego uma camiseta e um pijama e jogo pra ele.

– Vista!

– Vai me colocar para dormir também?

– Pare de me provocar e vista essa roupa logo.

– Vai ficar me olhando trocar de roupa? não que eu me importe! - ele pisca um olho pra mim, eu viro de costas e espero que ele se troque. - Você também precisa trocar de roupa, pegue algo meu no armário!

– Eu estou bem!

– Você é muito teimosa.

– E você não é?

– Não sou eu que estou com roupa molhada? - ele fala.

– Claro que não, você só quase se matou a pouco. Não esta em posição de me criticar! - eu o olho enquanto falo.

– Você quer saber o que eu estava fazendo lá? - ele pergunta deitando na cama e se cobrindo.

– Não! e você não vai me contar, certo?

– Errado... - ele para e eu espero que ele continue. - Você sabe o que é não ter um passado, não saber quem você foi? eu sei e é horrível.

– Soube que você perdeu a memória! digo me aproximando mais da cama.

– Hoje quando você foi atropelada, tive medo de que acontecesse o mesmo com você. - ele parece sincero.

– Isso já aconteceu, seis anos atrás eu e minha irmã sofremos um acidente e perdemos a memória! - não era exatamente a verdade, mas era a verdade que todos conheciam.

Depois de alguns momentos em silêncio ele voltou a falar.

– Vocês tem flashes da sua antiga vida?

– Não, mas tenho pesadelos. - isso não era uma mentira. - Você tem?

– Sim, mas não faz sentido, quero dizer as imagens que eu vejo não são da cidade.

– Como assim? - eu pergunto um pouco alterada. Mas não sei se quero ouvir o que ele vai me dizer, tenho medo de que tenha acontecido com ele o mesmo que aconteceu comigo e com a Sarah.

– Os lugares, eu me vejo subindo em uma roda gigante com uma garota loira, pulando em um trem em movimento...

Eu me lembro de tudo isso, eu adorava olhar para aquela roda gigante, e vivia me imaginando pulando de um trem em movimento. No entanto tudo isso ficou em Chicago. Eu preciso pensar. Caminho em direção a porta. Paro com uma mão na maçaneta e me volto para ele, ele esta quase dormindo.

– Eu preciso ir agora! Só não conte a ninguém mais sobre isso ok?

– Ok. - ele responde.

– Boa noite! - eu digo.


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