Bésame escrita por Verônica Souza


Capítulo 20
O Troco


Notas iniciais do capítulo

Cap bonus para vocês! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/555264/chapter/20

Fernando encarava o papel em sua frente a mais de cinco minutos. Seu olhar se desviava dos números anotados na folha e no telefone ao seu lado. Já eram quase duas da manhã e ele não conseguiu pregar os olhos sequer um momento. Não estava com sono e muito menos cansado, mas os pensamentos e as duvidas pesavam sua cabeça, e num impulso de que aquilo acabasse logo, ele pegou o telefone e discou o numero anotado no papel. Chamou algumas vezes, e ele quase perdeu as esperanças de que aquele numero era realmente de Miguel, quando uma voz grave e sonolenta atendeu.

Alô? – A voz do outro lado da linha insistiu pela segunda vez. Fernando se arrependeu de ter agido por impulso e não ter pensado no que diria se ele atendesse. – Alô?

– Alo.

Fernando respondeu quase automaticamente.

– Posso ajudar?

– Eu falo com o Miguel?

Sim, quem é?

Ao confirmar que era realmente Miguel do outro lado da linha, Fernando sentiu uma enorme vontade de conseguir se tele transportar para o outro lado, e matar aquele homem que lhe dava tanta repulsa.

– Você foi à procura de Letícia Padilha hoje, não foi?

Por um instante fez-se silencio. Embora parecesse que ele havia desligado, Fernando conseguia ouvir claramente a respiração pesada de Miguel.

Quem está falando?

– Estou ligando para dizer que ela irá se encontrar com você, amanhã.

– É mesmo?

Fernando balançou a cabeça negativamente para sua própria ignorância. Era obvio que ele não acreditaria naquela história.

– Sim. – Insistiu. – Ela pediu para que entrasse em contato com você para marcarem o horário e o local.

Está bem. Que tal amanhã... Quero dizer... Hoje, as nove da manhã. No restaurante Galapos. Eu estarei trabalhando lá.

– Ótimo. Irei transferir para ela. Obrigado.

Sem esperar mais um momento Fernando desligou, quase quebrando o telefone pela força que o colocou no descanso. A raiva em seu peito aumentava à medida que ele pensava que aquele homem era tão idiota a ponto de aceitar se encontrar com Lety, mesmo depois de tudo o que havia acontecido.

– Meu amor? – Lety apareceu na sala com os olhos semiabertos e bocejando. – O que está fazendo acordado a essa hora?

– Eu estou sem sono, mas eu já vou. Pode voltar a dormir.

Fernando tentou ao máximo ser carinhoso ao dirigir a palavra à Lety, afinal ela não era culpada de nada que estava acontecendo. Sem dizer mais nada Lety voltou para o quarto. Seu sono era grande o suficiente para que ela não discutisse com Fernando o que lhe tirou o sono.

– Amanhã ele deixará nossa família em paz. De uma vez por todas. – Fernando pensou em voz alta, encarando o papel em suas mãos.

–----------------------------------

– Tem certeza de que não quer que eu vá com você? – Lety insistia.

– Não, meu amor. Não irei demorar.

– Mas sempre participo das reuniões com você.

– Mas você precisa descansar, como o Doutor disse. Eu estarei de volta para te acompanhar na consulta, está bem?

Fernando deu um rápido beijo em Lety e pegou as chaves do carro. Não lhe deu nem mais um momento para que ela continuasse insistindo em acompanha-lo. Enquanto dirigia a caminho do restaurante, Fernando pensava em mil maneiras de como iniciaria a conversa com Miguel. Como era um local movimentado, não poderia causar uma confusão. Mas obviamente ele não saberia se controlar por muito tempo, afinal, ele estaria frente a frente ao homem que magoou o coração de Lety, e a machucou tanto fisicamente quanto psicologicamente, e ele não poderia deixar aquilo passar.

Ao chegar ao restaurante, Fernando estacionou e desceu do carro, observando todos ao seu redor. Aproximou-se do restaurante e já suava frio, ansioso para ter aquela conversa e ficar frente a frente com Miguel.

– Bom dia Senhor. – A recepcionista se aproximou de Fernando.

– Bom dia. Eu estou procurando por Miguel Gonzáles.

– Miguel? Ah, ele está bem ali. – A mulher apontou para um garçom servindo bebidas em uma mesa. – Quer que eu o chame para o Senhor?

– Não, não é necessário. Obrigado.

Fernando seguiu na direção de Miguel, tentando a todo tempo controlar sua raiva para não passar dos limites. Ao se aproximar, Miguel o olhou, mas não o reconheceu.

– Posso ajuda-lo, Senhor? – Perguntou educadamente.

– Pode. – Fernando respondeu friamente, com os dentes serrados. – Eu vim em nome da Letícia Padilha. Sou Fernando Mendiola, o marido dela.

Miguel empalideceu no momento em que Fernando se apresentou. Olhou ao seu redor onde os clientes não notavam a intervenção de Fernando, e procurou por uma mesa onde pudessem conversar sem serem ouvidos.

– Vamos até aquela mesa. – Miguel apontou para uma mesa distante das outras. Os dois seguiram até ela, e sentaram-se frente a frente. Fernando encarava Miguel com tanta raiva, que era possível imaginar chamas saindo de seus olhos. – Eu imaginei que seria você quem viria.

– Imaginou? – Fernando perguntou sarcástico.

– Ninguém mais me ligaria às duas da manhã marcando um encontro para ela. Sei que não seria tão fácil fazê-la vir.

– Seria, no caso, impossível.

– Olha, eu sei que o Senhor provavelmente veio tirar satisfações do acontecimento de ontem e...

– Não. Não, você está enganado. Eu não vim tirar satisfações. Eu vim para que você a deixe em paz, para sempre.

– Antes me deixe explicar o que aconteceu.

– Eu não quero que você me explique nada. – Fernando disse ríspido. – Eu sei muito bem o que você fez e por que. A única coisa que não entendo é porque depois de tanto tempo você insistiu em ir atrás da Lety para se desculpar.

– Eu tenho o direito de me desculpar pelo que fiz. Desde que eu fiz tudo isso com ela eu não consigo me perdoar.

– Ah, é claro. – Fernando gargalhou cinicamente e forçadamente. – E acha que a melhor solução seria pedir desculpas? Você a machucou, de todas as maneiras possíveis. Infelizmente eu ainda não a conhecia para poder protegê-la, do contrário não estaríamos aqui tendo essa conversa, e você, não estaria tendo conversa com mais ninguém.

Miguel não conhecia Fernando, mas pela raiva que ele transmitia em suas palavras, foi impossível não sentir-se incomodado com as ameaças de Fernando.

– Olha, cara... Escuta aqui. Eu entendo que você esteja tomando as dores dela, porque você é marido dela. Mas você não tem o direito de responder por ela. Você não sabe como é conviver todos esses anos com a culpa te atormentando dia e noite.

– Ah, eu sei sim. Mas isso não vem ao caso, Senhor Gonzáles. Não me importa seus arrependimentos, e nem as noites que ficou sem dormir com a culpa te atormentando. Eu só quero que deixe a minha esposa em paz, e que nunca mais volte a procura-la.

– Qual é o seu problema? – Miguel aumentou o tom de voz. – Acha que é o dono dela? Ela por acaso sabe que você veio ter essa conversa hoje? Aposto que não! A Lety que eu conheço não permitiria isso, e tenho certeza que ela também não vai me negar perdão!

Imediatamente Fernando bateu na mesa, chamando a atenção dos clientes que estavam ao redor.

– A Lety não te deve nada, e se você se atrever a se aproximar dela mais uma vez...

– Vai fazer o que? Vai me bater?

Impaciente e irritado Fernando se levantou, e pegou Miguel pela gola da camisa, fazendo-o se levantar.

– Você não sabe do que eu sou capaz de fazer se você se atrever a se aproximar da Letícia mais uma vez!

– Senhor! – O dono do restaurante se aproximou e segurou Fernando pelo ombro. – Por favor, se acalme ou vou ter que pedir para que o Senhor se retire do restaurante.

Fernando demorou um tempo para dar ouvidos ao homem, e soltou Miguel, fazendo-o cair sentado na cadeira. Fernando ajeitou o paletó e continuou encarando furiosamente Miguel.

– Está acontecendo algum problema por aqui?

– Não. Eu já estou de saída. – Fernando disse tirando um envelope do bolso do paletó e jogando-o para Miguel. – Isso vai ser o suficiente para você sair da cidade, e nunca mais voltar a se aproximar da Lety de novo.

Miguel encarou o envelope, e logo depois olhou para Fernando. Sem esperar uma resposta, Fernando se retirou, tremendo de vontade de ter acertado ao menos um soco na cara de Miguel.

– Rapaz, no que você se meteu? – O homem perguntou a Miguel, que não respondeu. Apenas encarava o envelope.

–----------------------------------------

– Sim mamãe, eu estou bem. – Lety andava pela cozinha, degustando uma colher coberta de doce de leite. – É claro que ele vai comigo, ele já deve estar chegando. Não precisam se preocupar. Sim, nós vamos almoçar com vocês no domingo.

Fernando abriu a porta e a fechou um pouco forte demais, chamando a atenção de Lety.

– Mamãe, eu preciso desligar. Fernando chegou. Está bem, tchauzinho.

Lety desligou o telefone e foi até a sala, notando que Fernando não estava normal.

– Meu amor? Como foi a reunião?

– Foi bem. – Respondeu tirando o paletó e jogando-o no sofá.

– Você está bem?

– Sim. Só preciso de um banho.

– Quer que eu peça para minha mãe me acompanhar a consulta? Você não parece muito bem.

– Não, eu estou bem. Vou apenas tomar um banho e te acompanho. Eu já volto.

Lety não era boba para acreditar naquela mentira. Observou Fernando adentrar o apartamento e ir para o quarto. Alguma coisa estava errada, e ela ia descobrir o que era.

–--------------------------------------------

– Eu não sabia que tinha tantas coisas para uma mulher ler durante a gravidez. – Fernando dizia foleando às revistas no consultório. – É por isso que muitas ficam loucas.

– Mas as leituras são necessárias, principalmente para mães de primeira viagem como eu. E não pense que você ficará de fora, também tem revistas para os pais. – Lety entregou uma revista para Fernando.

– Ser pai está no sangue, Lety. Não se aprende como ser pai nas revistas.

– Não é como ser pai, mas como lidar com a espera do bebe, com os primeiros meses e tudo mais.

– Isso é bobeira. Não deve ser tão difícil assim.

No mesmo instante um casal entrou no consultório. A mulher visivelmente irritada e o homem tentando acalmá-la.

– Mas meu amorzinho...

– Nada de mais! Eu não acredito que você se esqueceu de mim no shopping! – A mulher gritava.

– Mas eu já pedi desculpas.

– E você acha que desculpas vai me fazer esquecer disso? Como você se esquece da sua própria esposa em um shopping? E o pior: Da sua esposa GRÁVIDA!

– É que eu já expliquei que estou um pouco aéreo esses dias. Você não tem dormido a noite, reclamando de dores nos pés. Eu não durmo há três dias, Viviane!

Fernando olhou para Lety de boca aberta, e ela lhe cutucou no braço para que ele disfarçasse que prestavam atenção.

– Senhora Letícia Mendiola. – A secretária chamou. – Doutor Ribeiro os aguarda.

Fernando e Lety se levantaram e seguiram para a sala de consulta, enquanto o casal continuava sua discussão em alto e bom tom.

– Com licença. – Lety disse na porta da sala.

– Ah, Lety! Entrem, fiquem a vontade. – O Doutor se levantou para recebê-los. – Fernando, que bom que veio!

– Como vai, Doutor? – Fernando apertou sua mão educadamente.

– Bem, muito bem. E vocês, como estão? Lety está se sentindo melhor?

– Sim, estou renovada, Doutor. Inclusive não preciso mais de ficar de repouso e...

– Lety, isso é o Doutor quem vai resolver. – Fernando disse autoritário e o médico o olhou divertido. – Desculpe, Doutor. É que a Lety é muito teimosa. Se não ficar de olho nela, ela não faz o que o Senhor manda.

– Fernando!

– Eu estou dizendo a verdade. Ele precisa saber. Ele pede para você ficar de repouso e você fica querendo ir trabalhar.

– Fernando tem razão, Lety. É crucial que você faça repouso, principalmente depois do que aconteceu.

– Eu sei. Acontece que eu não sei ficar parada, eu preciso fazer alguma coisa se não eu enlouqueço.

– Você pode optar por fazer alguns exercícios, frequentar iogas de gestantes. Tem muitos programas bons para passar o tempo. Principalmente quando a barriga começar a crescer, você não vai conseguir fazer muita coisa sem se cansar rápido. E por falar nisso, vou examiná-la para termos certeza de que está tudo bem. Podemos?

Lety estava aflita e ansiosa para saber se estava tudo bem com o bebê. Depois do que aconteceu, temia que seu nervosismo tivesse feito algum mal a ele, e ela não se perdoaria se isso acontecesse. Ela deitou-se e deixou que o médico fizesse o ultrassom. Fernando ficou ao seu lado todo o tempo, segurando sua mão. Embora não tivesse demonstrado isso à Lety, também estava preocupado com a saúde do bebê.

À medida que o médico examinava Lety, a tensão aumentava ainda mais. Ele ficou em silencio durante todo o tempo, aumentando ainda mais a expectativa dos dois.

– Espera. – Ele parou de movimentar o aparelho no ventre de Lety e ela ergueu sua cabeça para olhar na tela.

– O que foi? O que aconteceu? – Fernando perguntou tenso.

Doutor Ribeiro ficou em silencio, olhando para a tela do ultrassom.

– Doutor? – Lety estava prestes a chorar, temendo que algo estivesse errado.

– Escutem isso. – Ele disse controlando um botão na tela, aumentando o som. Fernando e Lety ficaram em silencio, tentando perceber o motivo de todo o alarme. De repente, uma onda de alívio e emoção pairou sobre os dois.

– Estão ouvindo? – Ele perguntou, sorrindo para os dois.

– Esse... É... – Fernando tentou dizer, mas a emoção o atrapalhou terminar a frase. Seus olhos estavam marejados, assim como os de Lety.

– Sim, é o coração do bebê.

Novamente os dois ficaram em silencio, contemplando aquele momento emocionante.

– E está tudo perfeitamente bem.

Com aquela afirmação, o alívio foi ainda maior. Fernando beijou a mão de Lety, emocionado, e ela não se esforçou em controlar as lágrimas silenciosas que escorreram em seu rosto em seguida.

– O que aconteceu não afetou o bebê, e ele está perfeitamente bem. Ele, ou ela. – Doutor Ribeiro sorriu.

Depois do ultrassom, Fernando e Lety sentiam-se mais leves. Saber que o bebê estava bem foi um grande alívio para eles, fazendo com que Fernando esquecesse inclusive da raiva que passou mais cedo com Miguel. Nada superava a alegria de saber que seu filho ou sua filha estava bem, e saudável.

– Mas continuo insistindo que deve ficar mais um tempo de repouso, e que não se esforce muito. Isso pode causar estresse e queda de pressão, por isso se alimente bem, tente ao máximo não trabalhar demais, e siga o conselho de frequentar aulas para gestantes. Minhas pacientes sempre elogiam, e tenho certeza que você vai gostar.

– Pode deixar, Doutor. Farei tudo o que o Senhor me pediu. – Lety sorriu.

– Então nos vemos no final do mês para outra consulta.

– Obrigada, Doutor. Muito obrigada.

– Não precisa agradecer.

– Obrigado, Doutor.

Fernando pela primeira vez se manifestou desde que se emocionou. Temia que se dissesse qualquer coisa não conseguiria segurar a vontade de chorar de alívio que ele tentava controlar o tempo inteiro. Se despediram de Doutor Ribeiro e voltaram para a recepção. O casal ainda estava discutindo, dessa vez, a mulher quem reclamava. Fernando abriu a porta para Lety sair do consultório, mas antes de acompanha-la, foi até a mesa da recepção e pegou uma revista.

– Isso é brinde? Podemos levar para casa?

– Fernando!

–------------------------------------

Miguel pensou que nunca mais voltaria àquele lugar. Quando se mudou daquele bairro, prometeu a si mesmo que não pisaria ali novamente, depois de tudo o que aconteceu. Mas tomado pela raiva que sentia de Fernando, ele quebrou a promessa, retornando àquele lugar que lhe trouxe lembranças tão ruins.

– Eu não acredito...

Miguel virou-se ao ouvir aquela voz conhecida.

– Eu estou vendo, mas não estou acreditando. Miguel Gonzáles? – Romeu riu e seus amigos o acompanharam na risada, mesmo sem saber o que era tão engraçado. – Pensei que nunca mais iria te ver de novo.

– É, eu também pensei, Romeu. – Miguel disse desanimado.

– O que o traz aqui? Pensei que tivesse se mudado.

– E eu me mudei. Vim até aqui porque preciso da sua ajuda.

Mesmo percebendo que se tratava de um assunto sério, Romeu não parou de sorrir. Os dois seguiram para um lugar afastado, onde apenas os dois pudessem conversar, sem ninguém para interrompê-los.

– Então... Em que posso ser útil? – Romeu perguntou divertido.

– Se lembra da Lety?

– A feia?

– Sim.

– É claro que me lembro. Viu só como ela está hoje? Está uma tchutchuca! Você se deu bem, hein Miguel. – Ele bateu no ombro do rapaz enquanto ria. – Ou não. Pegou ela justamente quando ela era feia. E olhe só, hoje ela é uma modelo famosa.

– Isso não vem ao caso, Romeu. Eu fui atrás dela para me desculpar pelo que aconteceu.

– Você se rebaixou a esse ponto, irmão? Pelo jeito também ficou arrependido quando viu como ela está gata!

– Não é isso, Romeu. Você sabe que eu era imaturo naquela época. Mesmo depois que me mudei eu não consegui esquecer o que aconteceu.

– Eu sempre soube que você era sensível. – Caçoou.

– Eu fui até ela para me desculpar, e ela não quis me ouvir. E eu não a culpei. Mas então eu entreguei o meu telefone para que ela me ligasse, para nos encontrarmos e conversarmos. Mas quem foi me encontrar foi o marido dela. Um tal de Fernando Mendiola.

– Mendiola? Aquele ricasso presidente da empresa?

– Você o conhece?

– Aquele cara é um palhaço! Estou devendo um susto nele.

– Então acho que iremos nos entender. Ele me deu uma boa quantia em dinheiro para que eu saia da cidade e nunca mais procure a Lety.

– Deixa eu pensar: Você não vai aceitar?

– É claro que não. Quem ele pensa que é para me tratar assim? Acha que só porque é ricasso pode mandar em mim?

– E o que você quer que eu faça?

– Estou disposto a dividir essa grana com você, se você fizer um favor para mim.

Romeu sorriu e fechou o punho, entendendo o que Miguel queria dizer.

– Mas não quero que você pegue pesado. É apenas para dar um susto nele, para que ele aprenda que não se deve tratar as pessoas assim. E eu vou poder usar essa desculpa para que a Lety me escute, e eu possa pedir perdão.

– Isso tudo é apenas para a feia te perdoar?

– Isso não vem ao caso. Você vai me ajudar ou não?

– Isso depende de quanto estamos falando.

– Eu sei que você não está pensando apenas no dinheiro. Você não queria retribuir alguma coisa que ele te fez?

Romeu lembrou-se da surra que Fernando lhe deu em frente a Conceitos.

– É, o palhaço está me devendo uma.

– Então ficamos quites. Você fica com metade do dinheiro, e se vinga por alguma coisa que ele fez.

– Está bem. E como pretende que eu faça isso?

–-----------------------------------------------

– Eu ainda acho que você deveria ter ficado em casa, Lety. – Fernando abriu a porta do carro para Lety.

– Você viu o que Doutor Ribeiro disse, eu estou bem. Só não posso exagerar.

– Sei... Mas você sempre exagera, Lety.

– Meu amor, eu estou bem.

Fernando desistiu de discutir e os dois andaram em direção às Conceitos.

– Droga, esqueci o meu celular no carro. Pode subir, eu já estou indo.

– Está bem.

Lety entrou na empresa e Fernando voltou para o carro para pegar o seu celular. Antes de abrir o carro, ele notou três homens parados do lado de fora da empresa, reconhecendo-os imediatamente. Como Celso estava conversando com Ramón mais distante da entrada, Fernando resolveu ir até eles, preparando-se para impedi-los do que quer que fossem fazer.

– Ora, ora... Que sorte a nossa encontrar o Doutor aqui. – Romeu disse divertido e os dois amigos ao seu lado riram.

– O que você está fazendo aqui? – Fernando perguntou com frieza.

– O que é? A calçada também é sua? Você a comprou? Desculpe, não sabíamos. Vamos para o outro lado da rua para não incomodá-lo.

– Vai embora daqui.

– Uhhhh. Está nervoso, Doutor? Eu vim cobrar o que está pendente.

– Eu não devo nada a você.

– Ah, você deve sim... Achou que poderia humilhar eu e os meus amigos e que ficaria tudo por isso mesmo? Pode ter demorado cobrarmos, mas nós não esquecemos.

– Olha, vá embora logo. Antes que...

– Antes que o que? O Doutor acha que consegue me intimidar? Acha que vou sair correndo de medo por causa de uma ameaça? Está enganado. Dessa vez eu vim preparado para não perder.

Fernando não respondeu.

– Está disposto a defender a Lety de novo? É claro... Agora que todos sabem que ela é Aurora a proteção fica maior, não é? Afinal ninguém a queria quando ela era feia, mas agora... Dá pra se pensar no caso.

Não.Toque.No.Nome.Dela.

– Ah! Eu me esqueci de que agora ela é sua propriedade! Uma pena... Esse milagre poderia ter acontecido quando ela ainda morava no bairro. Miguel não ia ter sido o único a apostar por ela.

– Cala a boca! – Fernando exclamou irritado.

– O que foi? Tá ficando nervoso, Doutor? Qual é, não seja egoísta. Você já teve muito tempo pra aproveitar a Lety quando ela era A Feia do bairro. Agora que ela ficou gata precisa dividir.

Sem aguentar mais um minuto daquela humilhação, Fernando partiu pra cima de Romeu. Os dois amigos se juntaram em cima de Fernando, mas com apenas um golpe ele acertou um deles, que caiu em cima do outro.

– EU NÃO VOU PERMITIR QUE FALE ASSIM DA LETÍCIA!

– O QUE É? VAI ME BATER DE NOVO?

Sem precisar de uma resposta, Fernando acertou em cheio o rosto de Romeu, fazendo-o cair no chão com os lábios sangrando. Ele passou a mão nos lábios e olhou o sangue, ficando ainda mais nervoso.

– Você vai se arrepender por isso! – Ele se levantou e foi para cima de Fernando. Mesmo que Romeu o acertasse algumas vezes, Fernando não se cansava, e o acertava logo em seguida. Com uma rasteira, Romeu o jogou no chão, e o acertou com chutes. Os outros dois o acompanharam, impedindo que Fernando se levantasse.

Celso e Ramón se aproximaram, e cada um segurou os dois homens, deixando apenas Romeu e Fernando brigando. Enquanto Celso e Ramon tentavam imobilizar os dois, Fernando puxou a perna de Romeu, fazendo-o cair ao seu lado. Rapidamente Fernando se levantou e segurou Romeu pela gola da camisa, lhe dando vários socos seguidamente. Se não fosse a dor que sentiu logo em seguida em sua costela, Fernando não teria parado os socos até Romeu cair inconsciente no chão. Mas assim que o largou no chão, Romeu se levantou, tirando um canivete do bolso.

Ramon e Celso seguravam os outros dois, e olharam assustados para Romeu apontando o canivete para Fernando.

– Você não é valente? Não gosta de sair como o herói? Agora eu quero ver! Se você se aproximar, eu vou cortá-lo!

Fernando levantou as mãos como se pedisse trégua, mas Romeu não se afastava. Ninguém sabia o que fazer para ajudar Fernando naquela situação, já que se soltassem os outros dois homens, eles ajudariam Romeu a ir para cima de Fernando, e poderia resultar em uma tragédia.

– Romeu!

Todos viraram-se para Miguel, que se aproximou da confusão.

– Solta esse canivete.

– Não seja frouxo, Miguel!

– Se afasta dele! – Lety gritou se aproximando, acompanhada de Carolina e Omar. – Eu já liguei para a polícia, Romeu. É melhor irem embora agora mesmo, se não quiserem ir para a cadeia!

– Romeu, escute. Não faça isso. – Miguel dizia.

– Você é mesmo uma mocinha, Miguel! Pede para fazer o trabalho, mas não quer um trabalho bem feito! Esse idiota merece por se achar o melhor de todos!

Com um impulso Romeu se aproximou ainda mais de Fernando, que se afastava à medida que o canivete se aproximava de seu peito. Lety prendeu a respiração e se agarrou no braço de Omar, mas ambos sabiam que nada poderia ser feito a não ser esperarem a polícia chegar, e rezar para que Romeu não fizesse nada com Fernando.

– Como é que é? Não quer ser o herói agora? Todos estão olhando. Vem para cima! Você não gosta de brigar? Ou ficou com vergonha porque a Lety está aqui? Está com medo que eu faça alguma coisa com você e não tenha ninguém para defender ela? Que tal mais uma aposta, Miguel? Mas agora vamos apostar de verdade. Quem consegue conquistar o coração da ex feia.

Fernando tomado pela raiva avançou para cima de Romeu, agarrando-o pelo pescoço enquanto tentava tomar o canivete de sua mão. O barulho da sirene alertou que a polícia se aproximava. Omar se preparou para ajudar Fernando, mas por algum motivo Fernando se distraiu, e Romeu virou-se, enfiando o canivete em seu peito.

– NÃO! – Lety gritou. Fernando colocou a mão sob a ferida e caiu no chão, sem forças, mas ainda consciente.

– Romeu, o que você fez? – Miguel perguntou assustado, notando que a polícia já se aproximava. Dando passos para trás, e olhando para a confusão que ele ajudou a acontecer, ele correu em direção à sua moto, antes mesmo que a polícia chegasse ao local.

Em segundos a polícia parou a viatura no meio da rua e correu para conter Romeu. Outros dois policiais algemaram os amigos de Romeu, e então todos correram para ajudar Fernando, que estava caído no chão.

– Meu amor! – Lety se ajoelhou ao lado dele, chorando.

– Já liguei para a ambulância, eles estão chegando! – Carol disse.

– Meu amor, você vai ficar bem. Você vai ficar bem. – Lety tirou a mão dele que estava pressionando o ferimento, e chorou ainda mais ao ver a quantidade de sangue que estava na camisa de Fernando. – Você vai ficar bem.

Fernando embora consciente não tinha forças para dizer nada. Apenas olhava para Lety, tentando buscar em sua voz uma maneira de se tranquilizar e se esquecer da dor, embora estivesse insuportável. Enquanto os policiais perguntavam a Celso e Ramón o que havia acontecido, a ambulância chegou. Os paramédicos logo se aproximaram de Fernando, e Omar segurou Lety para que ela se afastasse. Rapidamente eles o imobilizaram e o colocaram em uma maca, levando-o para dentro da ambulância.

Lety não conseguia controlar o choro de desespero, enquanto rezava e implorava para que Fernando ficasse bem.

–-------------------------------------

A espera era agonizante. Lety já não tinha mais forças para chorar, e não aguentava mais beber água com açúcar, que todos insistiam para que ela tomasse. Na sala de espera, Omar, Carolina, Teresinha e Humberto a acompanhavam durante a espera de notícias. Cada minuto parecia horas, e a espera era agonizante. Depois de quase trinta minutos de espera (que pareceram durar horas), o médico foi até eles. Lety se levantou rapidamente, seguida pelos outros.

– Vocês são parentes de Fernando Mendiola?

– Sim. – Todos disseram ao mesmo tempo.

– Ele está acordado e consciente.

Todos suspiraram aliviados.

– Por sorte o ferimento não o acertou com mais profundidade, e conseguimos controlar o sangramento e cobrir a ferida. Ele ainda está fraco porque perdeu muito sangue, mas as dores já estão sendo controladas.

– Graças a Deus! – Teresinha exclamou e Humberto apertou sua mão, aliviado.

– Podemos vê-lo? – Lety perguntou.

– Apenas um de cada vez. Não é bom que entre todos ao mesmo tempo, ele ainda está em recuperação.

– Lety, você vai. – Humberto disse.

– Não, vocês podem ir. Eu espero.

– Lety, você é a esposa dele. Você tem o direito de vê-lo. Tenho certeza de que ele ficará melhor quando te ver. – Teresinha insistiu.

– Está bem. – Lety limpou as lágrimas de alívio que rolavam em seu rosto, e acompanhou o Doutor até o quarto onde Fernando repousava. Ao entrar e vê-lo na cama, sem camisa e com uma faixa enrolada em seu peito onde tampava o ferimento, ela suspirou fundo. Apesar do alívio em saber que ele estava bem, vê-lo daquele jeito partiu o coração de Lety.

– Oh meu amor... – Lety se aproximou da cama sem controlar as lágrimas. Ela o abraçou e ele retribuiu o abraço, feliz em vê-la ali.

– Ai. – Reclamou depois de Lety apertar o abraço.

– Desculpe. Como você se sente?

– Com um buraco no peito. – Brincou, mas Lety não riu.

– Eu fiquei tão preocupada.

– Eu vou ficar bem.

– Eu sei. – Ela sorriu e segurou a mão dele.

– E o Romeu?

– Ele e os amigos foram para a delegacia. Celso e Ramón foram para prestar queixa.

– E Miguel?

– Ele correu quando a polícia chegou, não sabemos para onde foi.

– Lety, preciso te dizer uma coisa.

– Não meu amor, não precisamos falar disso agora.

– Não, Lety. Isso tudo foi culpa minha.

– É claro que não. O único culpado foi o Romeu...

– Não. Lety, eu menti para voce. Eu não fui a uma reunião hoje pela manhã.

– Não?

– Eu fui me encontrar com Miguel.

– O que? – Lety perguntou abismada.

– Eu achei que conseguiria convencê-lo a te deixar em paz, e eu dei uma quantia em dinheiro a ele para que ele fosse embora. Ele deve ter se aborrecido e pediu para que Romeu se vingasse. E ajudou que ele já tinha raiva de mim pelo que aconteceu aquela vez que eu briguei por você. Agora Miguel fugiu com o dinheiro, e só Deus sabe para onde ele foi.

Lety sorriu triste e beijou a testa de Fernando.

– Não está brava?

– É claro que não. Você fez tudo isso para me proteger, embora tenha sido loucura.

– Eu farei tudo que eu puder para te proteger, Lety.

– Eu sei que sim, meu amor.

– Me desculpe pelo que aconteceu. Se eu não tivesse agido por raiva e impulso isso não teria acontecido.

– Não se lamente. Você fez o que achava certo. Você é meu herói. – Ela sorriu e sentou-se ao lado dele na cama.

– Eu queria ser de ferro nessas horas. – Ele riu, mas reclamou de dor logo depois.

– Não se esforce, você ainda está em recuperação. Agora eu que vou cuidar de você, e vou descontar todas as vezes que você pegou no meu pé. – Lety riu.

– Talvez não seja tão ruim assim, desde que você esteja comigo o tempo inteiro.

– Eu não vou sair de perto de você um minuto sequer.

– Estou gostando disso. Ficar ferido tem seu lado bom.

– Fernando, não diga isso.

– É brincadeira. – Ele sorriu e beijou a mão de Lety.

– Eu te amo tanto.

– Eu também te amo.

Por longos minutos Lety ficou ali, sentada ao lado de Fernando, segurando sua mão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!