Anne e eu sempre nos falávamos, aliás, eu sempre falava com ela. Parecia que ainda não nos conhecíamos, ela mantia distância, falava apenas o que eu perguntava, palavras monossilábicas eram o ponto forte dela.

As vezes pensava em segura-la pelos braços e sacodir para tentar tirar aquele olhar distante e a expressão de indiferença que estava sempre ali.

Não posso negar: ela me lembra um pouco a mim mesmo, talvez seja esse o problema...

Não consigo aceitar que ela seja desse jeito, que seja tão distante e fechada em seu próprio mundo. Mas às vezes quando eu conseguia faze-la olhar diretamente para mim (sorrindo ou impressionada com algo que disse), parecia que ainda existia alguém ali, e era preciso apenas tempo e um pouco de paciência.

Ao poucos descobri algumas coisas sobre ela, nada muito extraordinário, mas ainda assim era um avanço. E minha ânsia de saber o que ela pensava era ainda maior.

Algumas vezes cheguei a pensar que ela estivesse incomodada com a minha presença, mas não me distanciei, esperaria até ela pedir para que eu me afastasse. Era visível o fato dela não gostar de muita atenção e quando eu estava ao seu lado os olhares que eram para mim, naturalmente iam um pouco para ela.

Ian, um garoto que se achava meu amigo e de toda a escola (um babaca qualquer), chegou a me perguntar se eu estava saindo com Anne. Aquilo foi estranho, mas é comum que pensem isso, pois provavelmente nunca nem devem ter reparado nela, quiçá nela com alguém do sexo oposto.

Eu não precisava dar satisfações para aquele estorvo com testa oleosa, mas ficar em silencio apenas faria com que pensasse mais coisas então respondi:

_Não cara, somos apenas amigos._ Falei com humor, dando a entender que aquilo seria muito impossível, ele ficou convencido de que não era nada e despediu-se.

Depois pensei naquela possibilidade falha de ter algo com Anne, não conseguia me imaginar beijando aquela boca que volta e meia estava com um corte por causa da compulsão que ela tinha de ficar mordendo os lábios, ou mordendo uma caneta, não consigo imaginar aquela garota sem um jeans surrado, uma camiseta qualquer com uma estampa aleatória e um tênis.

Não posso dizer que ela é feia, pois para os padrões atuais, o corpo dela parece até bonito, o rosto tem traços delicados e aqueles olhos por trais das lentes grossas são hipnotizantes, mas nada disso me impressiona, o que me impressiona é o fato dela ser uma folha em branco aos meus olhos.