Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 6
Partida


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente! Capítulo novo para vocês. Gostaria de agradecer a todos que estão lendo e principalmente aos fantasminhas, apareçam e me façam feliz!
.
Paciência com a Sam, please kkk



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Samantha

— Então está decidido — resmunguei. — Você me convenceu. Pode arrumar as malas que nós vamos partir para o deserto. E seja o que Deus quiser.

O sorriso de Adam se iluminou tanta que eu achei que ele fosse explodir de tanta felicidade. Porém eu não estava tão à vontade com a ideia de sair da minha casa, incrustada em uma mata fechada a qual eu conhecia muito bem, para me enfiar em uma caverna no meio do deserto cheia de humanos sendo caçados avidamente.

— Eu sempre tive certeza que havia outros humanos escondidos por aí, e agora iremos ao encontro deles. Cara, como eu estou feliz — Adam repetia.

— Tudo bem, mas guarde essa energia para depois — brinquei enquanto desarrumava seus cabelos louros. — Agora me deixe encontrar um lugar para dormir. Avise a todos que partiremos depois de amanhã, precisamos dar um tempo, deixar as coisas lá fora esfriarem.

Nós nos despedimos e Adam correu ao encontro dos visitantes. O silêncio costumeiro pairava sobre o lugar e pedi silenciosamente a Deus que nada de mal nos acontecesse.

Pelo menos dessa vez.

Não voltei para junto deles e me isolei o máximo que pude, pois olhar para àqueles rostos ainda não era algo que eu gostava de fazer. Por fim, a manhã de nossa partida chegou tão rápido que nem tive tempo de sentir-me revigorada. Na verdade, estava realmente exausta devido às noites no chão duro de pedra e a quantidade de sonhos loucos que tivera durante o sono. Sonhei com uma imensidão vermelha em fogo e brasa, que me envolvia e me engolia deixando meu corpo todo febril e angustiado. Logo depois, todas as imagens se confundiam em minha mente se transformando em um par de olhos de alma, me fitando e lendo meu interior através dos meus olhos humanos. Havia flores. Flores pegando fogo.

— É. Nitidamente os efeitos da loucura já estão começando — pensei enquanto levantava. Lavei o rosto para inutilmente melhorar minha cara e quando cheguei à cozinha assustei-me com o que encontrei: duas mochilas estavam prontas em cima da precária mesa, a minha e a de Adam respectivamente; além dos nossos alimentos  restantes depositados em uma sacola com os remédios que haviam sobrado.

— Bom dia, Samantha! — Ian me cumprimentou e eu respondi com um meneio de cabeça. Jared sorriu por cortesia para mim e Peregrina me olhou sem saber se cumprimentava ou não.

— O que está acontecendo aqui, Adam? — perguntei não muito feliz, a sonolência não me deixava uma muito pessoa muito esperta.

— Eu tomei a liberdade de arrumar as suas coisas. Tudo bem? — ele respondeu imerso em felicidade, os olhos verdes brilhando.

— Ah — fiz uma careta mal humorada.

Apesar dos medos e de tudo o que havia acontecido conosco eu podia sentir que eles estavam muito felizes por finalmente voltar para casa. E com isso agora eu e meu irmão é que seríamos os visitantes. Arrumamos o que faltava para a nossa partida e nos dirigimos para fora da caverna, onde fechei os olhos longamente e dei adeus a minha casa, prometendo para mim mesma que nossa partida seria breve e sem delongas.

Nos embrenhamos na floresta e andamos cerca de uma hora e meia até chegarmos ao local onde escondíamos o velho furgão, um outro veículo que eu mantinha mais perto de nós. Sair com ele era perigoso porque deixava muitas marcas, mas era o que tínhamos. Então sentei ao volante com Adam ao meu lado e deixei que o resto se virasse sozinho atrás.

— Alguns quilômetros a frente há uma estrada secundária, viajaremos por ela por cerca de um dia antes de retornamos a estrada principal, certo? — perguntei para Jared, já que visivelmente ele era o líder daquele grupo.

— Faça o mais seguro — ele respondeu. — Não queremos correr riscos novamente.

— Nessa vida estamos sempre correndo riscos — eu disse.

A viagem seguiu tranquila, pois a floresta densa engolia o carro e nos transmitia segurança. Depois do que pareceram incontáveis horas chegamos à estrada secundária e o espaço aberto me causava uma espécie de claustrofobia ao contrário. Eu me sentia livre dentro da caverna escura e presa com o céu sobre minha cabeça. Definitivamente eu estava ficando louca. Talvez uma mudança de ares fosse realmente uma coisa boa.

Eu observava aqueles estranhos que se intrometeram bruscamente em minha vida enquanto Adam dava um cochilo ao meu lado. A expectativa de ver outros humanos, que no início me pareceu estranha e invasiva, agora me deixava ansiosa. Sim, eu estava cansada da solidão. Adam era meu irmão, mas se continuássemos a vivermos sozinhos acabaríamos enlouquecendo juntos.

Nós almoçamos barras de cereais e alguns biscoitos que Melanie separara da pilha de mantimentos e troquei de lugar com Ian para aliviar minhas costas doloridas. A noite caiu e resolvemos não parar, mas sim nos dividirmos em turnos. Viajar à noite seria mais seguro e significaria menos tempo no covil do inimigo. O covil que antes era meu lar.

O céu já estava se avermelhando quando tomei a direção novamente. Uma brisa suave soprava em meu rosto pela janela aberta e a estrada vazia me fez lembrar do passado e me interrogar sobre como fomos tão burros a ponto de perdermos tudo o que levamos milênios para construir. Não só nossas roupas, casas e pertences, mas nossas vozes, corpos e pensamentos. O corpo de Grace atrás de mim era a prova viva disso.

Os quilômetros rodaram por horas e horas a fio e conforme os dias foram passando a paisagem começou a adquirir ares desérticos e os integrantes do carro se agitaram com a expectativa do retorno ao lar. Enfim, quando finalmente consegui cochilar com a cabeça apoiada na janela, Adam me acordou com sua habitual alegria.

— Sam, acorde. Nós chegamos!

— Calma aí, campeão — Jared respondeu olhando para todos os lados antes de sairmos dos carros. Eu dormira toda a parte final do caminho e por isso não fazia ideia de onde estávamos. A única informação que eu tinha era que o sol já devia estar a pino devido o calor intenso que emanava das paredes de pedra de uma caverna minúscula.

— Onde estamos? — perguntei preocupada.

— Perto. Mas ainda temos que andar bastante para chegarmos até a caverna principal. Vamos  — Ian explicou apertando os olhos para protegê-los do sol.

O sol queimava minha pele feito brasa, mesmo que eu não fosse branca como Adam que, aliás, estava parecendo um pimentão. Os carros deviam estar a uma distância muito grande das cavernas, pois perdi as contas de quantas horas andamos. Todos os meus músculos doíam devido à caminhada exaustiva e quando já estávamos completamente desidratados finalmente Jared nos conduziu à entrada.

O lugar era completamente escuro e eu duvidei que alguém pudesse viver ali. Parecia que a cada passo que dávamos penetrávamos cada vez mais na terra seca, o que transformava o espaço confinado de rocha em um enorme forno. O calor insuportável levava toda a água para fora dos meus poros e senti que ia desmaiar. Porém, antes que eu tivesse que passar por esse constrangimento chegamos a um enorme salão.

O lugar parecia ser o único cômodo iluminado da caverna, graças a uma abertura oval no teto. Algumas pessoas conversavam e seus semblantes pareciam preocupados. De repente, um garoto que aparentava ser pouco mais novo que Adam se destacou na pequena multidão berrando.

— Peg! Melanie! Graças a Deus! Eu já havia perdido a esperança. O que aconteceu? Vocês estão bem? — o garoto perguntou se agarrando à garota e à alma.

— Jamie, tudo bem, fique calmo — Jared tentava acalmar o garoto. Todas as pessoas olhavam a cena com alívio, enquanto eu e meu irmão permanecíamos imperceptíveis num canto escuro.

— É, pelo visto é difícil matar um Stryder — um senhor disse com voz grave e todos riram. — Quem são os visitantes? — continuou calmamente e todos procuraram o ponto para onde ele olhava firmemente. Finalmente as pessoas deram conta de nossa presença e uma agitação se instalou.

— Jeb, esses são Samantha e Adam. Foram eles que nos ajudaram a escapar dos buscadores — Jared apresentou.

— E a cada dia a esperança se renova — o homem chamado Jeb disse enquanto nos fitava com uma expressão neutra. Eu não poderia definir o que ele deveria estar pensando ou sentido.

Fomos apresentados a cada membro da comunidade presente no salão e eu me limitei a apertar as mãos meneando a cabeça e sorrindo como a Monalisa, ou seja, sem mostrar os dentes. Anos sem conviver com outro humano, além de Adam, me deixara acostumada à solidão e por isso a aglomeração me constrangeu. Passada as apresentações fomos convidados à cozinha, pois uma das refeições seria servida em breve.

Sentamos em bancadas de pedra e Ian começou a narrar tudo o que acontecera até o momento em que me encontraram. Dois homens, que fiquei sabendo serem Aaron e Brandt, fizeram parte da conversa e contaram o que fizeram quando perceberam que os quatro não saiam da cidade como o combinado. Os dois rondaram a cidade a procura do grupo, mas viram a movimentação de buscadores e por isso imediatamente se deslocaram de volta para as cavernas, lamentando o ocorrido. Ainda havia esperança, mas as pessoas já começavam a perdê-la e se preparar para o pior.

Após a refeição, o velho Jeb nos levou pra uma espécie de tour maluco pelo lugar, e enquanto andávamos ele contava fatos sobre a vida de todos e a rotina estabelecida. Nada surpreendente, até o momento em que entramos em um campo. A loucura do homem era geniosa.

— Trigo? Sério? Como é possível? — Adam despejava as perguntas num jorro, para divertimento de Jeb, os olhos verdes brilhando de curiosidade.

— Não só trigo — ele respondeu. — Temos também milho e melões.

— Puxa vida — suspirei maravilhada. Porém o mais engenhoso de tudo eram os enormes espelhos no teto, que projetavam a luz exterior e espalhavam-na igualmente pela terra seca. Se eu não fosse eu, teria me emocionado.

O último lugar que vimos foi à sala de banhos. Jeb nos ensinou repetidas vezes a como chegar lá até Adam conseguir repetir as coordenadas de cor. O velho senhor então percebeu nosso cansaço e tratou de nos acomodar em um buraco recém-aberto nas paredes de pedra. Parece que eles estavam com planos de se juntar a outra célula e por isso estavam construindo mais quartos. Guardei minhas coisas em silêncio e Adam não puxou assunto. Ele conhecia muito bem a irmã que tinha e sabia que se manter calado era o certo no momento.

Devido o cansaço nós dormimos rapidamente e pela manhã despertei com os primeiros raios de sol que entravam fracamente pelas fendas. Adam ainda dormia e decidi não acordá-lo. Peguei uma muda de roupa, minha lanterna e segui pelos corredores até chegar à sala de banhos. Esbarrei com algumas pessoas no caminho e elas me indicaram como chegar ao local.

O lugar era quase completamente escuro e difícil de ver meus próprios pés. Entrei na água de roupa, pois a lavaria assim que terminasse o banho e milagrosamente, apesar do calor, a água era fresca e permitiu que eu relaxasse. Depois de incontáveis minutos, saí da água e lavei minha roupa o máximo que podia com o sabão precário.

Só me dei conta de que estava completamente nua quando ouvi um barulho indistinto. Procurei as peças que estavam no chão, praguejando a falta de luz e tateando tudo ao meu redor, cega como uma morcega. Havia alguns pontos de luz, mas meus olhos ainda não estavam habituados a situação. Vesti minha roupa rapidamente, calcei meus sapatos e recoloquei o punhal que sempre permanecia preso dentro da meia, entre o sapato e a minha pele. Apanhei a lanterna e quando me dirigi à saída dei de cara com alguém.

— Me desculpe, moça — a voz masculina se desculpou pelo esbarrão.

— Você está aí há muito tempo? Por acaso estava me espionando? — questionei, estranhamente divertida por conta do seu constrangimento.

— Não, não — ele gaguejou. — Perdoe-me. Eu acabei de chegar e não sabia que havia alguém aqui.

Liguei a lanterna e só então percebi que o homem era bem alto. Seus braços, mesmo encobertos pela camisa de mangas, exibiam músculos fortes e potentes. Seus cabelos refletiam a pouca luz produzida e eram de um ruivo forte e vibrante. Passei a língua nos lábios e levantei as sobrancelhas em análise. Há tempos eu não apreciava a beleza masculina dessa forma, beleza humana. Porém, ao direcionar o facho de luz para o seu rosto seus olhos não reagiram da maneira que eu esperava. A caverna foi completamente iluminada por círculos dourados que se espalharam pelo teto e pelo chão, me ofuscando.

Ele tinha belíssimos olhos. Porém eram olhos de alma.

O movimento foi tão rápido quanto um piscar de olhos. Desferi um soco em seu estômago e ele cambaleou. Minha mão ficou dormente, o desgraçado tinha uma barriga dura como pedra, mas apesar disso o soco foi suficiente para fazê-lo arfar. Utilizei a lanterna para atingi-lo na lateral esquerda da cabeça e soquei o outro lado com a mão livre, porém o parasita apenas colocava os braços sobre o rosto na tentativa de se defender dos meus ataques, sem reagir. Eu parecia uma fera selvagem, espumando de ódio. "Quantos mais havia lá fora esperando por mim? Será que Adam havia sido capturado?" pensava enquanto chutava a perna dele. — Se alguma coisa acontecer ao me irmão eu te mato, desgraçado! — gritei.

Coloquei meu pé entre os pés da criatura e ele se desequilibrou caindo de costas. Venci não porque era mais forte, — isso seria impossível já que ele era bem maior do que eu — mas sim pelo fato de tê-lo pego de surpresa e dele estranhamente não reagir em nenhum momento. Rapidamente montei em seu peito e usei o meu peso para prender suas mãos. Retirei a faca de dentro do meu sapato e encostei no seu pescoço. Ele me olhou assustado e evitei pensar em como seria bonito ver esses mesmos olhos sem nenhum maldito reflexo prateado.

— De onde você veio, buscador? — questionei e ele não respondeu. Havia sangue em seu rosto, no entanto isso não me comoveu.

— Você tem cinco segundos para responder. Há quantos lá fora? Estão nos seguindo há quanto tempo? — pressionei a faca e um filete de sangue escorreu.

Meu Deus, Samantha, não faça isso — a voz de Jared ricocheteou nas paredes de pedra me devolvendo um pouco de sanidade. — Ele não é um buscador. Por favor, pare. Ele está conosco também — Jared disse enquanto me tirava bruscamente de cima da alma.

— Como assim está com vocês? — perguntei entre dentes.

— Assim como Peg.

Olhei novamente para a alma e ele se levantou devolvendo meu olhar com firmeza. Algumas pessoas começaram a chegar para se banharem e ficaram intrigadas ao ver a cena.

— O que está acontecendo aqui? — Jeb chegou com seu olhar questionador. Uma toalha na mão, a arma na outra.

— Eu não sabia que esse lugar era cheio de traidores amantes de almas. Alguém pode me explicar que porra é essa?

— Baixa essa bola, mocinha. Não há nenhum traidor aqui. Apenas pessoas em busca de sobrevivência e redenção.

Alguns segundos passaram enquanto eu analisava o ocorrido. As pessoas desse lugar eram mais loucas do que eu esperava. Havia almas para todo o lado e eu não podia me sentir segura com isso. Daria um jeito de levar Adam de volta nem que fosse pelos cabelos.

— O nome dele é Cal — Jeb pronunciou alto, suas palavras fazendo eco nas paredes. Ele é nosso amigo. Aqui convivemos em harmonia com essas almas porque elas conquistaram o seu espaço com muita luta. Então eu te pergunto, Sam: você pode conviver com isso? Porque eu não gosto quando meus inquilinos tentam se matar.

Minha respiração fazia um barulho estranho, quase um grasnado. Aproximei-me do velho e pronunciei olhando bem no fundo dos seus olhos opacos:

— Eu não preciso me acostumar com nada. Eu não posso conviver com as mesmas criaturas que tiraram tudo de mim. Eu prometi que traria os seus para casa e cumpri. Agora que já fiz o que tinha de ser feito vou pegar meu irmão e ir embora desse lugar.

Olhei para Jeb esperando alguma palavra brusca, mas ele simplesmente me ignorou e ordenou que levassem a alma para um tal de Doc. A plateia foi se dispersando e eu acabei ficando sozinha com ele.

— Filha, há coisas que você não pode entender ao menos que viva na prática. Não julgue precipitadamente aquilo que não conhece. Você e seu irmão são bem vindos, fiquem o tempo que quiserem. Porém, minha casa, minhas regras. Tente não matar mais ninguém e tudo ficará bem — Jeb proferiu afagando meus ombros. — Nem tudo é o que parece — ele continuou antes de virar as costas e me deixar completamente sozinha na escuridão.

É.

Pelo visto ficaram todos loucos.

Mas eu não estava nenhum pouco a fim de fazer parte disto.


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Notas finais do capítulo

Por favor, não me matem por esse final! kkkk. Quem quiser deixar a sua opinião é só comentar ai embaixo. Obrigada por ler e nos vemos no próximo capítulo!



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