The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 7
Capítulo VII - Gabriel


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
O grupo de Hugo é obrigado a tomar decisões sobre a permanência no reino. Durante uma missão por gasolina, Junior e Clara são surpreendidos por uma explosão.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/554969/chapter/7

A construção se localizava no alto de uma colina com vista para a floresta. Uma enorme casa senhorial se erguia acima dos pinheiros. A varanda frontal está quase completamente tomada pela natureza. Raízes, troncos, galhos e vinhas disputam espaço pela fachada da mansão. Quase não dá para notar a antiga pintura amarelada no meio de tanto verde. O ar cheira a terra molhada e metal. Nuvens escuras e arroxeadas se aproximam da colina onde a casa está posicionada. Os insetos zunem inquietos no meio da floresta. Uma violenta tempestade se aproxima.

Gabriel arromba a porta da frente com um único chute. A madeira podre estala e se desprende das dobradiças enferrujadas. O som e suficiente para acordar os ratos que povoam a escura sala de estar. Vários guinchos agudos e som de patas correndo enchem o local. O lugar está escuro e o ar está carregado de poeira. O garoto invade a cozinha, levantando minúsculas nuvens de poeira aonde pisa. Ele vasculha os armários, a geladeira e o fogão. Depois, sem muito êxito, Gabriel retorna para a sala de estar e começa a procurar o que deseja na estante de pratos. Mas suas ações não estão sendo comandadas. Na verdade, a mente do garoto está confusa, tentando entender onde está e principalmente, o que procura.

Seus pés o arrastam para a sala de jantar, em busca da escada dos fundos e, ao encontrá-la, grita para cima e segue na direção misteriosa do segundo andar.

– Hugo? HUGOOOO?!

Gabriel não sabe como, nem o porquê seu corpo está decidido a procurar Hugo. Sua vontade é sair daquela casa fétida e se esconder da tempestade que se aproxima. A cada passo que dá, seu coração estremece um pouco. Os degraus estão velhos e cada movimento produz um rangido terrível. Com enorme esforço, ele consegue chegar ao andar superior são e salvo. Sua respiração chia com a poeira inalada. Ele desiste de contrariar seu corpo e deixa-o tomar posse dos movimentos. Ele apenas reza para conseguir fugir dali antes que o teto desabe.

Três cômodos se apertam no segundo andar. O primeiro é um quarto de criança, com uma casinha de bonecas rachada e uma cama tão imunda que nem se pode distinguir a cor do cobertor. O segundo se resume a uma pia encardida e uma banheira manchada de sangue seco. Gabriel estremece de medo. Agora que repara melhor, o sangue seco se arrasta pelo piso do banheiro e segue em direção ao terceiro quarto.

O suor brota de sua testa. O medo se expande por seu peito como uma praga. Suas mãos tremem e seus dentes trincam. O ar começa a ficar mais frio à medida que se pés se aproximam da porta. A madeira do chão estala e solta poeira. Seus dedos estão próximos de mais da maçaneta de latão. Trinta centímetros. Sua respiração começa a chiar mais rápido. Vinte centímetros. Ele fecha os olhos, rezando baixinho. Dez centímetros. Ele inspira, e abre aporta.

O quarto de casal está tão imundo quanto o resto da casa. A cama está coberta por uma grossa camada de poeira e as portas do armário estão arranhadas. As duas janelas estão quebradas e os cacos de vidro jazem por todo o chão. O rastro de sangue seco faz uma curva pelo cômodo, parando aos pés de uma penteadeira velha com espelho.

Gabriel quase cospe o coração. Junto ao espelho há uma foto antiga, que ele reconhece muito bem. Três pessoas estão espremidas na imagem. Ele mesmo, Hugo e Sophia. O trio, entre os seis e sete anos, revela três sorrisos iguais e felizes. Gabriel quase chora. Lembrava-se dos dois com tanta saudade que seu peito ardia de dor. Sophia e Hugo sempre estiveram junto a ele, mesmo quando Gabriel inventava suas paranóias alucinantes sobre o fim do mundo.

O garoto segura a foto com as duas mãos e quase abraça aquele pedaço de papel velho. Porém, sua ação é impedida pela chegada de outra pessoa naquele cômodo. Gabriel gira os calcanhares, novamente com o coração em prantos.

Hugo está parado exatamente ao lado de Gabriel. Quase irreconhecível. Seu rosto está mais limpo, mais feliz. O cabelo está curto e suas roupas estão tão limpas que Gabriel quase duvidou que fosse um espírito. Mas aquele não era Hugo. Hugo usava roupas sujas e seu cabelo não fora cortado desde o início do apocalipse.

– O quê faz aqui? – diz Gabriel, segurando a foto com força nas mãos.

Hugo não responde. Só sorri.

– Ótimo! Não precisa responder.

Outra voz interrompe o silêncio da casa.

– Viemos lhe mostrar, Gabriel. – Sophia está sentada na borda da cama, sorrindo da mesma forma que Hugo.

Gabriel sente os pelos se arrepiarem. O choque se espalha por todos os músculos e ossos.

– Sop-So-SOPHIA?! – balbucia ele.

A menina dá um aceno simpático.

– Não é possível! Você não é real! VOCÊS não são reais! – grita Gabriel, sentindo o coração martelar no peito – Estou sonhando! Estou sonhando!

Hugo dá um passo à frente.

– Somos mais reais do que imagina, amigo – diz ele, com uma voz diferente da sua – Viemos atrás de você para lembrá-lo do que fez.

Gabriel se afasta do falso Hugo.

– Mas o que diabos em fiz?!

Sophia aponta para o espelho e Gabriel se vira para encará-lo. O reflexo de Hugo e Sophia continua ali, mas totalmente diferente. O espelho reflete dois mordedores iguais a eles. As mandíbulas estalam e os olhos esbranquiçados revelam o enorme vazio que é a morte. Gabriel da um grito. Os cadáveres de Hugo e Sophia avançam para ele, enterrando suas presas sob a carne. Eles dilaceram o nariz e sugam o tecido da cavidade. A hemorragia se espalha pelo chão, enquanto os dois mortos desconectam a carne e os nervos dos ossos. Mas Gabriel nada sente. Nada funciona mais.

Seu cérebro desliga, e tudo escurece.

Gabriel acorda com um grito estrangulado.

Não há mortos. Nem Sophia. Nem Hugo. Seus olhos demoram um pouco para se acostumarem com a claridade das lâmpadas fluorescentes presas no teto. Ele está deitado numa maca hospitalar, dentro de uma enfermaria apertada. Seu cérebro parece ainda estar dormindo. Ele tenta erguer a cabeça, mas mal consegue mover um músculo. Todos os seus ossos viraram pedra. Sua perna machucada parece pesar mil quilos a mais que o normal. Ele mal nota o som de vozes alteradas a poucos metros de distância.

– O que houve doutor? Ele está morto? Voltou como um deles? – pergunta uma voz infantil.

– Acalme-se, criança. Ele não corre perigo de vida, como já lhe disse – responde outra voz, mais séria – Seu irmão vai acordar aos poucos, mas vai estar consciente daqui a alguns minutos apenas.

O rosto preocupado de Bernardo surge no campo de visão limitado de Gabriel. O pequeno dá um sorriso enorme, segurando a mão do irmão mais velho com uma força extrema.

– B-Ber-Bernardo?! E você?! – sua voz sai rouca e fraca.

– Sou eu sim, mano – responde Bernardo, ajudando o irmão a se sentar na maca – Como está se sentindo? Bem? Mal? Aplicamos muita anestesia? Sabe, eu acho que exagerei um pouco e...

– Acalme-se criança! – diz a voz mais séria – Ele acabou de acordar, ainda precisa de tempo para colocar todos os sistemas em ordem. Deixe-o respirar!

Um homem aparece logo atrás de Bernardo. Seu rosto está marcado pelas olheiras profundas e rugas de preocupação. Um estetoscópio está pendurado em seu pescoço e suas mãos seguram uma xícara de café com cuidado.

– Tudo em ordem, Gabriel?! – pergunta o médico, tomando um gole de café – Está sentindo alguma coisa diferente?!

O garoto nega com uma aceno.

– Ótimo! Deu-nos um grande susto, desmaiando daquele jeito. Seu irmãozinho aqui não saiu do seu lado nem por um instante!

Bernardo dá um sorrisinho tímido enquanto o médico lhe faz cafuné nos cabelos.

Gabriel começa a lembrar-se das coisas. As muralhas, mordedores, um dos soldados mortos, Junior e Clara. As memórias jorraram como uma onda por seu cérebro. Seus olhos desviam para a cabeceira, onde sua pistola e sua faca estavam depositadas. Tanta hospitalidade assim não é comum nos dias atuais.

– Por quanto tempo fiquei fora?! – sua língua parecia ter se transformado em um deserto.

– Dois dias – responde Bernardo – Estávamos só esperando você acordar para decidirmos se vamos morar aqui ou não. Espere só até Hugo saber da notícia, ele ficou aqui com você a noite toda.

Bernardo sai correndo da enfermaria, indo avisar Hugo das boas novas. Por um momento, Gabriel fica ali sentando encarando o médico e pensando nas possibilidades. Iam morrer lá fora. Mas também não podia ter certeza que viveria bem ali, no meio de estranhos.

– O que é este lugar? – pergunta Gabriel, cortando o silêncio.

O médico toma um gole de café.

– Bem, um lugar seguro. Temos muralhas, armas e comida. As crianças vão para as aulas e os adultos dividem os recursos igualmente entre si. Somos um grupo bastante unido, com uma constituição forte que nos mantém em pé. As pessoas que moram aqui já sofreram demais, perderam demais. Mantemos elas a salvo, e elas trabalham para nós.

Gabriel se aproxima da faca.

– Nós?! Você é o líder dessa escola?!

O médico solta uma risadinha.

– Eu?! Não. Temos um líder. Na verdade, um rei. Guilherme mantém isso aqui funcionando desde os primórdios do colapso. Mas o poder lhe subiu a cabeça. Agora, ele e a família acham que são nobres medievais.

Gabriel sente os pelos da nuca de arrepiarem. Por um momento, ele recorda do garoto morto na Estação Central, o “Jovem Príncipe”.

A porta da enfermaria se escancara com a entrada de mais quatro pessoas. Bernardo segue na frente gritando. Hugo vem logo atrás, ajudando um casal de velhinhos a carregarem um ferido usando vestes azuis. Gabriel observa os três depositarem o soldado em uma das macas enquanto o médico corre até o armário de remédios mais próximo. Pelo o que ele pode ver, um mordedor arrancou-lhe metade do ombro. Hugo e Bernardo se afastam da maca para o médico ganhar mais espaço e se aproximam de Gabriel.

– E aí, cara?! – pergunta Hugo, sentando-se ao lado de Gabriel – Como está se sentindo?!

Gabriel para um pouco para observar a cena. Hugo está vestido de paletó, com luvas e sapatos sociais. O garoto quase ri. Para Gabriel, era mais provável a ressurreição dos mortos do que ver Hugo com o cabelo penteado, usando roupas formais.

– Acho que só febre – responde ele, mordendo a língua para não rir – Mas, me conta, por que você está fazendo cosplay do Happy Feet?

Hugo solta uma risada.

– Venha – diz ele – Precisamos seriamente conversar.

Os dois saem da enfermaria lotada e seguem em direção às escadas de incêndio. Durante o seu tempo de estudante, Gabriel cansou de subir aqueles degraus a procura de Hugo e encontrá-lo sentado no telhado, pensando na vida. Sua perna recém-remendada atrapalha um pouco as coisas. Hugo diminui o ritmo dos passos, para acompanhar o amigo em sua luta para subir a escada.

– Sabe, aqui não é tão ruim – começa Hugo, colocando o braço de Gabriel ao redor do pescoço – Tem muralhas, comida e armas. Podemos realmente viver aqui. E o pessoal nem é tão estranho assim. Já reconheci três alunos da nossa sala. Lembra da Sarah?!

Gabriel sobe mais um degrau.

– Aquela menina esquisita, que deu alertou todo mundo sobre a queda das cercas?!

Hugo dá um sorriso.

– Ela mesma. Está vivinha – diz ele – Nossa cara, você está ficando mais pesado!

Gabriel dá um soco no ombro de Hugo, mas se desequilibra e cai com força no chão. Hugo tenta bastante, mas não consegue e cai na gargalhada.

– Aqui está ótimo! – diz Gabriel, ajeitando-se no chão – Agora conta, porque você está usando terno?

– Isso é tudo sua culpa, sabia! O líder daqui nos disse que só poderíamos continuar morando na escola se contribuíssemos para o “bem maior” do grupo. Em outras palavras, trabalhar.

– Atah, mas você está trabalhando em quê? – pergunta Gabriel – Alguma espécie de agente secreto, 007 ou algo do tipo?

Hugo dá outra risada.

– Não. Sou o garçom oficial de Vossa Majestade – diz ele, enchendo-se de orgulho – Junior e Clara entraram para a equipe de busca e coleta. Saíram numa missão ontem e ainda não voltaram. Estou preocupado, mas confio nos dois.

Gabriel quase se engasga. O peso na consciência força ainda mais. Coitados, Junior e Clara foram obrigados a se aventuraram novamente no mundo apocalíptico, só para ele receber assistência médica.

– Se eles não voltarem, eu...

Hugo o interrompe com um gesto.

– Para com isso, não é TUDO sua culpa! Estamos nos infiltrando aqui dentro. Sabe, há mais dois refúgios iguais a esse, os três formam uma espécie de união, trocando mercadorias. Podemos permanecer aqui e aprendermos o máximo que der sobre manter um lugar seguro e, quando estivermos prontos, podemos construir nossa própria base.

Gabriel adorou a ideia. Por um momento, ele imagina uma enorme fazenda, com plantações, cercados para os animais e muralhas protegidas. Algum lugar onde Bernardo pudesse voltar a ser criança, ser feliz.

As vozes aumentam no pátio lá embaixo.

Gabriel se ergue com dificuldade.

– Mordedores? – diz ele, preocupado com a gritaria – Ah, meu Deus! Preciso saber onde está o Bernardo!

Hugo se levanta e olha pela janela no fim do corredor.

– Fica calmo cara! Lembra dos outros dois refúgios que falei. Então, daremos uma festa em homenagem ao grupo dos militares, por todo o seu apoio com o reino e mais um monte de baboseiras. Parece que acabaram de chegar!

Gabriel se dirige até a janela. Daquela altura, só é possível observar cinco caminhões ultrapassando a muralha norte da escola/reino.

Os dois sorriem um para o outro. Mal desconfiam que, na verdade, correm mais perigo do que imaginam.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.