Surreal - Art and Insanity escrita por Jess


Capítulo 53
Capítulo 53 - Do passado ao futuro...


Notas iniciais do capítulo

Olá
Esse é o capítulo da Anne, achei importante mostrar um pouco sobre a Anne, a visão dela sobre tudo isso.
Boa leitura



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Respirei profundamente, tentei relaxar, mas muitas coisas se passavam na minha cabeça; coisas recentes e antigas. Eu não sabia o que sentir.

Lembrei da conversa que ouvi quando tinha sete anos, aquela noite se parecia com essa, era fria. Meus pais discutiam na sala, isso era algo raro, senhor Dominic Andreiko quase não ficava em casa, trabalhava de mais e não estaria disposto a voltar para casa e discutir com a esposa. Mas naquela noite foi diferente, ele não queria ouvir sobre meus problemas, não queria ouvir as lamentações da minha mãe.

Apesar do tempo aquelas palavras ainda estavam vivas na minha memória:

“Arabela não venha com suas lamentações, o problema é seu... Eu avisei, os médicos também e você não quis escutar! Você trouxe um problema para casa...”

“Eu não podia deixa-la lá, daquela forma como se eu não conhecesse Olivia, éramos amigas devo isso a ela”, Arabela dizia entre soluços.

“Não fale como se estivesse se sacrificando, você quis um erro, uma criança que será como Olivia, ela tem isso no gene” Dominic rebateu com asco em sua voz.

“Ela não tem culpa...”

“Nós também não temos culpa, não precisamos de um problema. Você não devia trazer cães abandonados e doentes... Invejo sua bondade, mas você devia ter adotado um problema.”

Minhas lágrimas molhavam o travesseiro que era usado para abafar meus soluços.

“Ela pode viver bem, viver normalmente.” Arabela falou tentando recuperar-se.

“Normalmente? Você não está entendendo, ela não é normal, mesmo que pareça normal. Ela foi gerada num útero sujo, estava dentro de um corpo que não a respeitou e absorveu mesmo que apenas um pouco das drogas que Olivia consumia, ela é marcada por esse tipo de coisa e você já sabia disso.”

“Você acredita que por pior que as pessoas sejam, elas ainda assim têm direito a defesa, mas não acredita que uma criança tem direito a uma família?” Arabela perguntou.

“Ela pode ter uma família, mas essa família não deveria ser a minha.” ele respondeu duramente.

Alguns segundos silenciosos se passaram, eu já havia acalmado o soluçar.

“Então encontre outra família e saia da minha, de preferência vá morar com essa nova família e tenha filhos perfeitos.” Arabela falou já sem soluços, sem a vontade de convencer alguém.

Ouvi os passos da minha mãe pela escada, eles eram firmes. Era incrível como ela conseguia ser forte quando queria.

“Arabela...” Dominic disse e os passos dela cessaram.

“Eu te amo e só quero uma família na qual você esteja.” Ele continuou num tom mais calmo.

Ouvi passos diferentes e deduzi que fossem dele aproximando-se de Arabela.

“Minha família, minhas regras. Cuidarei da Anne como se ela tivesse meu sangue, serei a mãe dela, quero que você seja o pai dela, mas não vejo problema algum em ser uma mãe solteira.” Ela falou firmemente.

“Eu quero continuar na sua família”


Naquele dia eu dormi mais tranquila, pois não fui o motivo de uma separação, isso foi a única coisa que me fez dormir. Mas dormi com uma dúvida: Se eu era adotada então porque ela havia dito que pintou os Nenúfares em quanto estava esperando meu nascimento, em quanto estava grávida?

Depois da discussão Dominic tentou se aproximar, tentou ser legal, mas eu me afastei. Então ele dava presentes, dava tudo que o dinheiro podia comprar, eu não queria nada daquilo.

Algum tempo depois acabei contando para minha mãe que havia ouvido a discussão, ela achou que eu ficaria muito triste que eu reclamaria ou algo assim, mas não fiz nada disso apenas a abracei e a agradeci por ter me escolhido e perguntei o porquê dela ter dito que pintou os nenúfares em quanto esperava por meu nascimento.

Ela explicou que eu tive que ficar internada por algum tempo, algum exames foram feitos e ainda era preciso a permissão do juiz, e que para ela esse tempo foi o tempo de uma gestação.


Hoje, lembrando disso tudo já não fico tão chateada com meu pai, ele só queria ter uma família normal com a mulher que ama. Não se pode negar que eles se amam.

Eles se conheceram na época da faculdade, minha mãe gostava de acampar, tirar fotos dos pássaros, das plantas e de qualquer coisa na natureza. Dominic estava indo escalar, mas acabou se perdendo. Minha mãe o ajudou a voltar para a trilha.

Eles tinham uma história, eu queria ter uma história bonita ou engraçada para contar, queria poder dizer que fui e sou muito feliz apesar de tudo, mas eu estaria mentindo. E a única coisa que me manteve com a mente distante dos meus problemas foi minha rotina, os dias iguais, cada movimento robótico sem nenhum sentimento me manteve distante, sem ver as horas passarem. Quando eu acordava havia apenas a incerteza; eu não sabia se tudo estava em seu lugar ou já não estava lá.


Eu sinto sentimentos antigos, nem sei se são meus...

Levanto e vou até a janela, sinto o vento frio no meu rosto. Olho para baixo, vejo as flores que foram tão vivas e que já estão quase sem pétalas, a cada vez que as olho parece que estão mais frágeis, com folhas amarelas como ouro .

“Algumas folhas são marrons como os olhos do Sebastian”, esse pensamento me faz sorrir e ao mesmo tempo me aflige.

As palavras ditas hoje a tarde foram uma verdade dura de mais para mim, fechei meus olhos e lutei para não acreditar nelas mas seu toque desajeitado constatou minhas suspeitas, o que fez sentir-me fraca.

Naquele momento eu havia sentido uma dor muito forte, era como se uma bala perfurasse meu crânio, atravessando-o e parando alojada na parede do meu quarto; nunca havia sentido tanta dor, mas não podia dizer para o Sebastian que estava apenas tentando não gritar. A única coisa que me fez ficar mais calma foi lembrar que não tinha esquecido de tomar o remédio.

Era estranho como ele não desistia, cada vez que eu o ignorei, o evitei, fui hostil e deixava o mais claro possível o quanto não o queria por perto, mais ele insistiu. Não sei se vejo essa insistência como algo bom ou ruim; posso ver como uma obsessão, mas posso vê-lo como uma pessoa persistente e que não desiste de seus objetivos...

De qualquer forma isso não é muito saudável, mas que tipo de hipócrita sou para dizer que a persistência dele é doentia, eu mantenho um tipo de arquivo sobre minha vida conquistado a duras custas. Tenho minha obsessão pelo passado.

Não sei o que faremos agora, Sebastian parece querer um tempo sem essas discussões sobre quem está com a razão, e eu já cansei disso, cansei de tentar ser forte, de tentar manter-me firme ou apenas em silencio em quanto grito em pensamentos.

Talvez ele desista de mim quando já não houver mais nada para descobrir, quando não existir segredos ele encontrará outra forma de passar o tempo, mas o que tenho a perder?

O que alguém que não tem nada tem a perder?

Nada a minha volta é meu, nada disso me pertence de verdade. Estou aqui, nesse exato momento por piedade, por causa da piedade da mulher que insisto em chamar de mãe, isso é o mínimo que posso fazer por ela.

Para ela isso tudo é real, eu sou sua filha e somos uma família, mas ainda faltam muitas coisas em mim.

Sou uma maldita ingrata. Não bastou uma família, não basta o amor e tudo que me proporcionam... Eu tive que cavar o passado, todos os cadáveres que estavam escondidos no porão foram postos no jardim, as senhoras do bairro podem ver a bela decoração.

Eu pude escolher entre esquecer tudo, nem procurar saber o que houve ou escolher saber do meu passado, escolhi a segunda opção. Havia uma alternativa que me traria a incerteza e a alegria de não saber, e a opção que traria certezas e dor, raiva e decepção.

É fácil saber porque escolhi a pior opção; é só somar meu orgulho, minha mania de querer parecer forte e meu vazio por não saber quem sou. Achei que as coisas não podiam piorar... Fui tão tola.

Entre mortos, feridos e abandonados não se pode salvar ninguém. Mas faltam poucas peças para meu quebra-cabeça. Ainda não sei o que farei quando tudo isso terminar, talvez guarde tudo de volta na caixa e esconda atrás do armário ou queira mostrar tudo isso a todos, como se eu fosse uma criança.

Ninguém guarda um segredo por muito tempo, e eu não passei tanto tempo escutando atrás de portas e revirando papéis empoeirados para levar tudo para o túmulo comigo.

Meu nariz estava frio quando fechei a janela, meus lábios já estavam machucados pelo ar gelado e também pelas ocasionais mordidas que eu dava quando estava distraída.

O Sebastian observa meus lábios, mas não sei se isso significa muito, ele observa tudo a sua volta. Mas quando se trata de mim, ele nem se dá o trabalho de disfarçar, isso pode parecer um pouco grosseiro para algumas pessoas, eu achava isso grosseiro, mas percebi que ele quer que eu saiba que estou sendo observada. Isso me irritava muito no inicio, entretanto é até interessante a forma como os olhos dele passeiam por meu rosto e sempre param nos meus olhos.

Lembro da primeira vez que o vi, ele parecia mais um daqueles garotos da escola, só que era mais reservado e menos sorridente, os sorrisos dele eram sarcásticos, mas acho que só eu percebia isso.

Todos pareciam gostar dele, mas Alice era a que mais gostava, alias, ela ainda é a que parece gostar mais dele, gostar de uma forma “amorosa”, mas pelo que eu observo ele nunca deu esperanças a ela...

Droga... Estou parecendo uma garota romântica entre devaneios sobre um cara que pode estar só te usando para passar o tempo, nunca me senti tão patética. Meus planos sempre foram minha prioridade, nunca parei para pensar em alguém “romanticamente”, isso parece impossível para mim e fora de questão.

Eu não arriscaria meus planos e não desviaria minha atenção para alguém, não faria isso em sã consciência, mas não estou em sã consciência deve ser por isso que estou pensando assim, deve ser por isso que estou cogitando milhares de possibilidades, deve ser por isso que meu foco não está em resolver os problemas que já tenho... Nem sei onde está meu foco, eu posso ter o perdido de uma vez por todas, deixei que Sebastian desviasse minha atenção...

Ele conseguiu o que queria, mas isso não pode atrapalhar os planos que eu tinha antes que ele me enxergasse.

Dentro de uma caixa tenho mais lembranças do que marcas em mim,
dentro dessa caixa existem trechos de minha vida, papéis finos, fragilizados pelo tempo... O que sobrou de mim?
Fotos amareladas de pessoas que não conheço,
anotações em letras bonitas, mas que nunca vi...
Existe um sapatinho azul, que já não é tão azul,
um papel amarelado que prova dois nascimentos, um papel adornado com um laço.

Dentro de uma caixa existe uma triste historia,
existe algo que deve ser escondido, não devia ser lembrado.
Contarei essa história a brado.

Dentro dessa caixa tenho meu passado, tristeza e raiva.
Tenho lágrimas nos olhos e marcas de sangue em minha mão que foi alva.
Não tenho nada além disso e da escassa esperança de que poderei esquecer,
e apenas tentar viver.
Não posso distrair-me com o castanho das flores mortas.


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Notas finais do capítulo

Comentem, acho que mereço comentários dos leitores fantasmas.
A Anne poderia ter dito muitas coisas, mas acho que é bom manter um pouco do mistério.
O que vocês acharam? Alguém mudou os conceitos sobre a Anne?
Alguém odiou?



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