Mais que o sol escrita por Ys Wanderer
Notas iniciais do capítulo
Bom, pessoal, eu já estou sentindo a tristeza que antecede o fim hahaha. Falta pouco para a fic acabar e eu queria agradecer aos leitores, que são poucos, mas sempre fiéis. Um enorme beijo para vocês!
Eu ouço o vento chamar seu nome
Chamando de volta pra casa
O fogo acende - uma chama que ainda queima
Oh, eu sempre voltarei para você
Eu sei que o caminho é longo
Mas onde você esteja é minha casa
Onde você estiver
Eu vou encontrar o caminho
Eu correrei como o rio
Eu seguirei o sol...
I Will Always Return - Bryan Adams
Samantha
— Samantha, venha ver seu irmãozinho — papai chamou. Mas eu não queria ver aquela coisa remelenta e que só sabia chorar. Papai então me colocou sentada no sofá e pôs no meu colo, sem avisar, um pacotinho cheio de dedinhos.
— O nome dele é Adam — mamãe disse. De má vontade, olhei para o pacotinho e me surpreendi com o que vi: era a coisa mais linda do mundo, com seus olhos imensos e verdes e a cabeça cheia de ralos fios loiros. A pele dele era tão branca que parecia leite, contrastando com a minha que se assemelhava a um café com leite.
— Papai, ele é uma cópia sua, os olhos são iguaiszinhos — disse com medo de ser posta de lado agora que eles tinham um filho legítimo. — Será que ele vai gostar de mim? Vocês ainda vão gostar de mim?
— Querida, claro que sim — mamãe disse e me beijou na testa. — Nós amamos você e Adam também vai te amar. Somos uma família. Estaremos juntos para todo o sempre...
— Sempre?
— Sempre.
Um barulho de coisas metálicas caindo.
As risadas roucas e doces de uma criança.
— Sophia, estamos bêbadas?
— Ainda não, Sam — ela riu tanto que lágrimas banharam seu rosto. — Mas pretendo ficar até o fim da noite.
— Pretendemos — eu ri também. — Pretendemos...
Rosas amarelas na janela.
O pelo macio do cachorro.
— Sam, eu estou grávida. Não sei o que fazer. Estou desesperada.
— Fique calma, Sophia, você é minha melhor amiga. Pode contar comigo para sempre, ouviu? — eu a abracei e choramos juntas.
— Para sempre?
— Para sempre.
Estrelas caindo no céu.
Minha música favorita no rádio.
— Está na hora do jantar — Cal me avisou e só então percebi que estava tarde. As cavernas eram tão escuras que eu nem conseguia distinguir as nuances do sol se não prestasse atenção com todo cuidado. — Como você chegou aí em cima? — ele riu.
— Truques — respondi presunçosa. — Como você me achou? As almas têm alguma espécie de radar?
— Truques — ele respondeu e não consegui evitar retribuir o seu sorriso. Era tão lindo quanto ele.
Tentei descer do vão de pedra na parede onde eu tinha me metido e ele cruzou os braços esperando. Deslizei suavemente e quase caí, mas as mãos de Cal me amparam, seu corpo quente se comprimindo ao meu. Fitei seus olhos, sua boca, e não entendi as sensações estranhas em mim. — Obrigada — agradeci e empurrei meu amigo alma lentamente.
— Por nada. Sempre que você precisar, estarei aqui.
— Sempre? — zombei.
— Sempre.
Sempre...
Sempre...
O cheiro de terra e poeira
O calor do sol sobre mim.
Era sonho ou realidade?
Eu estava morta, não estava? Será que nó fim só ficavam as memórias?
.
“Por que ela não acorda?”
Ouvi uma voz perguntar, mas ela estava muito abafada e distante. Não havia nada ao meu redor além de sensações.
“Não sei. Já fizemos de tudo.”
“Mas ela não está morta!”
“Samantha, volte para mim.”
A voz sussurrou no meu ouvido, contudo havia algo diferente na forma como eu recebi a informação. Era como se eu estivesse flutuando em alguma superfície etérea e não pudesse palpar a realidade. Eu era uma fumaça, não tinha membros, não tinha olhos, não tinha a mim mesma.
“Samantha, por favor, o que está acontecendo?”
A voz penetrou todas as barreiras e me lembrei a quem pertencia. Meu peito doeu ao reconhecimento, porém a dor pareceu mais sutil do que deveria.
Cal estava ao meu lado. Estava comigo.
Mas onde eu estava?
“Olhe os olhos dela, estão prateados! — alguém diferente falou e senti quando fachos de luz alcançaram minha retina. Não doeu nem incomodou. Eu puder ver através e era parecido a assistir a uma tela.
“Talvez ela, achando que ia morrer, tenha perdido novamente o controle.”
“Será possível a alma ter retomado o corpo dela?”
“É o que parece.”
Como se fosse um raio, fui atingida pela lembrança de quem eu realmente era e do que havia acontecido.
Eu era Samantha.
Não estava morta.
Mas também não estava viva.
Tentei movimentar meus braços e pernas, mas não havia como, meu corpo não me obedecia. Tentei abrir os olhos, parar de respirar, fazer qualquer coisa que não desse razão a teoria maluca que estavam discutindo, contudo foi tudo em vão. Eu estava imóvel, perdida dentro de mim. Desejei ter morrido.
“Talvez a alma esteja no controle, mas sem estar desperta. Vamos retirá-la, assim Sam pode voltar.”
“Ela pode não voltar.”
“Ela vai voltar. Samantha é forte. Ela nunca desistiria.”
“Preparem a extração.”
Eu nunca desistiria de mim mesmo, disso eu tinha certeza. Agora eu tinha motivos o bastante para querer viver. Embora não pudesse me mexer, minha mente instantaneamente ficou alerta e eu já podia captar o ambiente através do olfato e da audição. Constatei que estava salva em algum lugar, que pelo cheiro não eram as cavernas, e que Cal estava comigo e disposto a me trazer de volta.
Se eu pudesse estaria sorrindo. Ainda havia chance para mim.
No meio de tanta informação pensei no que falaram sobre o fato de Oceano de Luz, a alma em mim, estar no controle do meu corpo mesmo inativa. Mesmo parecendo loucura, tive uma ideia. Daria um jeito de acordá-la para mostrar algumas coisas antes que ela partisse, assim ela levaria em seu interior até o novo mundo para a qual a enviaríamos lembranças boas sobre os humanos, a raça mais temida entre as almas. Ouvi que preparavam os instrumentos para a extração e deduzi que com isso teria pouco tempo.
— Oceano de Luz? — chamei alto dentro da minha cabeça. — Luz? — fechei os olhos da minha alma e deixei que as paredes caíssem como as cortinas de um teatro. Pensei em todas as emoções mais fortes que já havia sentido, tanto boas como ruins, e fiz a onda de sensações se espalharem interiormente em todas as direções. — Luz, você está no controle. Pode me ouvir?
Abriram a minha boca e colocaram algo. Comecei a ficar entorpecida e com isso as lembranças me pareceram mais intensas: Adam me dando um gatinho de presente, acompanhado de um cartão com suas primeiras palavras escritas; O medo e a vergonha da minha primeira vez e o arrependimento depois, ao ver que havia sido com cara errado; A expressão do meu pai quando bati o carro novo dele; As mãos quentes de Cal apertando minha cintura, o calor de sua respiração e o gosto de sua boca na minha.
Lembrei de tudo o que foi mais marcante em minha vida. E então ouve a explosão.
Foi doloroso, parecia que ela estava novamente estendendo suas conexões por dentro do meu cérebro, acessando as informações como um cabo USB ao ser ligado a um computador. Todos os acontecimentos que ocorreram após eu haver suprimido Luz começaram a dançar em meus olhos como uma fita acelerada e ela não compreendeu o motivo de haver tantas lembranças as quais não tinha acesso, por isso fechei algumas portas para que ela não pudesse ver tudo.
— O que está acontecendo? Que lembranças são essas? Por que eu nunca as vi? — ela soou desesperada. — Você me suprimiu? Como?
— Não sei Luz. Só sei que aconteceu — respondi e ela continuou acessando apenas as informações que eu lançava a ela. A alma se surpreendeu quando Adam deixou de ser o menino magrelo para se tornar um belo rapaz e tomou um susto quando, numa imagem, constatou que habitávamos em um lugar onde ainda havia vários humanos.
— Ele cresceu? Quem são esses humanos? — questionou.
— São resistentes.
— Como, Samantha? — perguntou usando meu nome pela primeira vez na vida. Ela sempre me chamava somente de humana. — O que está havendo agora?
Não deixei que ela percebesse o que estava acontecendo ao nosso redor e nem que buscasse por mais informações sobre a alma em Adam e por isso joguei em cima dela todo o restante das minhas últimas memórias. Ela acelerou as imagens e viu a floresta escura, a dor das perdas, as lágrimas de Adam, as cavernas de Jeb, as pessoas, o trigo, a água corrente. Ela parou quando a imagem de uma jovem loira, que delicadamente cortava legumes, preencheu sua mente.
— Grace? — perguntou e senti meu peito doer a emoção pertencente a ela.
— Não. Observe.
Em outra memória, Peregrina sorria para mim após eu ter contado algo engraçado. Seus olhos cor de prata brilharam e Luz suspirou quando, ao seguir em frente, viu Ian abraçá-la e beijá-la na boca.
— Ela é uma alma! E o homem é humano? Eu não consigo compreender? O que vocês fizeram com ela?
— Não fizemos nada, ela escolheu seu caminho. E não foi a única de vocês a mudar de lado — sorri e mostrei Sunny e Kyle trabalhando juntos. Luz folheou rapidamente todas as explicações para o que via e senti que ela não sabia o que dizer ou pensar. Um bolo se formou em minha garganta, mas era efeito das sensações dela.
— O que houve comigo? — ela começou a ficar mais atenta e fiquei com medo que descobrisse o que estava prestes a acontecer. Doc havia me contado uma vez sobre almas ameaçadas que retalhavam o cérebro de seus hospedeiros e não quis correr o risco. Minhas mãos se moveram, por comando dela, então expandi as memórias e deixei que ela penetrasse mais fundo. Assim ela não conseguiu pensar direito, recebendo as informações através de um jorro.
Oceano de Luz viu os meus sonhos e as coisas mais bonitas que há em ser um humano. Viu o perdão, a beleza, a fraternidade e a alegria da vida. O som das risadas da infância, os raios de sol incidindo sobre o lago da casa do meu avô, o abraço do amigo há tempos distante. Ela viu o calor da união, a doação, a compaixão e a força do cuidado que mantínhamos na união do bem comum. E então, nosso coração bateu irregular à lembrança de alguém.
O fluxo se espalhou pelo nosso corpo e se dividiu em dois, assim como dois rios que se repartem, mas correm na mesma direção. A alma sentia o que eu sentia e queria o que eu queria. Ela queria tocá-lo, sentir o cheiro dele e repetiu milhares de vez o momento em que seus braços rodearam o meu corpo.
— Você o ama? — ela perguntou.
— Você agora sabe o quanto.
— Mas você nunca disse isso a ele.
— Isso é algo que terei que resolver.
— Ele é uma alma.
— Eu sempre soube disso — respondi, seca.
— Você é humana. Talvez ele prefira uma alma assim como ele. Agora eu estou no controle novamente — uma onda de felicidade vinda dela consumiu meu corpo. Pobre alma, ela tinha a ilusão que de algum modo retornaria a viver como antes. Ela estava tão entorpecida pelas minhas sensações que não percebeu o que havia a sua volta. Como almas agora eram aceitas na comunidade e eu não permiti que ela soubesse que sabíamos fazer a retirada delas de dentro de um corpo humano, vi quando ela pensou que de algum modo teria seu espaço.
— Tem certeza? — perguntei e no mesmo instante mostrei para ela palavras que ele mesmo havia me dito:
“Eu não queria que você saísse daqui, o mundo lá fora é perigoso. Se você for pega, não será mais você e isso jamais seria a mesma coisa.”
“Esperei três mil anos para te conhecer e não me importo de esperar um pouco mais.”
“Queria que soubesse que me preocupo com você de verdade. Fico triste pela alma, mas você é bem mais importante do que ela.”
Com essa última lembrança ela se retraiu e sua dor foi quase que insuportável. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu soube disso porque alguém notou e gritou para acelerarem o processo, pois achava que eu estava de algum modo sofrendo internamente.
— Ele também te ama... — lamentou. — Isso nunca aconteceu em nenhum mundo.
— A terra é estranha. Por isso somente os merecedores podem ficar aqui.
Ela ficou enclausurada dentro de mim, imaginando como seria a sua vida nas cavernas e se ela poderia ficar e viver com a minha família. Minhas emoções a haviam tocado, mas ao contrário de querer me devolver tudo isso, Luz queria de algum modo tomar tudo o que vira para si. Não me importei e deixei que ela sonhasse.
Senti quando aspergiram algo no meu rosto e quando Luz inspirou profundamente minha mente começou a embaçar. Mas dessa vez não havia medo ou dor, eu sabia que voltaria.
— O que está havendo? — a alma perguntou e a penumbra foi ficando maior. Ela estava em pânico enquanto eu estava... estava feliz.
— Adeus, Oceano de Luz. Espero que se torne alguém melhor.
— Adeus? Como assim? Estamos morrendo? — seu desespero egoísta de perder tudo o que havia descoberto e desejado fazendo meu peito arder.
— Não. Não estamos morrendo — eu ri.
Estamos renascendo.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Bom, pessoal, consegui postar apesar dos problemas de internet e da minha mão torcida e inflamada. Sabe, nós, escritores, as vezes deixamos muitas coisas de lado e até passamos dor para nunca deixar os leitores na mão, por isso não custa nada passar por aqui e deixar umas palavras de motivação para que a gente sinta que ainda vale a pena. Sorte que posso contar com algumas pessoas que são sempre fofas e maravilhosas, o meu sacrifício hoje é para vocês!
Bjos, amores, volto quando a minha mão melhorar.