The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 6
Capítulo VI - Junior


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
O grupo de Hugo se reencontra numa possível sociedade livre dos mortos. Mas, após tudo o que sofreram, ainda permanecem desconfiados de tanta hospitalidade



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O gordo conhecido com rei Guilherme I guiou o grupo até uma das salas no primeiro andar do prédio administrativo. Muito da antiga mobília havia se esvaído. Apenas três coisas enfeitavam o espaço. Um espaçoso sofá de couro com um pé quebrado, uma mesinha de centro com garrafas de vinho e uma majestosa cadeira de mogno, provavelmente roubada de alguma mansão pela cidade.

Guilherme fez sinal para que o grupo se acomodasse no sofá enquanto ele se servia de uma taça de vinho tinto.

– Então, como líder e suserano desta escola, é meu dever lhes desejar boas-vindas e explicar nossas funcionalidades – disse ele, pomposo – Antes disso, alguma dúvida?!

Junior levantou a mão, aguardando. Levou alguns segundos até ele perceber que parecia um idiota com a mão levantada.

– Ah, como foi que vocês conseguiram tudo isso?! – perguntou ele – Vocês têm muralhas, armas, animais, plantações e até um ferreiro.

Rei Guilherme tomou mais um gole da taça antes de responder.

– Meu caro amigo, fizemos parcerias é claro!

Hugo perguntou mentalmente para Junior.

– Parcerias?! – disse Clara, se ajeitando no sofá puído.

Guilherme se sentou na cadeira de mogno com um estalo medonho.

– Fazemos parte de uma rede de sociedades. Além de nós, mais três grupos mantém base na cidade – disse ele, contando os dedos – Temos os militares, que nos fornecem munição e armas em troca de comida. Também temos um grupo que reside em Itatiaia, é de onde vieram os animais. E os Olimpianos que moravam num shopping na cidade, mas me informaram que o local foi queimado e dominado pelos “inimigos”.

Clara, Hugo, Bernardo e Junior trocaram olhares e risadas significativas.

– Mas, falando um pouco mais desta escola, como foi que conseguiram transformar isto aqui em um reino? – perguntou Hugo.

– Esperança – respondeu o gordo – As pessoas conseguem manter um nível aceitável de trabalho em grupo. Dê um pouco de esperança e eles se agarram em você como sanguessugas. Foi isso que fizemos. Mantivemos a população bem alimentada e protegia, eles fizeram a parte deles.

Hugo sorriu de forma amistosa. Pouco diferente de seu habitual.

– Sem mais perguntas? Bem, imagino que irão permanecer conosco até que seu amigo esteja saudável o suficiente para partir. Infelizmente, não podemos aceitá-los de bom grado sem receber algo em troca.

Um trovão poderoso sacudiu as janelas.

– O que quer de nós? – perguntou Clara, colocando a mão na faca escondida.

Junior percebeu os olhos de Guilherme e tentou impedir que a irmã fizesse alguma besteira.

– Preciso que vocês se integrem no sistema. Falando em outras palavras, trabalhando para manter o reino funcionando. Vocês podem se alistar no grupo de buscas, ou se integrar na muralha. Há sempre algo para fazer. Por favor, é tudo o que lhes peço.

Hugo sorriu de forma estranha novamente. Junior achou melhor não desconfiar e tentou se sentir confortável naquele sofá.

– Pode nos dar licença durante alguns segundos? – perguntou Hugo – Preciso discutir as alternativas com meu grupo.

Rei Guilherme concordou com a cabeça e saiu da sala, levando a taça e duas garrafas cheias.

Outro trovão sacudiu as janelas da sala.

– Bem, é o mínimo que podemos fazer – disse Junior, se apoiando na parede – Ele nos deu abrigo, comida e proteção.

Clara fuzilou o irmão com os olhos.

– Não é só por isso que precisamos ficar – concluiu Hugo – Podemos aprender um pouco mais sobre o trabalho em conjunto. Talvez, quando sairmos, estaremos prontos para fixarmos moradia em algum lugar.

– Precisamos de você para isso, Hugo! – disse Clara.

Os olhos verdes de Hugo fitaram Clara com desconfiança.

– Como assim?!

– Você é o nosso líder. Precisamos que você se aproxime do rei sei-lá-das-quantas e aprenda o máximo que puder sobre governar. Talvez ele até possa nos colocar nessa “rede de sociedades” para conseguirmos armas e comida.

Hugo quase sorria.

– Vou tentar o máximo que puder. Mas não posso voltar a ser um líder. Você viu o que aconteceu da última vez...

Clara revirou os olhos.

– Aquilo não foi sua culpa. Todos naquele dia haviam decidido estar ali. Pare com todo esse melodrama...

Bernardo se juntou à conversa:

– Não sou bom em quase nada, mas talvez eu possa pedir para aquele médico me deixar ser enfermeiro. Pelo menos posso ficar de olho no Gabriel.

Hugo sorriu para o pequeno e se virou para os outros dois.

– E vocês?

– Iremos nos juntar ao grupo de coleta. Vamos nos infiltrar entre os soldados deste lugar – respondeu Junior, confiante – Posso até tentar fazer amizades.

Guilherme entrou na sala logo depois, com as bochechas coradas e fedendo a vinho. Sua coroa oscilava de um lado para o outro.

– Já tomaram uma decisão, certo?! Ótimo! – disse ele, um pouco bêbado – Desculpe pela bebedeira, sou uma pessoa que não sabe lidar com preocupação. Mas não estamos aqui para lidar com problemas psicológicos, não é? Bem, vejamos, algum de vocês se alistará para busca de mantimentos e suprimentos?

Clara e Junior levantaram as mãos.

– Ótimo! Ótimo! Podemos armá-los com coisas leves, mas...

A frase foi interrompida pela chegada de mais uma pessoa. Era um menino, na idade de Junior e Hugo, com cabelos e olhos do mesmo tom de castanho escuro. Vestia as mesmas vestes azuis dos outros guardas, mas as suas pareciam sujas e encharcadas. Junior achou-o vaidoso à primeira vista, com o cabelo um pouco estiloso e as vestes soltas de um jeito “garotão”.

– Vossa majestade, perdoe-me pela interrupção – disse ele, mal reparando nos outros presentes – Tivemos alguns problemas com o ônibus número três. Sairemos ao entardecer.

Guilherme deu um sorriso animado, fruto da bebedeira.

– Meu caro André, não há problema algum – saldou Guilherme – Mas, antes de ir, preciso apresentá-lo aos seus dois novos parceiros de aventuras.

Junior apertou a mão do estranho ainda impressionado. O garoto era de sua idade, ou mais novo, e já era integrado numa equipe de busca e coleta de suprimentos pelas ruas de uma cidade infestada de mortos. Aquele dia ficava mais estranho a cada minuto.

– Se puderem me acompanhar – disse André, formalmente – Temos que passar no depósito de armas para equipá-los. Sabem atirar?

Junior soltou uma risada debochada. O garoto amarrou a cara e saiu marchando da sala.

Outro trovão descontraiu o clima da sala. Junior e Clara saíram atrás do menino novo e sumiram no corredor. A chuva explodiu pelas janelas, seguida de mais um trovão poderoso. Guilherme ficou parado durante alguns minutos, apreciando o vinho. Só se levantou quando as janelas sacudiram por conta da chuva.

– Acho que deve rezar muito por seus amigos – disse Guilherme, fitando a janela com a taça nas mãos – Com esta chuva, eles realmente vão precisar!

...

A tempestade ia castigando a cidade à medida que o ônibus avançava pelo centro do Rio de Janeiro. Junior estava com a cabeça encostada no vidro gelado, se concentrando apenas em sentir o cheiro de terra molhada. Era um de seus cheiros favoritos. Fazia-o lembrar do sítio onde ele e a irmã passaram a infância. Mas péssimas recordações vinham junto com a terra molhada. Junior ainda lembrava-se de ver o noticiário sobre as chuvas que destruíram a região serrana. Pior ainda, nunca ia conseguir esquecer que o cemitério onde enterraram o avô deles tinha um inquietante cheiro igual ao do sítio.

Clara se mexeu desconfortável ao seu lado. Os dois carregavam mochilas de escaladores nas costas, facas nos cintos e uma pistola nas mãos cada um. André estava um pouco mais a frente, afiando a ponta de sua lança. Guilherme, após assumir o controle da escola, apoiara o uso de armas brancas no lugar das de fogo. Segundo ele, eram mais leves e faziam menos barulho. Pelo menos, fora isso que Alice dissera.

A garota estava sentada na outra fileira de bancos, entretida numa conversa com Clara. Seu habitual rifle Remington .308 estava apoiado no banco ao seu lado, como um defensor. Clara já havia formado um laço de amizade com Alice. As duas eram fortes, e pareciam entender bem as regras do fim do mundo. Ou você é forte, ou você morre.

– Bem, não digo uma mudança drástica – disse Alice – Só uns retoques, talvez.

– Estão falando de quê? – perguntou Junior, cansado de ficar só pensando.

Alice abriu um sorriso com covinhas.

– Olha só a sua irmã! – disse ela – Precisamos deixá-la um pouco mais feminina.

Junior reparou nas roupas de Clara. Realmente, ela não parecia muito feminina com boné, camisa de flanela e calça jeans rasgada.

– Vivemos no fim do mundo, Alice! – disse Clara, sorrindo – Não tenho tempo para pensar em estilo!

Alice deu a língua para a amiga.

– Você não está mais sobrevivendo – disse ela – Você agora tem abrigo, comida e segurança. Pode voltar aos hábitos femininos antigos.

Clara revirou os olhos.

– Penso nisso quando voltarmos para a escola – disse ela – Por enquanto, deixe-me livre para escolher o que eu quiser.

O motorista do ônibus, um jovem entre os dezessete e vinte anos, deu um último trago no cigarro e chamou a atenção do grupo reunido nos bancos. André silenciou as conversas com um gesto e se aproximou do motorista.

– Estamos no vermelho – informou o motorista – Se não arranjarmos gasolina logo, ficaremos sem volta para casa.

André demorou algum tempo para avaliar a situação.

– Encoste o ônibus na próxima esquina – disse ele, levantando a voz para o resto ouvir – Vamos descer e procurar um posto por perto.

Junior se surpreendeu com a capacidade do motorista. Ele mesmo só conseguia enxergar as gotas furiosas da chuva que caía.

Clara se levantou com um pulo e destravou sua Ruger 9mm. Junior fez o mesmo com a Colt 1911 enquanto Alice recarregava seu rifle.

– Ok, pessoal! – disse André, abrindo as portas do ônibus com um chute – Vamos descer!

A água encharcou os ossos de Junior assim que ele saltou do ônibus. Estavam estacionados numa das ruas próximas ao porto do Rio. Ele conseguia distinguir os borrões distintos que eram os guindastes abandonados. Havia sete pessoas naquele grupo, além do motorista, ele e a irmã, André e Alice, mais dois guardas de azul se voluntariaram para a missão. Junior não conseguia enxergar nenhum deles naquele dilúvio.

– Se espalhem pela rua – gritou a voz de André, em algum ponto a sua esquerda – Se forem atacados pelos “inimigos”, gritem!

Junior não sabia se os inimigos de quem ele se referia eram os mordedores ou algo pior, mas não pode perguntar, pois o grupo se separou em diversas direções no instante em que considerou sua pergunta.

Não restava alternativa. Junior saiu correndo atrás da irmã e de Alice, paradas a poucos metros de distância. As duas pareciam estar se dando bem com a chuva. Clara estava de boné e Alice de capa. Apenas Junior foi tapado o suficiente para entrar no meio da chuva sem proteção.

Alice parecia estar apontando para um dos prédios escurecidos.

– É logo ali – disse ela, sua voz abafada pela chuva constante – Logo depois do barzinho.

Junior parou deslizando perto das duas.

– Alice já morou neste bairro quando era pequena – explicou Clara para Junior – Ela diz que havia uma oficina mecânica em algum ponto desta rua, repleta de carros.

Os três seguiram pela rua, cientes da tempestade ao redor. Junior começou a ficar preocupado. Seria inútil lutar contra mordedores naquele lugar. Ele mal conseguia enxergar as meninas na sua frente.

– É logo depois da esquina – gritou a voz de Alice.

Os três pararam derrapando em frente a uma série de portas de garagem que se estendia até onde Junior podia ver, o que já não era muito. Junior tentou abrir as portas da oficina, mas o tempo havia enferrujado demais todas elas.

– Podemos arrobar a fechadura com as ferramentas que estão no ônibus – disse Alice, pensativa – Só vou demorar uns segundinhos e... Ah, meu deus!

Uma dezena de pontos pretos mancava em direção ao trio. O som dos rugidos esfomeados se juntou ao barulho inquietante do dilúvio. Alice e Clara começaram a disparar as armas, produzindo uma explosão de flashes e cápsulas. Junior tentou derrubar alguns na sorte, mas não conseguia ver nem a ponta da armas. Os pontos foram ficando mais próximos. Junior ouviu o som do pente vazio de Clara e um xingamento de Alice.

Um dos mordedores avançou para Junior e derrubou os dois no chão molhado. O garoto tentou pegar a arma, mas algo lhe dizia que sua Colt 1911 estava muito longe do seu alcance. As mandíbulas apodrecidas se aproximaram do seu pescoço. O cheiro de podridão com fezes entupiu novamente suas narinas. Junior, agindo por instinto, tentou empurrar o crânio para longe dele. Ao invés disso, seus dedos afundaram na gosma cinzenta que eram o antigo olho daquele defunto. Sangue escorreu pelas bochechas mortas enquanto Junior retirava as mãos fedidas de dentro das órbitas do morto-vivo. Ele se preparou para o ataque do mordedor, procurando a faca no cinto para derrubá-lo logo.

Uma lança acertou a testa do mordedor antes que os dedos de Junior tocassem o cabo da faca. O morto caiu estatelado no chão, sofrendo com os espasmos pós-morte. Um longo chifre de madeira estava projetado para fora de seu crânio. André surgiu logo depois, tão molhado e sujo quanto Junior.

– Foi mordido?! – disse ele, preocupado – Ele te arranhou ou algo do tipo.

Junior fez que não com a cabeça e deu um soco de leve no ombro de André.

– Ficou de devendo uma – disse Junior.

– Me pague um refrigerante quando voltarmos – disse seu possível novo aliado.

As duas meninas surgiram de escuridão logo depois. Clara havia perdido o boné e Alice, o rifle. Tirando isso, as duas pareciam bem.

– Estão todos bem?! – disse André – Ótimo! Achamos um posto numa das ruas próximas. Vamos só esperar a chuva passar, e prosseguimos a missão.

Antes que Junior pudesse responder, algo surpreendente aconteceu.

Uma bola de fogo sacudiu o chão e iluminou a noite chuvosa. De longe, até mesmo Junior pode ver os destroços carbonizados do ônibus serem lançados para o céu.


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