Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 8
Diferente


Notas iniciais do capítulo

Hey, povo lindo, capítulo novo para vocês!
Boa leitura...



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Cal

Ao chegar com Nate na entrada da caverna incrustada no deserto aspirei o ar acre e pensei na grandiosa beleza do lugar. O calor que emanava das pedras acabou me fazendo lembrar a atmosfera do último planeta onde vivi: o mundo do fogo, um lugar fascinante e de território hostil. Meu último lar também era extremamente quente, mas isso não me causava saudade nenhuma, pois durante os oito anos em que eu habitava a terra jamais houve em meu interior qualquer intenção em voltar.

Eu gostava de visitar as células remanescentes, os últimos sobreviventes. Agora eu tinha amigos e me dedicava com afinco a cuidar e tornar a vida deles um pouco melhor. Não é só uma tentativa de mitigar a culpa que me cerca por tudo que as almas fizeram a esse planeta. Isso faz parte da minha essência. Cuidar dos outros.

Como de costume, eu e Nate nos dirigimos para a cozinha, pois sabíamos que pelo horário todos deveriam estar lá para o café da manhã. Meu corpo já dava sinais de cansaço e fadiga por causa da longa caminhada, necessitando urgentemente de um banho frio. Ian foi o primeiro a nos notar quando chegamos.

— Eu não esperava vocês por aqui tão cedo! — ele veio em nossa direção com um enorme sorriso no rosto, apesar de preocupado. Sua voz alta atraiu os olhares e alguns vieram nos cumprimentar com exceção, lógico, de Maggie, Sharon e Lacey. Lembrei que Nate não gostava muito delas, mas mesmo assim sorri decidido a não levar em consideração a falta de educação do trio.

— Como está, irmão? — Peg perguntou vindo logo atrás de Ian. Sua preocupação com os outros era comovente. Creio que ela é a alma mais feliz do universo, já que tem tudo o que qualquer um poderia sonhar. Peregrina ganhou um lar, amigos, uma família e o mais importante de tudo: um amor tão lindo e tão rico como o que ela compartilha com Ian.

— Estamos ótimos — Nate respondeu quebrando os meus devaneios. — Alguma novidade?

— Ian começou a falar sobre algumas coisas ruins que haviam acontecido em sua última incursão e minha garganta fechou. Era duro saber o que estava acontecendo com a minha espécie, saber que eles estavam mostrando uma hostilidade que jamais havíamos experimentado. Porém, no meio de toda esse perigo um fio de esperança foi encontrado, pois ficamos sabendo que agora mais dois humanos faziam parte daquele grande lar.

Eu olhei ao redor e vendo as relações humanas, tão complexas, percebi que ainda não sabia nada sobre esse planeta. Talvez nunca saiba. Nós trocamos apenas mais algumas palavras com os moradores e logo o cansaço voltou a me deixar letárgico. Nate saiu a procura de Jeb e eu o acompanhei, pois precisava urgentemente descansar.

Encontramos Jeb na plantação, olhando para ela como quem admira uma delicada obra de arte. Sua expressão era cansada, mas ao mesmo tempo eu podia ver o quanto aquele velho homem era forte. Ele era o tipo de humano que não merecia essa vida tão regrada. O homem e Nate se cumprimentaram e então o nosso peculiar anfitrião disse que eu poderia ficar no mesmo aposento que Jamie, pois ainda havia algum espaço.

— Jeb, eu estou muito feliz em vê-lo, mas gostaria urgentemente de tomar um banho, tudo bem? — disse com um leve sorriso e ele apenas abanou as mãos, me mandando ir. Assim que eu estivesse bem conversaria com ele, pois gostava muito de ouvir suas palavras.

Infiltrei-me nos corredores escuros, que agora eram tão familiares para mim, e perguntei-me como seria quando toda a célula de Nate fosse deslocada, motivo pelo qual nossas visitas eram cada vez mais constantes. Percebi ao longo do caminho que faltava pouco para a mudança, pois a ampliação das cavernas era visível. Arrumei a alça da mochila e apertei o passo.

Eu troquei a minha vida como alma por uma vida humana porque queria experimentar todas essas sensações tão diferentes e intensas as quais nunca sequer imaginei existir. A amizade foi o sentimento mais nobre e mais precioso que conheci e agradecia por ter conseguido cultivar amigos tão leais, que me aceitavam apesar do que eu era. Mas a minha única dúvida era saber como funcionava o amor. Ver Melanie e Jared, Peg e Ian, Kyle e Sunny ainda me deixava sem respostas. Como era possível alguém gostar mais de alguém do que a si mesmo? Como era possível você se sentir atraído especificamente por aquela pessoa e não por nenhuma outra mais?

Eu pensava em diversos assuntos diferentes quando o vapor dos rios subterrâneos me cumprimentou, fazendo-me colocar a mochila no chão. A ideia de um banho depois de tantos dias de viagem me animou, apressando-me a entrar na câmara escura. Porém, eu não estava preparado para o que vi ali e simplesmente fiquei sem ação diante da cena.

Havia uma garota se banhando. Provavelmente a garota nova, pois, além de eu jamais tê-la visto antes nas cavernas ela estava muito próxima à entrada da sala de banhos, algo que um morador antigo jamais faria.

Ela estava sem roupa.

Eu deveria ir ter ido embora no mesmo instante, pois não era correto invadir assim a privacidade de alguém. Uma vez, na célula de Nate, eu sem querer entrei em um quarto onde algumas garotas estavam se trocando, contudo fechei os olhos e saí em respeito. Porém, alguma espécie de força maior me impulsionou a olhá-la e me prendeu ali no chão. Seus cabelos longos cobriam os seios perfeitamente pequenos e seu corpo era ao mesmo tempo pequeno e voluptuoso. Mesmo com a luz baça pude observar o quanto era bela. Me senti estranho, jamais fizera qualquer tipo de observação a um corpo de mulher, afinal eu sou uma alma, entretanto não consegui parar de olhar para ela. Minhas mãos estavam suadas e meu coração martelava fortemente em meu peito. Dei um passo para trás e algumas pedras se moveram sob os meus pés, fazendo com que ela procurasse a origem do barulho.

Com medo de ser pego espionando, voltei silenciosamente para a entrada e lá resolvi esperar. — "O que está acontecendo com você, Cal?" perguntei para mim, sem entender as estranhas reações do meu corpo. "Talvez eu devesse procurar Doc, meu hospedeiro deve esta com algum problema", pensei.

Levei um susto quando a garota saiu da câmara e acabou esbarrando em mim. Lembrei que a tinha visto nua minutos antes e me envergonhei.

— Me desculpe, moça — disse nervosamente para a bela figura que me fitava impaciente e ela parecia divertir-se com o meu embaraço.

— Você está aí há muito tempo? Por acaso estava me espionando?

— Não, não — gaguejei tenso. — Perdoe-me. Eu acabei de chegar e não sabia que havia alguém.

A garota então ligou a lanterna e ficou me analisando por alguns segundos. Corei mais ainda quando que ela mordeu o lábio, um gesto que me causou arrepios. "Devo estar doente" repeti para mim mesmo. Nós nos olhávamos silenciosamente quando ela apontou a lanterna para os meus olhos. A luz a ofuscou e se espalhou por toda a caverna.

Não tive tempo para explicar, ela deu um soco em minha barriga me deixando levemente sem ar. A lanterna em sua mão foi projetada sobre o meu rosto e eu não consegui mais pensar em nada além do fato de que não iria me defender, pois isso implicaria em machucá-la. Caí no chão e depois disso minha mente ficou nebulosa e confusa, a garota pensava que eu era um buscador. A única coisa as qual eu tinha consciência era da dor latejante em minha cabeça e da faca em meu pescoço.

E também da forma como seus olhos negros me queimavam. Eu podia sentir o ódio.

Depois disso não sei mais o que aconteceu, tudo se tornou um borrão desconexo. Jared me ajudou a ir até Doc enquanto eu tentava procurar uma maneira de não me sentir culpado nem culpá-la. Ela era nova na caverna, com certeza não sabia sobre mim. E parecia proteger mais a alguém do que a si mesma.

Quem era ela?


— Você bateu a cabeça devido à queda, mas está tudo bem, Cal — Doc me confortou enquanto tratava meus ferimentos.

— Desculpa aí, cara — Ian, que também viera me ver, se lamentava com o olhar triste. — Nós esquecemos de avisar a ela sobre você. Não sei como pudemos fazer isso. Sinto muito.

— Tudo bem — respondi já me sentindo melhor, efeito do corta dor. Fiquei feliz em ver a quantidade de pessoas preocupadas com o meu bem estar: Ian, Melanie, Peg, Lily e alguns outros estavam lá. Nate foi o primeiro a vir, mas já tinha ido embora.

Doc me liberou depois de verificar que realmente eu estava bem e enfim pude me acomodar. Havia muitas coisas a serem resolvidas e eu estava exausto, por isso fui diretamente para  o quarto que teria que dividir com Aaron, Brandt e Jamie. Quando entrei no aposento, Jamie me cumprimentou.

— Como você está? Acho que você já deve ter conhecido a Samantha.

Samantha? Então esse era o nome dela. No mesmo instante lembrei dos seus olhos e de sua fúria, humanos eram mesmo muito instáveis e cheios de ódio. A violência era tão comum a essa espécie que provavelmente a essa hora todos deveriam estar do lado dela. Está certo que garota havia me confundido com um buscador, mas a sua reação quase havia custado a minha vida. Eram momentos como esse que me deixavam extremamente confuso. Como esses seres podiam ser tão dúbios? Batiam com a mesma mão que afagavam...

— É, conheci — articulei com dificuldade para Jamie, que me fitava tranquilo. No momento meu corpo todo implorava por descanso e eu mal conseguia pensar. — Ela parece ser difícil — suspirei.

— Sim, bem difícil — Jamie respondeu.

— Eu gostei dela — Aaron disse. — Gostosa.

Senti-me extremamente desconfortável com o comentário dele, pois de eu não gostava muito da maneira como alguns homens falavam sobre as garotas. Contudo, fingi desinteresse e resolvi não discutir. Não demorei muito tempo para conseguir dormir e, quando dei por mim, já era hora do jantar.

— Ei, acorde! — Jamie gentilmente me chamou. — Deixe essa preguiça para depois.

— Ah, obrigado — eu levantei e baguncei seus cabelos que já caiam sobre os olhos. Não fazia muito tempo que eu o conhecia, mas ele era um bom garoto e estava crescendo muito rápido. Olhar para ele só fazia com que eu admirasse ainda mais a vida humana. E ficasse ainda mais intrigado.

— Vou te esperar, ok? — ele afirmou me dando um falso soco na barriga. — Por favor. Ande rápido.

Troquei-me e o acompanhei até a cozinha para o jantar. Estava faminto, pois havia passado o dia dormindo devido aos últimos acontecimentos e os remédios que Doc havia aplicado em mim. Nos dois caminhávamos lentamente e eu ainda ria de alguma piada infantil de Jamie quando meu coração instantaneamente parou. Ela estava lá, sentada em umas das bancadas de pedra.

Samantha sustentou o olhar por alguns segundos, antes de desviá-lo e continuar comendo com se nada existisse ao seu redor. Seria muita presunção da minha parte esperar um pedido de desculpas, entretanto sua falta de atenção me deixou ainda mais desconfortável. Jamie percebeu minha apatia e me puxou para junto dele. Peg, Ian, Melanie e Jared também estavam à mesa.

— Você está bem? — Peg perguntou e eu respondi com cortesia. Todos começaram a comer e as conversas logo foram aumentando de volume.

— Então, quem é a garota? — perguntei para Melanie, pois havia ficado sabendo dos apuros que haviam passado, porém não sabia nada sobre os novos moradores.

— Ela nos ajudou. Eu sinto muito pelo que ela fez com você. Mas não se preocupe, Samantha não fará mal a nenhuma alma.

— Acho que ela não vai querer ficar aqui — Ian retrucou.

— Eu creio que não — Jared se manifestou. — Jeb me disse hoje à tarde que ela, a pedido do irmão, vai ficar mais um pouco mais conosco. Parece que o garoto não quer ir embora de jeito nenhum.

Fiquei feliz em saber que ela e o irmão ficariam, pois ao lado de outros humanos eles estariam mais seguros. Depois do jantar nos reunimos com Jeb e Nate para verificar como seria a unificação das células e acertamos que em algumas semanas todas as ampliações estariam prontas e todos os mantimentos necessários à mudança seriam recolhidos. Depois disso eu não mais a vi.

Mesmo tendo me agredido eu tentava ser compreensivo com tal ato. Vez em quando me pegava lembrando dela na sala de banhos e me sentia envergonhado. Ela era tão linda...tão violenta. Ansiei por vê-la mais uma vez.

E não entendi o motivo.


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Notas finais do capítulo

Não esqueça de deixar o seu review. É rapidinho e é através da sua opinião que eu avalio a minha história.