— Os membros do governo irão se hospedar em um hotel durante essa noite. — dizia Sr. Webb. — Preciso criar uma falsa aliança com eles.

— Eu sei. — disse. — Parte do plano.

Eu e o Engravatado — vulgo Sr. Webb — andávamos em uma região não destruída ainda próxima à fronteira com México. Tinham alguns abrigos, pequenas lojas e um hotel simples. Ben nos mandou aqui para que Sr. Webb criasse uma aliança breve com Gordon, assim podendo descobrir todos os planos do governo. Ele iria fingir ajudar o governo. Eu só vim porque tinha que vigiar tudo de longe, afinal nunca se sabia quando as coisas iriam dar errado.

Honestamente, eu não dava a mínima para isso. Só conseguia pensar em Fumus, Wade e os outros dragões capturados. Claro que quem explodiu a bomba não era dos The Owners, e algo me dizia que o governo tinha alguma coisa a ver com as lutas ilegais de dragões e outras criaturas sobrenaturais.

— Você vai ficar aqui fora, escondida enquanto eu falo com Gordon. — disse Sr. Webb. — Se você falar com alguém eu juro que irei cortar o seu fornecimento de sangue.

— Pensei que fosse o Sr. Jones que fornecesse isso durante esses meses. — disse.

Sr. Webb revirou os olhos.

— Só não faça nada estúpido, entendeu? — ele falou.

— Eu prometo que não farei nada estúpido. — prometi.

Sr. Webb não falou mais nada.

Ele saiu andando em direção ao hotel, com a postura erguida e forçando um sorriso amigável. Poderia enganar bem qualquer pessoa. Ele andava em direção a um carro SUV cinza, onde eu pude ver algumas pessoas do governo saírem dele calmamente, fingindo ser normais. Eu reconhecia perfeitamente os seus rostos. Garrett, Gordon e Travis foram os primeiros. Sebastian saiu depois.

Eu me escondi na lateral do hotel e fiquei observando de longe o movimento deles. Forcei a minha audição neles para ouvir a sua conversa. Audrey, Matthew e Scarlett saíram depois. Desta vez eu não precisei fingir que não me importava sobre o Summers.

— Gordon. — disse Sr. Webb. — Há quanto tempo, não?

— Pensei que tivesse rompido nossos laços após Sam Watters enlouquecer e o Conselho Continental ser fechado. — disse Gordon.

— Eu e os outros vamos pegar os registros dos quartos. — disse Travis. — Podemos?

— Vão. — disse Gordon a Travis. — Eu e o antigo representante da Oceania precisamos conversar.

Travis assentiu e foi com os outros, deixando apenas Gordon e Sr. Webb. Deveriam ser onze horas da noite, e como a guerra fazia as pessoas agirem assustadas e cautelosamente, grande parte delas deveriam estar dormindo nos abrigos agora. Provavelmente deveriam ter os perturbados com a guerra que não conseguiam dormir — como eu —, mas eles nunca eram a maioria.

— Bem, já faz mais de dois anos, não? — o engravatado tentava puxar um assunto.

— Você quase me matou quando descobriu sobre a dominadora de água. Wright e Roux tinham acabado de morrer e você praticamente berrou comigo dizendo que eu seria o pior líder da história. — disse Gordon. — Disse que jamais iria voltar e que os The Owners mereciam ganhar a guerra.

— Eu estava frustrado, sabe? — dizia o engravatado. — Meu investimento tinha sido reduzido a traumas e loucura por causa de Hector. O conselho tinha sido fechado, Wright e Roux morreram, o representante da Antártida era parente do famoso líder dos The Owners... Eu quase tive uma crise. — deu uma pausa. — Mas eu estou aqui depois desse tempo. Eu estou acordado desta vez.

— Deixe-me adivinhar, Adam... — Gordon o chamou pelo o nome. — Você quer uma aliança.

O engravatado, também conhecido como Adam Webb, sorriu.

— Exato. — ele disse. — Eu sei como ganhar de Lewis.

— Então me diga agora. — disse Gordon. — Sou todo ouvidos.

Depois disso, o Engravatado começou a falar de inúmeras táticas e ideias úteis. Eu precisava admitir que ele poderia ser um ótimo mentiroso quando queria. Mas eu não estava afim de observá-los discutir sobre táticas de ataque e possíveis alianças quando Fumus estava preso na fronteira juntamente com outras pessoas e dragões.

Eu tinha falhado com o meu dragão. Isso não é uma novidade.

Audrey estava aqui. Eu não poderia ir lá sozinha, então a única pessoa que poderia me ajudar em algo era ela. Audrey sempre me entendia em tudo e fazia o máximo para me ajudar, não importa o que seja. Ela era a definição exata do que as pessoas costumam a descrever amigos. Audrey era a minha amiga e iria me ajudar.

Eu forcei as minhas garras para que crescessem e olhei para cima, vendo duas janelas. Forcei a minha audição e ouvi uma porta ser aberta, e o som de um múrmuro de Audrey ecoando no quarto. Eu fiz a coisa mais normal possível: subi as paredes.

Quando se é híbrido, você tem as duas espécies dentro de si e pode usá-las quando quiser e como quiser. Isso é incrível. Ignorando a lua cheia, necessidades estranhas — tais como ter uma alcateia, coisa que não tenho —, ser metade loba é legal. Eu passei a minha vida toda odiando lobos e sempre tendo conflitos com eles, e também preciso admitir que no começo eu tinha mais nojo de mim por ser isso, mas depois de um tempo até que se torna algo útil.

Eu subi até a janela, aproveitei que ela estava aberta e entrei no quarto.

O quarto tinha só uma cama de solteiro e estava escuro, sem ninguém lá. A porta se abriu e outra pessoa entrou no quarto. Ótimo. Eu me xinguei de inúmeros nomes mentalmente por causa disso. Além de falhar com o meu dragão, eu tinha acabado de quebrar a minha promessa com o Sr. Webb e dizendo adeus a todo um plano e toda a ajuda de Ben Jones que eu tinha recebido desde que Blair morreu.

— Quer que eu chame Gordon? — ele disse, irritado. — Pensei que não precisasse de nós.

Além de ter errado o quarto de Audrey — eu conseguia ouvi-la no quarto ao lado —, eu errei justamente no quarto da última pessoa que eu queria ver. Matthew Summers, o dominador de fogo e o meu ex-namorado.

Eu não sou boa com ex-namorados. Principalmente ele, porque foi o meu único namorado “oficial”.

— Oi. — disse meio sem jeito. — Por favor, não chame o Gordon ou qualquer outra pessoa.

— O que faz aqui, Watters? — ele perguntou friamente.

— E-Eu... Hã... — eu não sabia o que dizer. — Bem, eu queria te perguntar algo.

Perfeito. Segunda opção. Se não tem a Audrey, se vire com o Summers.

— Diga logo antes que eu chame Gordon ou Travis. — disse Matthew.

— Tem lutas ilegais de dragões na fronteira com o México e eles capturaram o meu hoje de tarde. — disse.

Ele me olhou como se eu fosse uma retardada.

— O quê? — ele perguntou. — Isso é uma piada? Dragões? Desde quando você tem um?

— Eu te explico depois, mas... — dei uma pausa. — Você é um dominador de fogo. É bom com dragões naturalmente, e eu não. Nós podemos ir até a fronteira e libertar todos. Como... Como nos velhos tempos.

Matthew revirou os olhos.

— Que velhos tempos, Sam? — perguntou. — Quando quase morremos na base dos The Owners em Los Angeles e a Roux nos ajudou? Oh, espere, ela está morta agora. Ou quando estávamos naquela missão e Lewis matou a minha mãe em uma explosão? Oh, espere, eu perdi a minha mão também. — ele deu uma curta pausa, parando de olhar para mim e desviando o seu olhar para o chão. — Você quer que eu vá com você para poder me usar caso alguma coisa aconteça. E sempre acontece alguma coisa.

— E você por acaso acha que eu saio ilesa disso, Summers? — disse. — Eu não sei se você percebeu, mas eu sou apenas mais uma alcóolatra e fumante que tenta desesperadamente acabar com essa maldita guerra que eu mesma criei. Eu faria de tudo para morrer ou perder uma mão para que tudo isso vá embora. Mas adivinha só? Isso nunca vai embora. — suspirei. — Eu uso muitas pessoas, mas eu nunca usei você, Summers.

— Oh, que triste, Watters, para variar você sempre tem que ter uma maldita história triste. — ele disse. — Você nunca me usou? Sério mesmo que vai continuar com essa mentira? Porque eu estou cansado de todas as suas mentiras e desculpas idiotas.

Revirei os olhos.

— Acredite no que quiser, Summers, mas eu estou dizendo a verdade. — disse. — Eles estão matando pessoas e capturando dragões na fronteira, eu só estou pedindo para que você venha comigo e libertar todos lá. Pensei que gostasse de ajudar pessoas.

— Foda-se os dragões. — ele disse. — Eu não vou quase me matar só pra isso.

— O que aconteceu com você? — perguntei. — Está irreconhecível. Você era tão...

— Eu cresci, Watters. Sabe o que isso é? — ele me interrompeu. — Deveria crescer antes que enlouquecesse completamente.

— Eu sei o que eles têm falado de mim, mas eu não sou louca. — disse. — Por favor, Matthew. As coisas estão estranhas entre nós mas não podemos esquecer o que aconteceu?

— Você não esqueceu o que aconteceu quando desistiu do governo. — ele disse. — Se lembra?

— Blair tinha morrido. São situações diferentes, Summers. — falei.

— Não, não são. — ele disse. — Eles sempre estiveram certos sobre você, o problema é que eu nunca os escutei. Você só é mais uma assassina sociopata.

— Sim, Summers, eu sou. — disse com raiva na minha voz. — Eu sou uma maldita assassina sociopata sem nenhuma sanidade que teve o cérebro estuprado por pessoas ricas e poderosas durante toda a minha vida. Muito obrigada por lembrar disso. — ele não disse nada. Ficamos quietos por minutos. — Me desculpe por tudo que eu fiz, mas eu não posso evitar. A cada dia as coisas pioram e toda a vez que eu tento melhorar parece que eu só pioro. — ele continuava quieto, olhando fixamente para mim. — Eu estou indo. Se quiser, pode chamar Gordon ou Travis.

Eu me virei e fui sair pela a janela.

— Espere. — ele disse. Eu parei. — Eu vou com você.

[...]

— Foi aqui? — Matthew perguntou analisando o local.

O cheiro de fumaça era forte, e você poderia ver claramente a destruição que tinha causado. Obviamente soltaram mais bombas depois que eu saí. Eu só conseguia imaginar na quantidade de pessoas que tinham morrido nessa explosão. Eu conseguia sentir a morte ali. Ela era mais clara que o ar, e eu posso jurar que conseguia ouvi-la gritando o meu nome.

A arena estava destruída. Ao menos o “esqueleto” do local ainda estava erguido. Tinham cadáveres no lugar e o cheiro de sangue era mais forte do que parecia. Eu me forçava a ignorar tudo aquilo.

— Sim. — respondi. — Pelo o jeito soltaram mais que uma bomba.

— Isso não se parece nada com uma arena de dragões. Parece uma luta de vale tudo ilegal. — disse Matt. — Você está mentindo.

— Não, querido dominador, você presenciou um momento raro da vida de Sam Watters em que ela não minta. — uma voz feminina ecoava no lugar. — O que ela não disse é que você não foi a primeira opção.

Uma mulher ruiva surgiu das sombras. Sua boca estava suja de sangue, e ela segurava pelo o pescoço um cadáver totalmente drenado. Era claramente uma vampira. Então ela jogou bruscamente o cadáver no chão e deu um sorrisinho forçado e sarcástico. Seus olhos verdes me encaravam de longe, e eu quase perdi a minha sanidade quando finalmente percebi quem ela era. Eu fui muito tola em acreditar no que Gordon tinha dito sobre ela. Eu fui muito tola em acreditar em Gordon durante o tempo que fiquei na Área 52 me “recuperando”.

Mary Watters, a vampira louca e psicótica, ex esposa do último dominador de água e a pessoa que eu jurava que finalmente tinha ido embora, estava na minha frente.

— Mary. — disse. — Falaram que você estava morta.

— Oh, querida, falaram que você estava morta também, e olhe só! Está mais viva do que nunca! — ela dizia sorrindo sarcasticamente. — Mas não importa, não é? Nós duas sabemos que estamos mortas há muito tempo por causa de um bem maior. O poder do sangue.

Ela sabe do sangue. Droga.

— O que quer? — perguntei entre os dentes. — Inventar mentiras? Porque a única mentirosa aqui é você.

Mary não me respondeu nada. Matt estava quieto, com uma expressão surpresa e quase sem acreditar sobre ela estar viva. Ela deu lentamente alguns passos em direção de Matt, ainda sorrindo. Parecia ser uma típica vilã psicopata de filmes de terror. Eu não sabia o que ela ia fazer, mas algo me dizia que não era algo bom.

Ela fez um movimento rápido, puxou o rosto de Matthew contra o seu e o beijou.

Matt mordeu o lábio dela e jogou para longe. Em questão de segundos, a expressão dele mudou de surpresa para pura raiva.

— Oh, ainda temos claramente um climinha romântico pseudo clichê. — disse Mary se levantando. — Isso é ótimo. Adoro casais que terminam em uma tragédia, sabem? Aliás, espero que tenha adorado o gosto de sangue, dominador de fogo, porque a Watters também adora.

Matthew foi para cima de Mary e a empurrou na parede, com as mãos queimando o pescoço de Mary. Enquanto ele estava a enforcando, também tinha ganhado o bônus de queimá-la também.

— O que quer? — Matt perguntou entre os dentes. — Por que me beijou?

— Eu quero compartilhar informações. — ela disse. — E eu percebi que você ficou mais bonito desde que matou Hector. Eu só queria provar isso.

— Eu não fico com monstras chupadoras de sangue como você. — ele disse entre os dentes. — Eu vou te queimar até a morte. — ameaçou por final.

— Ok, me queime até a morte. Mas lembre-se que na última vez que tentou fazer isto, acabou acertando outra pessoa. — Mary virou o seu olhar para mim. Eu me lembrei da vez que ela estava quase morta, eu a apunhalei pelas costas e ela tinha simplesmente sumido. Matthew me atacou achando que eu era Mary.

Lembrar daquilo não era muito bom.

— Solte-a. — disse a Matthew. — Ela vai nos dizer essas supostas informações.

Matthew pareceu não me obedecer nos primeiros trinta segundos, mas acabou soltando Mary.

— Vocês dois são tão fofos. — comentou Mary. — Seguindo as ordens um do outro. Seria lindo se não fosse tão trágico.

— Diga as informações antes que eu me canse. — disse entre os dentes. — Ou está mentindo?

— Desculpe, querida, mas eu não tenho uma fama tão grande de mentirosa como você. — disse Mary sorrindo para mim. Eu queria arrancar o seu coração. — Eu só queria te comunicar sobre o seu clone.

— Clone? — perguntei.

— Kristen Rodriguez. — disse Mary. — É melhor você tomar cuidado, porque ela está se aliando ao seu inimigo.

— Stephen? Lewis?

Mary riu debochadamente de mim.

— Você não faz ideia, não? — ela respondeu. — Preste mais atenção nas explosões porque nem todas são dos The Owners. Você sabe muito bem do suposto de Gordon. Junte os fatos. O governo é rico demais para estar perdendo a guerra desse jeito.

— Você está insinuando alguma conspiração sobre o governo? — perguntei.

— Eu não estou insinuando. — ela se aproximou de Matthew. — Eu estou afirmando.

A vampira sorriu sarcásticamete para mim e mostrou as suas presas. Em questão de segundos, ela já estava no pescoço de Matthew, bebendo o seu sangue. Ele entrou em chamas e gritou alto de dor e eu corri na direção dele tentando atacar Mary. Foi inútil fazer aquilo. Quando eu finalmente cheguei lá, ela já tinha sumido do lugar. Matt sangrava e caiu de joelhos. Forcei a minha audição para ouvir o quanto de sangue que o seu coração estava bombeando. Era difícil acreditar que Mary tinha quase o drenado até a morte em questão de cinco segundos.

Mary 1 x Sam 0. Ela tinha acabado com Matthew em poucos segundos, e já estava em uma grande vantagem contra mim. Só esse ataque dela já me fez dizer adeus a todo o plano que tinha com Ben Jones e Adam Webb. E também eu tive que me despedir de todas as chances de que Matt não me odiasse mais. É provável que depois que ele voltasse ao normal me odiasse mais do que já odeia. Agora o placar mudou para Mary 2 x Sam 0. Eu sou uma perdedora.

Quando ele estava quase desmaiando, eu tive que segurá-lo. Sua pele estava ficando mais fria que o normal. Eu tentei retirar a umidade do ar e fazer água aparecer para curá-lo, mas era impossível retirar umidade de um lugar que não tinha nenhuma umidade. Era nesses momentos que ser uma dominadora de água era inútil. Mesmo que eu tivesse desenvolvido alguma das sub dominações da água — tais como a troca de temperatura da água e a cura —, ainda era inútil.

Eu o levantei e o fiz apoiar em mim para andar. Matthew era muito pesado, então eu não tinha outra opção que não fosse essa.

— Eu espero que saiba falar espanhol, Summers. — disse. — Porque o único lugar para que eu posso te levar agora é o México.

Demorou um pouco para que eu percebesse que tinha falado aquilo apenas para eu mesma.

Matthew já tinha apagado.