Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 5
Decisão


Notas iniciais do capítulo

Primeira postagem de 2015! Vamos iniciar bem o ano? A partir de agora as coisas vão engrenar para onde vocês querem ir kkkk. Agradeço a todos que leram no ano passado e em especial a Julie Stew pela linda recomendação. Obrigada! Quem quiser conferir, ela também escreve uma fic super fofa sobre o universo the host. Gente, qualquer erro estou sem óculos kkk. Beijos e boa leitura!



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Samantha

Quando dei por mim, fracos raios de sol entravam sorrateiramente pelas fendas no teto indicando a chegada do amanhecer. Percebi que todos os acontecimentos e uma noite insone não deviam ter me deixando com a melhor aparência. Meus sentimentos, antes tão resguardados e firmemente presos dentro de mim, agora surgiam e vinham à tona com toda a força como gêiseres, a água rasgando o solo e se deslocando para fora impulsionada pelo terror do passado. Mas eu não iria deixar isso me abater novamente e decidi então que, por Adam, eu não deveria demonstrar minhas fraquezas.

Jared, Ian e a alma já haviam acordado e estavam comendo algo com Adam. Odiei vê-lo perto dela, ignorando-a como se Grace jamais houvesse existido e ainda por cima partilhando nossa já pouca comida. Minha tentativa de buscar por mais havia sido frustrada pelos meus mais novos "hóspedes". Porém, eu devia estar acostumada, Adam sempre costumava ignorar aquilo que lhe fazia mal. Já em relação aos outros, Adam parecia feliz por ter alguém diferente para conversar e, diferente da irmã, demonstrava estar muito a vontade com os nossos hóspedes.

— Bom dia, Sam — Adam cumprimentou alegremente, sendo ignorado. Ele pareceu não se importar com minha falta de educação e continuou a conversa com Ian de onde haviam parado.

— Sério que lá tem muitas pessoas no meio do deserto? Nossa, que incrível! — ele perguntou avidamente e seus olhos brilharam com a expectativa de ver novamente tantos humanos juntos.

— Sim — Ian respondeu a pergunta sorrindo. — É como uma grande família.

— Vocês também vivem numa caverna assim como nós?

— Vivemos numa caverna também, Adam, só que bem diferente da sua — Ian respondeu.

— Tem alguma garota da minha idade lá?

— Não, Adam — Jared sorriu. — Infelizmente.

Solidão. Provavelmente Adam a sentia mil vezes mais do que eu, mas ele era bom demais para se reclamar. Imaginei se havia alguma possibilidade dele querer sair e visitar a célula rebelde e essa ideia revirou meu estômago. Não gostei nada de pensar em Adam longe de mim. Mas a questão era: se ele fosse eu iria junto ou ficaria? Evitei sofrer por antecedência e parei de pensar nisso, pois não estava com a mínima disposição para discutir tais assuntos.

Ignorei novamente o grupo e fui para outro lugar. Mesmo de costas e a distância eu ainda pude distinguir a voz de Adam tentando me defender:

— Não liguem para ela. Lá no fundo ela é uma boa pessoa.

Será que eu era mesmo uma boa pessoa?

Entrei em uma parte da caverna que usava como dormitório e esbarrei em Melanie. A garota me olhou, mas eu não a cumprimentei. Ela então continuou lá, me observando, até quebrar nosso silêncio com a sua voz firme.

— Você parece gostar muito de Adam. O protege como uma verdadeira irmã mais velha.

— Ele é minha única família — me permiti dizer. — Por ele eu faria qualquer coisa. Prometi que cuidaria dele e é isso que eu venho fazendo há anos.

— É. Eu sei exatamente como é. Também faria qualquer coisa por Jamie. Por ele eu venci tudo, até a morte — ela disse enquanto fitava uma parede vazia.

O amor que Melanie sentia por seu irmão me tocou e percebi que eu não era a única capaz de me sacrificar pelos outros. Porém, eu não queria acreditar que sua história era verdade, que ela havia conseguido vencer a alma que habitava o seu corpo e fazê-la se redimir. Mas eu também já tinha vivido muitas coisas impossíveis. Talvez devesse acreditar nisso por mais ressentida que eu estivesse por causa do corpo de Grace.

— Isso tudo é mesmo verdade, Melanie? — perguntei. — Realmente aquela alma lá está do lado humano?

— Sam, a Peg nos ensinou a tirar uma alma de um corpo. Ela traiu sua espécie por amor a nós, nos dando a arma para matar seus iguais. Você quer prova maior do que essa? — Melanie defendeu com ternura e força e não havia outra saída a não ser acreditar.

— Ok, então. Eu acho que engulo isso — proferi e a garota esboçou um sorriso. Ela era parecida comigo: mandona, intensa, determinada e forte. Talvez em outras circunstâncias até pudéssemos ser amigas.

Saímos do compartimento e Adam ainda estava na mesa conversando com Ian e contando algumas de suas histórias.

— Encontrar esse lugar foi uma das maiores aventuras que vivi na vida! Meu pai, Davi, havia dito alguns anos antes da invasão se instalar que tinha descoberto em meio às coisas do meu falecido avô um diário onde ele contava suas aventuras de quando era jovem. Entre as histórias havia uma especial, onde ele falava sobre uma maravilhosa caverna isolada e distante que era o esconderijo secreto dele e de alguns amigos. Dentro do diário também havia instruções detalhadas que mostravam exatamente como encontrar o local. A perspectiva de encontrar um belo lugar isolado e em meio à natureza nos encantou e por isso planejamos uma espécie de expedição maluca, pois eu, Samantha e papai estávamos dispostos a encontrar o lugar que era tão lindamente retratado no diário. Nós três nos embrenhamos na mata e depois de dois dias conseguimos encontrar essa caverna. Só quem sabia sobre a localização éramos nós três, pois meu avô e seus amigos há muito já haviam morrido. Então quando a invasão se instalou de vez e tivemos que fugir, resolvemos vir todos para cá.  Mas infelizmente em nossa primeira parada tudo deu errado  — ele que começou a narrativa efusivo a terminou triste, lembrando do que acontecera quando perdemos todos de uma única vez. Porém, isso durou poucos segundos e logo ele estava tagarelando novamente.

Adam estava bem apesar de todos os últimos acontecimentos e invejei sua inocência e simplicidade. Observei a alma e ela estava agarrada ao humano como se ele fosse o pilar do mundo. Percebi a maneira como ela o olhava, com ternura, carinho, amor e de vez em quando Ian beijava a sua testa e acariciava sua mão. Não senti nojo como da primeira vez, mas sim um misto de confusão e curiosidade pela situação peculiar. Quem sabe, talvez depois que o meu luto pela vida de Grace cessasse eu até pudesse ser mais complacente com o curioso casal.

Talvez.

— Samantha, você esta bem? — Meu irmão perguntou quando percebeu que eu estava parada olhando fixamente para o casal inter-espécie a minha frente.

— Sim, só estou curiosa — respondi me sentando frente a frente com a tal de Peregrina, assustando a todos. — Então, Peregrina... falei e ela se engasgou ao me ouvir proferir o seu nome. Ian bateu levemente em suas costas e eu continuei.

— Enfim... Tudo isso que estão tentando fazer eu e Adam engolir é verdade? Você realmente abandonou o conforto de viver bem e feliz em meio aos seus para viver uma vida regrada e perigosa em meio aos seus inimigos no deserto? — despejei. Demorou uma eternidade até ela conseguir responder.

— Sim, Samantha. Eu escolhi viver com eles no deserto. Por mais precário que seja, lá é o único lugar do universo onde consegui ser feliz — sua voz era fina e melodiosa e evitei pensar em como ficaria bonita com a austeridade e doçura de uma Grace adolescente.

— Por que, Peregrina? Por que você faria isso? — continuei a questioná-la.

— Porque eu os amo — ela respondeu, feliz e um pouco mais segura. — Porque eu encontrei minha família e por eles eu faria qualquer coisa. Assim como você protege Adam com tanta obstinação eu os protejo e os protegerei para sempre. Por eles eu daria a minha vida. Eu devolveria o mundo se fosse possível — sua voz minguou.

Ficamos todos em silencio por vários minutos, talvez eles tivessem tentando me dar espaço para pensar, esperando calados até eu conseguir me manifestar. Eu remoía as palavras de Peregrina, mas não chegava a nenhuma conclusão. Ela deveria ter direito a uma vida já que havia se redimido com os humanos? Será que ao menos era verdade tudo o que dizia? Mas e o corpo de Grace, ele não pertencia a Peregrina, mas tampouco pertencia a mim. Eu podia tomá-lo dela? Adam parecia ignorá-la, no entanto ao mesmo tempo o pegava fitando-a como se em algum lugar pudesse ver a amiga. Apesar de ter ódio das almas ele parecia bem ao lado dela.

— Eu não sei o que pensar, Peregrina. Não sei como agir em uma situação como essa — pronunciei atraindo todos os olhares. — Esse corpo não é seu e por mais redimida que você queira parecer isso é injusto comigo e com Adam.

— Sam, por favor, nos dê uma chance — Ian proferiu. Ele era estranho: forte, mas também doce. — Eu sei o quando deve ser doloroso, pois já passamos por isso, como contamos.

— Tente entender — Melanie argumentou. — Talvez ai esteja à chave da nossa liberdade. Humanos e almas convivendo juntos.

Apenas respirei fundo e levantei da cadeira, virando às costas sem dizer mais nada. "Humanos malucos!" — pensei. Contudo, antes de eu alcançar a saída Jared chamou meu nome me fazendo olhar novamente para trás.

— Sam, nós precisamos voltar para casa. Todos estão esperando por nós. Você irá nos ajudar?

Sim, eu os ajudaria. Só estava esperando que meus pensamentos se encaixassem novamente no lugar. De alguma forma os queria longe, mas também estava com medo da solidão que a partida deles me proporcionaria. Eu tinha certeza que Adam gostaria de conhecer as cavernas na expectativa de ver outros rostos e eu, com certeza absoluta, teria que ir com ele. Jamais o deixaria sozinho onde quer que fosse.

— Sim, Jared, ajudarei. Nós só temos que pensar bem em como faremos isto. A estrada lá fora deve estar fervilhando de buscadores à procura de vocês.

Ian e Jared aquiesceram com a cabeça e sorriram um para o outro. Jared beijou Melanie e sussurrou para ela um “vamos para casa”. Confesso que senti uma certa inveja, inveja do tempo em que eu amava e era menos amarga. Mas agora minha única função nessa vida era proteger meu irmão.

— Sam, eu gostaria de falar com você — a voz grossa e desafinada de Adam interrompeu em meus ouvidos. Era estranho ouvi-lo falar com esse timbre, ele definitivamente estava crescendo.

— Tudo bem. É particular?

— Sim, irmã — ele sorriu. — Mas eu prefiro conversar com você lá fora. Tudo bem? – Adam com certeza não queria expulsar os humanos e parecer rude. Nós nos dirigimos para outro lugar e antes mesmo que Adam falasse eu já sabia do que se tratava.

— Você quer ir com eles, não é?

— É. Eu gostaria de conhecer gente nova. Tá meio caído aqui e eu gostaria de expandir o meu circulo de amizades — ele respondeu fazendo piada, como sempre. Eu sorri e inspirei profundamente antes de responder.

— Adam, aqui é seguro. Ninguém sabe de nossa existência enquanto eles estão sendo procurados exaustivamente. Eu não quero que você se arrisque. Não depois de tudo o que aconteceu. Pense nisso — tentei convencê-lo mesmo sabendo que era em vão.

— Sam, você não sabe como esses últimos anos tem sido para mim. Nós vivemos escondidos, mas para mim é duas vezes pior porque só fico trancado nessa caverna dia e noite sem você me deixar sair. Eu sei que você jurou me proteger, mas agora já sou um homem. E gostaria de tomar minhas próprias decisões e daqui em diante retribuir o favor. Eu quero ser forte para proteger você, mas você não deixa — ele despejou as palavras com certeza presas há muito. — Se eu continuar aqui vou enlouquecer.

Fiquei admirada ao vê-lo tão firme e maduro e também triste pelo fato de mantê-lo constantemente preso, mesmo que para o seu próprio bem. Entretanto eu temia que tudo acontecesse novamente. Cenas do horror do passado vieram a minha mente e senti vontade de chorar.

— Adam, eu entendo, juro para você que te entendo. Mas eu não aguentaria. Não de novo.

— Não se preocupe, o que aconteceu foi uma fatalidade. E prometo me cuidar. A pergunta agora é: você virá comigo ou ficará aqui? — ele me olhou e esperou pacientemente até eu responder.

— É claro que eu vou com você, idiota — respondi e soquei levemente seu braço. — Você não vive sem mim. Mas é só uma visita! — ele me abraçou e o clima ficou ameno. Restava somente uma preocupação em minha cabeça. — Você contou a eles? — questionei temerosa enquanto me desvencilhava do se abraço.

— Claro que não — Adam me tranquilizou. — Esse é um segredo que pertence somente a você.

— E eles sabem de sua intenção em ir visitar as cavernas? — perguntei arqueando as sobrancelhas.

— Sim. Já conversei com Ian sobre isso e ele disse que sou muito bem vindo. Não só eu, mas você também, carrancuda.

Eu o olhei e seus olhos brilhavam de esperança. Adam iria de qualquer forma, mas queria muito que eu o acompanhasse.

— Então está decidido — resmunguei. — Você me convenceu. Pode arrumar as malas que nós vamos partir para o deserto. E seja o que Deus quiser.


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Notas finais do capítulo

Agradeço a todos (as) que leram e desejo um maravilhoso 2015 para vocês! Não se esqueça de deixar seu comentário!



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