Opostos escrita por Bellice


Capítulo 3
O Jantar.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Capítulo III – O Jantar

“Se não dosado, o sofrimento é um sentimento tão forte quanto amor, embora ambos sejam opostos, há uma ligação indireta. Sofrimento é a causa das decepções, das desilusões, das perdas. O amor talvez seja a transformação das decepções em alegria, das desilusões em certezas e das perdas em boas novas. O amor tem esse poder transformador. Então é isso, o sofrimento é forte, mas o amor é eficaz. De que adianta ter força e não ter direção ?”

Autor desconhecido.


Ugh. O meu dia estava péssimo. Meu chefe inventou de me escravizar justo hoje, quando eu tinha uma monografia da faculdade para entregar. Não era como se eu não trabalhasse direito, era apenas a vida fazendo piada com a minha cara. Na editora quase nunca havia serviço a mais, mas justo hoje, justo quando não podia ter, tinha. E eu me ferraria se entregasse a monografia incompleta.

–Isabella, espero que esta revisão esteja pronta o quanto antes. Assim que você terminá-la, poderá ir para casa. –O idiota lançou-me um sorrisinho cretino e entrou novamente em seu escritório, fechando a porta com força. Bem, ainda me restavam cinquenta folhas para revisar, e isso seria rápido se o manuscrito se tratasse de um assunto fácil, mas não. Era algum tipo de artigo na área de medicina. O dicionário era meu aliado fiel nesta batalha, e o tempo era meu inimigo número um. Porém, eu faria o meu melhor. Eu precisava terminar tudo isso o quanto antes, mesmo. Assim, eu poderia sair mais cedo e terminar a minha monografia. Perfeito.

Às vezes, até os médicos podiam ser bem desinformados em certos assuntos, principalmente quando precisavam escrever um artigo informativo. Foi tudo o que pude pensar enquanto corrigia o décimo quinto erro no texto do homem, e adivinhem? Eu ainda estava na página cinco. Qualquer área poderia errar na escrita, porém, os médicos eram vistos como uma espécie de divindade na terra, e era estranho as pessoas não notarem o quanto eles são pessoas normais, nem melhores, nem piores que ninguém. Eles eram reconhecidos, e realmente merecem o reconhecimento que têm pela nobreza de sua profissão. No entanto, os professores também mereciam. Por que um era exaltado enquanto o outro, que educava a todos, era visto como um fracassado? Muitos viam ainda dessa maneira e, infelizmente, eu senti na pela esta realidade com minha mãe. Passar conhecimento a alguém não dava dinheiro, então, para ela, simplesmente não era importante.

Suspirei, cansada de não conseguir superar a rejeição de minha própria mãe. Era irreal o quanto eu ainda me abalava por me lembrar de como ela fora cruel. Eu devia apenas ignorar, esquecer. Estava seguindo meus sonhos, e não precisava mais dela. Eu tinha meu próprio emprego, mesmo que o salário fosse pequeno demais para tudo, na maioria das vezes. Um emprego que não seria mais meu se eu não terminasse essa revisão o quanto antes.

Sem mais pensamentos tristes, voltei minha inteira atenção aos papéis à minha frente. Era hora de trabalhar. As crises existenciais poderiam esperar algumas horas.

(...)

–É tudo por hoje. Vocês estão dispensados. –Eu quase suspirei de gratidão ao ouvir a frase final da minha professora de literatura inglesa. Tudo ocorrera bem. Eu entreguei a revisão que meu chefe queria uma hora antes do fim de meu expediente e, como prometido, ele me liberou mais cedo. Chegando em casa, fui correndo finalizar a minha monografia, e o resultado final foi fantástico. Eu estava orgulhosa de mim mesma. Eu tinha conseguido tempo para tudo, e o mais importante: ambas as tarefas estavam terminadas e muito bem feitas.

Chegando à faculdade, tudo o que tive de fazer foi entregar a monografia. Depois de um discurso rápido da professora sobre os conteúdos da prova na próxima semana, ela finalmente nos liberou. Mais cedo. Foi um alívio. Parecia que nem todos lá em cima me odiavam, afinal de contas. Até que eu estava com sorte hoje.

Assim que passei pela cantina da faculdade, que era caminho para a saída, senti meu estômago roncar. Bem, não havia dado tempo exatamente para tudo hoje. Porém, isto era só um detalhe que se resolveria assim que eu chegasse em casa, abrisse minha geladeira, e descongelasse minha deliciosa lasanha no micro-ondas. O quê? Eu morava sozinha, tinha um emprego e estudava. Simplesmente não havia tempo para comidas saudáveis e trabalhadas.

Enquanto caminhava para casa, só pensava no quanto meu final de dia seria perfeito: eu comeria, daria uma organizada no meu minúsculo apartamento e, por fim, cairia quase morta na cama, e só acordaria na manhã seguinte. Sim. Esse era um ótimo plano para o fim da noite. Perfeito.

No entanto, meus pensamentos dissiparam-se quando meu celular tocou em minha bolsa. Rapidamente, alcancei-o e me preocupei assim que vi o número residencial de Rosalie na tela. Bem, não era como se eu fosse pessimista e neurótica – embora eu fosse ambos os adjetivos, na maioria das vezes – mas Rosalie nunca ligava. Nunca mesmo. Salvo, é claro, quando ela tinha uma emergência em que ninguém mais poderia ajudar, como ontem, quando ela me pediu para buscar Claire na escola. Sendo assim, ou ela queria outro favor, ou havia acontecido alguma coisa com minha sobrinha.

–Alô. –Atendi depressa, pedindo mentalmente que nada grave tivesse ocorrido.

–Oi, tia Bella.

–Claire, está tudo bem? –Rapidamente, relaxei. Soltei o ar que eu nem percebi que estava segurando. Ela estava bem. Minha menina estava bem, e talvez só quisesse conversar. Sorri. Era bom saber que alguém ainda se preocupava comigo.

–Tudo ótimo! –Ela soltou uma risada gostosa e empolgada, aquelas risadas típicas de criança, que contagiam a todos. Sorri com sua felicidade. Era assim que queria vê-la sempre: alegre.

–Ah é, mocinha? E posso saber o motivo dessa empolgação toda?

–Sim! É por isso que eu liguei pra você, tia! Você não vai acreditar! Euzinha, Claire Swan McCarty, acertei tudinho no teste do professor Edward! Tia Bella, eu te amo! Nunca ia ter conseguido sozinha, e mamãe nunca me ajudaria, só me daria uma bronca!

Sorri. Minha menina era inteligente. Ela havia conseguido, afinal, não só ir bem na prova, mas acertar todas as equações. E, bem, ela não teria mesmo conseguido sem mim. Esses pequenos acontecimentos faziam com que eu esquecesse todo o drama e rejeição em minha vida. Eu ainda tinha Claire, e ela tinha orgulho de mim. E não orgulho pelo que eu fazia ou deixei de fazer, e sim orgulho apenas por eu ser quem eu sou. A tia que ela adorava. E nada no mundo era mais precioso que essa sensação de se sentir querida e amada. Uma sensação que eu quase nunca senti, mas que era muito bem vinda.

–Princesa, a tia está muito orgulhosa de você! Viu? Eu disse que você iria conseguir, era só tentar mais um pouquinho! Precisamos comemorar! Que tal uma ida ao shopping no final de semana, uh?

Eu estava sorrindo como uma idiota no meio da rua, quase chegando ao meu prédio. Quem se importava em economizar dinheiro numa hora dessas? Ela merecia ao menos um sorvete de casquinha, pelo amor de Deus! Minha sobrinha havia acertado todas as malditas equações que o carrasco, vulgo professor Edward, tinha aplicado na prova. E graças a quê? A minha explicação. Ele precisava saber que fora eu quem havia ensinado. Precisava sim. Eu daria tudo para ver a expressão de surpresa e incredulidade em seu lindo rosto. Quem é que possuía dificuldade com os números agora, professor Cullen?

–Na verdade, o professor Edward ficou muito impressionado com o resultado, então, ele me perguntou se eu tive ajuda, e eu disse que tinha sido a minha tia Bella que me explicou tudinho tudinho ontem à tarde.

–Oh, é mesmo? E o que ele disse, querida? –Eu estava mais curiosa do que devia para a resposta, mas simplesmente não conseguia evitar.

–Ele não respondeu na hora, tia. Ficou me encarando estranho, meio que com a boca aberta. –Uau, eu havia deixado alguém sem palavras pelo visto. Isso mesmo, Isabella. Muito bem. –Aí depois ele pareceu acordar, me deu os parabéns mais uma vez e disse que queria muito falar com você.

O maldito queria muito falar comigo. Comigo, Isabella Swan. Oh, meu Deus. Será que ele queria apenas averiguar se Claire não estava mentindo? Minha sobrinha não mentia, e também não era nada cordial duvidar de minhas habilidades em matemática, embora eu reconhecesse que sim, elas eram poucas. Todavia, se ele quisesse apenas tirar a limpo, levaria um belo de um tapa. Eu senti minha mão formigar. Bem, pelo menos eu tocaria a pele e a barba do professor Cullen de algum jeito. Era melhor do que nada, no final das contas. Ai, porra. Eu precisava arrumar um namoradinho qualquer, pois essa carência exacerbada e essa atração inexplicável não podiam ser normais.

Na verdade, podiam porque, merda, o homem era gostoso. E quando eu digo gostoso eu realmente quero dizer isso. Em todos os sentidos da palavra.

–Tia? Você ainda está aí?

–Sim, pequena. Conte para a tia Bella o que você disse para seu professor após isso.

–Eu disse que nós podíamos, tipo assim, marcar uma janta aqui em casa, porque mamãe ficaria orgulhosa de mim ao saber o quanto eu fui bem, vovó poderia se exibir e você seria o centro das atenções da noite, porque né, você que me ajudou, e meu professor poderia falar com você sem problemas aqui em casa!

Merda. A ideia era horrível! Por quê? Simples: Claire estava absolutamente certa sobre duas destas três coisas. Rosalie ficaria orgulhosa sim, mais pelo professor reconhecer do que pelo desempenho da filha, mas mesmo assim, ainda ficaria orgulhosa; Minha mãe com certeza se exibiria nesse jantar, pois falaria milhões e milhões de vezes o quanto Rose sempre fora um sucesso, o quanto Rose se parecia com ela, e o quanto Rose educou a filha tão bem como ela havia educado a nós duas; aí vinha a parte em que Claire estava errada, ou apenas inocente demais para entender: minha mãe continuaria com a triste história de como tivemos que crescer sem um pai, e como fora difícil para ela cuidar de duas crianças sozinhas, e o quanto, agora, era difícil para ela aceitar minhas escolhas totalmente diferentes do que ela havia me incentivado a vida toda, por, segundo ela, pura rebeldia. O centro das atenções com certeza seria eu, porém, não da maneira que Claire esperava.

Eu simplesmente não podia ir a esse maldito jantar. Embora eu quisesse muito, muito mesmo, saber o que o professor Cullen tinha para falar comigo.

–Oh, Claire, você sabe o quanto a tia anda cansada. Ele irá aí semana que vem? Será uma semana puxada de provas para mim. Infelizmente, não poderei estar presente, e...

–Não, tia Bella! O professor Edward vem hoje à noite, e eu já disse que você iria estar aqui! Mamãe está preocupada em como você e a vovó vão agir perto uma da outra, mas ela está feliz também por eu ter tirado uma nota tão boa! Ela disse que é bom ser melhor do que os outros coleguinhas da minha turma, mas tia, eu não me acho melhor só por ter acertado tudinho em um teste idiota. Tipo assim, saber encontrar o valor do x numa conta não diz nada sobre quem eu sou, ou sobre quem meus colegas são. Ou diz, tia Bella?

Ah, droga. Essa menina sempre conseguia me impressionar com tantas palavras estranhamente racionais e verdadeiras. Merda, eu não sabia de onde ela havia tirado tanta inteligência com tão poucos anos.

–Não, princesa. Encontrar ou não o valor do x em uma equação não diz nada sobre ninguém. As pessoas não se limitam a números. Vão muito além disso.

E como uma dedicada e boa tia que eu era, ou tentava ser, pelo menos, eu prometi a Claire que estaria lá dentro de poucas horas, abandonando todos os meus planejamentos bobos para o fim da minha noite. Era minha sobrinha, e eu estaria lá por ela, e apenas por ela. Se minha presença a faria feliz, então eu estaria lá.

Mesmo sabendo que minha mãe nem de longe desejava o mesmo que Claire.

(...)

Eu cheguei à residência de Rose às seis da tarde. Antes de entrar, respirei fundo umas duas vezes. Era idiota, mas eu realmente não queria ter vindo. Eu não precisava passar por mais uma sessão de recriminações como era toda “reunião de família” em que minha mãe estivesse. Porém, essa seria mil vezes pior, pois o professor de Claire estaria, ou já estava, lá dentro. Ele presenciaria tudo, e talvez até se justasse à minha família para questionar meus sonhos. Emmett, o marido de Rosalie, era o único adulto que nunca havia me criticado. Claro, ele nunca elogiou, mas ele nunca apontou o dedo para mim e disse que eu estava errada. Eu gostava dele.

Isabella. Você chegou muito cedo ou algo assim para estar parada aqui fora? –A voz rouca dirigida a mim fez com que um arrepio percorresse meu corpo. Merda, isso tinha como ficar pior? Eu estava evidentemente atraída pelo professor da minha sobrinha, e ele falando meu nome daquele jeito não estava ajudando em nada.

–Na verdade, eu estava pensando em quanto tempo eu tinha para dar meia volta e fugir sem que ninguém percebesse, mas você meio que estragou meu plano, então...

Eu tinha a péssima mania de mexer em minhas mãos o tempo todo e olhar somente para baixo quando estava nervosa com alguma coisa. Era o que eu estava fazendo neste momento, de qualquer maneira.

–Ei. –O professor Cullen, que antes estava atrás de mim, já que recém havia chegado, estava rapidamente à minha frente. Sua mão foi para meu queixo, forçando-o para que eu olhasse para cima, para ele. E eu olhei. Seus olhos verdes eram definitivamente os mais bonitos que eu já havia visto. Quer dizer, eu pensei nisso quando o vi pela primeira vez ontem, mas hoje eu não podia deixar de confirmar aquela imensa verdade. Sua barba ainda estava por fazer, e eu ainda queria tocá-la. Eu queria muito tocá-la, assim como queria comprovar com minhas mãos se seu cabelo era tão macio quanto parecia. Merda, onde esses pensamentos estavam me levando? –Pare. Por que você está tremendo? –Só agora eu percebi que sua mão já havia saído de meu queixo e que ele havia usado suas duas mãos para parar as minhas. Eu sabia o quanto era chato quando eu fazia isso, eu ouvi o quão era irritante a minha vida toda por minha mãe. Ela não gostava que eu e Rose ficássemos nervosa, dizia sempre que demonstrava fraqueza.

–Eu só não queria ter que passar por isso hoje. –Minha voz saiu fraca, sufocada. Era a verdade. Eu não queria ter que enfrentar minha mãe hoje, eu simplesmente não aguentava mais. E mesmo que o professor da minha sobrinha não soubesse sobre nada disso, a verdade, curta e fria, simplesmente saiu.

–Oh, me desculpe então, Srta. Swan. Não sabia que minha presença a incomodaria. –Suas mãos não estavam mais segurando as minhas, e ele deu um passo para trás, mantendo uma distância respeitadora até demais. Eu franzi o cenho, confusa. O quê? Por que ele voltou para a formalidade do sobrenome? Bem, eu gostava do Isabella quando ele pronunciava meu nome. Era quente. Era muito quente. –Irei embora. Por favor, transmita meus cumprimentos para os pais de Claire, eles com certeza estão muito orgulhosos.

Ah, merda. Edward havia entendido que eu não queria estar ali por causa dele? Bem, isso estava longe de ser verdade. A presença dele não era o problema, minha família era.

–Não! Professor, desculpe-me se passei esta impressão! A sua presença não me incomoda. Digamos que eu e a minha família... Bem, nós não concordamos em muitas coisas, então eu procuro evitar participar dessas reuniões. Só estou aqui por que Claire disse que você queria muito falar comigo. –O homem sorriu torto e se aproximou novamente. Puta merda, que sorriso era aquele? Eu queria beijá-lo. Porém, ele provavelmente estava achando graça dos meus problemas insignificantes.

–Sim. Eu quero, mas conversaremos depois. Toda família tem seus problemas. Tenho certeza que eles só querem o melhor para você, Isabella. –Oh, e lá estava o Isabella novamente. Eu sorri sem graça, nem concordando, nem discordando de seu ponto. Eu sabia que ele estava errado, mas o que ele tinha a ver com isso, afinal? O professor da minha sobrinha não precisava ficar sabendo da minha vida. Só havia sido convidado para um jantar, e depois nunca mais nos veríamos. Pronto. Talvez nem falassem mal de mim na frente dele... Na melhor das hipóteses.

–Vamos entrar? Tenho certeza que todos devem estar esperando por você. –Mudei de assunto rapidamente, dando-o por encerrado. Assim que eu toquei a campainha, ouvi o gritinho animado de Claire dizendo que “devia ser a tia Bella”. Eu sorri. Essa menina era um doce.

–Olá, você deve ser o professor de Claire. Seja bem-vindo à casa de minha filha Rosalie, por favor. –Para piorar a situação, foi minha mãe quem abriu a porta e, mesmo eu estando na frente de Edward, ela agiu como se eu fosse invisível. Bem, eu estava acostumada a ser ignorada, mas não ser nem percebida pela sua mãe era muito pior. Eu olhei para Renée, ainda esperançosa por um simples cumprimento, mas não. Ela havia aberto a porta para que Edward pudesse passar e olhava sorrindo para ele, apenas para ele. Minha mãe realmente não queria que eu estivesse ali. E eu já sabia disso, tanto que não queria vir, mas doía tanto quando estamos presentes, sentindo a rejeição tão de perto. Eu queria sair correndo dali, voltar para o meu apartamento, me enrolar no meu edredom e chorar até não poder mais.

Eu estava paralisada, estacada bem à frente da porta e consequentemente de minha mãe. Aquilo não parecia afetá-la, entretanto, senti quando Edward colocou uma de suas mãos gentilmente em meu ombro, fazendo com que eu desgrudasse os olhos de Renée e olhasse para ele.

–Depois de você, Isabella. –Ele sorriu fraco e falou um pouco alto demais, como se quisesse que minha mãe ouvisse também; como se soubesse só de me olhar que eu precisava de algum incentivo para não sair chorando dali. Como se se importasse. Embora ele nem me conhecesse para se importar, é verdade, eu pelo menos queria me dar ao luxo de pensar que sim. Era bom ser bem tratada, era bom receber pequenos atos de gentileza como este de Edward, e eu não recebia um há tanto tempo que a vontade de chorar só aumentou.

–Tia Bella, você veio! –Claire passou pela porta ignorando a avó e me abraçou. Seus bracinhos passaram por minhas pernas, pois sua altura ainda não chegava direito em minha cintura, e eu a abracei de volta, feliz por não ser invisível para todos daquela casa.

–Eu vim, princesa. Por você. –E pelo seu professor muito gostoso que fica me lançando sorrisos tortos e vozes roucas, pensei; porém, isso não vinha ao caso.

–Você também veio, Professor Edward! –Claire largou minhas pernas e foi a vez das de Edward sofrerem o seu abraço. Eu ri vendo o quanto ele parecia gostar dela, e o quanto ela parecia sentir o mesmo por ele. Era triste, mas acho que Edward abraçava mais a Claire do que Rosalie. Ela não era o tipo de mãe que gosta de muitos carinhos, afinal.

–Claro que eu vim! É uma ocasião especial, não é? Todo o esforço e resultado positivo devem ser comemorados!

–Sim! Vamos entrar logo! Eu estou, tipo assim, morrendo de fome! –Respirei fundo, contei até dez e, finalmente, tomei coragem para entrar na casa da minha irmã. Passei por minha mãe sem nem ao menos cumprimentá-la. Bem, já que ela queria assim, quem sou eu para discordar? Eu estava cansada de tentar ser quem eu não era.

Minha irmã me cumprimentou com um sorriso, mas para o professor de sua filha, ela fez questão de dar um abraço. Aquilo meio que me surpreendeu, porque realmente, Rosalie não era aquele tipo de mãe carinhosa e dedicada, mas estava fazendo um bom papel. No final, tudo se resumia a isso: aparências.

Já Emmett, seu marido, me recebeu com um sorriso e um abraço. Ele sempre era gentil, eu realmente o adorava. Tratou Edward como um homem normal, chamando-o de cara após dois minutos da apresentação formal, se assim possamos dizer. Rosalie começou a recriminar o marido, mas o professor Cullen disse que não se importava. Ele parecia um homem simples. Não que ele tivesse alguma coisa de simples, bem, aquele homem estava longe de ser isto; o que quero dizer é que ele não se colocava num pedestal apenas por ser professor. Era uma boa qualidade.

A família toda tratou-o super bem. Mamãe e Rosalie foram para a cozinha colocar a mesa e Edward e Emmett engataram em uma conversa sobre futebol. Claire ficou sentada ao meu lado o tempo todo, apenas ali, me abraçando às vezes. Acho que até ela ficava com pena da tia que visivelmente excluíam sempre.

–O jantar está na mesa, pessoas! –A voz animada de Rose soou nos ouvidos de todos nós, e eu soltei um suspiro nervoso.

O show de horrores estava apenas começando.

(...)

–Professor Cullen, fico muito feliz que tenha vindo à nossa casa comemorar o destaque de nossa pequena filha. Ela sempre foi esforçada, não tinha dúvidas de sua capacidade. –Rose sorria simpática para o professor, e eu tive que me segurar para não abrir minha boca. Quer dizer, sim, Claire era esforçada, mas que ela não tinha dúvidas da capacidade da filha? Ela nem sabia que a menina tinha um teste no dia seguinte, pelo amor de Deus!

–Bem, na realidade, Claire sempre foi esforçada sim, mas nunca foi muito bem em matemática. Estou feliz em ver que a família a apoia nas dificuldades. É uma grande qualidade.

–Claro. A minha Rose sempre criou muito bem minha neta. Alguém pelo menos tinha que valorizar o quanto eu me esforcei para criar minhas filhas.

Ah, merda. Eu não disse? Sempre acabava em mim...

–Mandou bem, filha! Eu sei o quanto você odeia matemática, então deve ter se esforçado muito além do normal. O papai está orgulhoso. –Emmett sorriu genuíno para sua filha e eu sorri com aquele gesto. Bem, nem todos ali estavam perdidos, afinal. Emm era um homem bom para a minha Claire. Era tudo o que eu queria.

–Na verdade, papai, eu não me esforcei quase nada, porque...

–Filha, não seja tão modesta! Eu já falei que é ótimo ser melhor do que os coleguinhas de classe. –Ah, eu não disse? Rose sempre com o mesmo discurso.

–Ouça sua mãe, Claire. Os pequenos destaques separam gente ordinária de gente extraordinária.

–Eu não terminei de falar! Eu não me esforcei quase nada, porque eu sinceramente não tinha entendido o que eu tinha que fazer com as equações. O professor Edward explica muito bem, mas eu não estava conseguindo entender tudo aquilo, então a tia Bella disse que ia me ajudar. No início eu não acreditei, porque tipo, todos sabem o quanto ela usa a calculadora pra tudo, mas ela ajudou mesmo! Ficou muito mais fácil quando ela associou o positivo e o negativo com o bem e o mal! Eu entendi tudinho, tudinho mesmo!

–Oh, então foi isso? O bem e o mal? –Edward, que estava sentado ao meu lado à mesa de jantar, lançou um sorriso para mim. Ele estava fazendo muito isso hoje. –Incrível. Eu não havia pensado nessa, Isabella. Usarei com minhas crianças da próxima vez. Obrigado.

Uh, no dia anterior ele havia zombado da minha genética por conta da pouca habilidade com os números, e agora ele estava me agradecendo? O mundo dá voltas.

–Foi sim. Eu queria usar o lado negro da força para Claire entender melhor, mas você sabe, ela não é grande entendedora de Star Wars. –Retribui o sorriso de Edward e voltei a atenção para a minha sobremesa.

Eu percebi que ele falaria algo a mais para mim, porém, minha mãe foi mais rápida.

–Não exagere, Claire. Professor Edward, não dê ouvidos à minha neta. Ela ama demais a tia dela para distinguir as coisas. –Minha mãe, pela primeira vez na noite, me lançou um olhar. Um olhar de raiva. –Ela nunca fez as coisas direito, por que começaria a ajudar esta família justo agora?

–Tenho certeza que você teria se saído tão bem quanto se Bella não tivesse tentado lhe ajudar, minha filha. Eu sei que você gosta de agradar sua tia, mas não precisa mentir para impressionar seu professor, ou a nós.

Certo. Eu estava ouvindo direito? Desde logo eu percebi que não receberia um obrigado pela ajuda com a lição de Claire, e eu nem precisava de um, pois fiz aquilo pela minha sobrinha; mas isso? Era mais ingratidão e desprezo do que eu estava acostumada a receber.

–Mas eu não estou tentando impressionar ninguém, mamãe! A tia Bella me ajudou muito! Eu estava com medo de contar pra você que iria mal no teste, porque você sempre me xinga e nunca tenta entender meu lado, mas aí a tia Bella disse que ia me ajudar, e olha aí, eu tirei dez!

–Oh, muito obrigada, Isabella! Agora você coloca minha filha contra mim? Pelo amor de Deus! Eu sempre sou uma mãe compreensiva!

–Rosalie, já chega! Isabella ajudou nossa menina, e ponto final. Claire não mente, e não consigo entender a incredulidade de vocês duas em aceitar que Bella lida melhor com nossa filha do que nós. Ela fica mais tempo com ela do que a gente, mulher!

–Vocês podem deixá-la comigo. Não é aconselhável deixar uma criança com Isabella. Logo, Claire também vai começar a ter atos de rebeldia apenas para ferir o coração de vocês. E aí não terá mais volta.

–Mãe, pelo amor de Deus! Eu não feri o seu coração! Eu só quis viver a minha vida, e infelizmente, ela não era a mesma vida que você queria para mim! –Eu prometi que a ignoraria pelo resto da noite, mas eu simplesmente não aguentava mais. Eu queria ir embora dali. Correndo. Por que minha família não aceitava minhas escolhas? Era eu quem lidaria com as consequências, de qualquer forma.

–Eu não falo mais com você, Isabella! Você deixou de ser minha filha no momento que decidiu sair de casa para fazer essa faculdade medíocre! Como você pretende ser feliz ensinando criancinhas ranhentas a juntarem as sílabas? Como você vai ver com um salário pequeno de professor? Sim, pois você sabe que um marido que te sustente você não vai arrumar. Você nunca puxou a beleza de Rosalie, na verdade. Nunca se cuidou como ela. Eu gastei meu tempo e minha dedicação com você para nada! Não vou deixar que faça o mesmo com Claire!

Eu queria dizer muitas coisas a Renée. Queria dizer a ela que meu curso não era medíocre, que eu o amava, e que eu ensinaria crianças ranhentas a lerem com o maior prazer do mundo. Eu queria dizer a ela que eu nunca iria fazer mal a Claire, porque eu a amava. Eu estava ali, enfrentando mais uma sessão de desaforos, por ela. Mas nada disso saía. Minha garganta doía, e um bolo se formava nela; meus olhos estavam ardendo, loucos para derramar as lágrimas que eu segurei a noite toda.

Rosalie não parecia querer se meter na discussão. Estava apenas com a cabeça baixa, fingindo que ela nada tinha a ver com a história. No fim das contas, ela não era melhor que Renée. Era conivente com ela. As duas eram mesmo muito parecidas.

–Vovó, não fala assim com a tia Bella não! Ela é tão legal, e gosta tanto do que tá fazendo! Você devia ver o quanto ela se esforça para fazer as contas dela para não faltar dinheiro. E ela sempre arranja um extra para me levar no Mc Donalds!

–Sinto muito por isso, Bella. Olha, eu realmente fico feliz que você tenha ajudado Claire na escola, de verdade. –Emmett me olhava como que se pedisse desculpas, e eu concordei com a cabeça, sabendo que se eu falasse algo, as lágrimas simplesmente correriam para o meu rosto.

Mesmo que ele estivesse querendo se desculpar, minha irmã e minha mãe estavam bem longe disso. Logo, logo, mais uma série de insultos viria, e eu não queria estar por perto.

–Eu vou embora. Já está tarde. Adeus, Claire. Qualquer coisa, você me liga, tudo bem?

Minha garotinha assentiu, e meu coração doeu quando eu vi lágrimas em seus olhos também. Não. Eu não queria que ela sofresse com essa situação. Ela não tinha nada a ver com tudo isso. Ela não seria alvo de ódio como eu era. Não podia ser. Claire correu para os braços de Emm, e ele subiu as escadas com a sua filha.

–Eu também já vou. –Quando eu já estava quase chegando à porta da frente da casa, ouvi a voz rouca e grossa do professor Edward soar. Eu comecei a andar um pouco mais devagar, apenas para ouvir o que ele tinha para dizer, mesmo que não fosse da minha conta, mesmo que ele estivesse apenas se despedindo. –Devo dizer que estou impressionado. Pensei que Claire vivia num ambiente saudável e amoroso, mas o que eu vi aqui só me provou o contrário. Se vocês tratam a própria filha e irmã assim, imagino como tratam uma pessoa qualquer.

–Isso não é da sua conta, professor Cullen. –Minha mãe e suas respostas venenosas.

–Realmente, não é. Mas vocês fizeram com que Claire se sentisse mal em um jantar que era para incentivá-la, e falaram horrores da tia que ela ama. Pode não ser da minha conta o jeito como vocês tratam a família por aqui, mas com certeza é da conta do conselho tutelar. Claire merece um ambiente melhor.

–Você está dizendo que eu não sei o que é melhor para a minha neta, professor Cullen?

–Estou dizendo que você é uma mulher intragável, Sra. Swan. Boa noite.

Eu não estava acreditando no que eu ouvi! Edward, o professor de Claire, acabou de deixar minha mãe sem uma resposta digna! Ele me defendeu! Ele defendeu a Claire. Oh, meu Deus. Esse homem era incrível demais para ser verdade.

Sabendo que não seria legal ser pega ali escutando a conversa dos três, finalmente alcancei a porta que dava para a rua e a abri. O ar fresco fez com que o nó em minha garganta fosse embora, e a vontade de chorar deu lugar a imensa vontade de sorrir. Eu sabia que não era grande coisa, mas só por hoje... Só por hoje eu me permitiria achar que o Professor Cullen realmente quis me defender. Realmente quis se importar. Não apenas com Claire, sua aluna, mas comigo também. Eu sabia que era improvável, mas infelizmente, eu ainda sonhava demais.

–Isabella! –O chamado fez com que eu soltasse um grito de susto. Pelo amor de Deus, eu estava tão perdida em pensamentos que nem havia notado que um carro estava me seguindo, ou melhor, estava agora, bem próximo a mim. Meu coração ainda pulsava rápido demais por conta do susto, mas assim que eu percebi que era Edward quem dirigia o carro, soltei um suspiro de alívio. Eu não seria sequestrada, graças a Deus.

–Oh, olá, professor Cullen. Eu estava distraída, desculpe. Posso ajudar?

–Na verdade, sim. Você pode entrar no meu carro e me deixar te dar uma carona até sua casa. Pode ser?

Mais uma vez naquela noite, eu fui contemplada por um de seus sorrisos tortos tão sedutores; e mais uma vez naquela noite, meu coração voltou a pulsar mais rápido, só que agora, nada tinha a ver com susto ou medo de ser sequestrada. Agora tinha relação com as borboletas que voavam em minha barriga, sem nenhuma explicação aparente. Uma ansiedade que crescia cada vez mais, e praticamente me obrigava a dizer exatamente o que eu queria, sem levar em conta o lado racional daquela situação.

–Sim.


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Notas finais do capítulo

Peço desculpas pela demora. Final do ano foi complicado, era trabalho, era faculdade, era monografia... Enfim!
Voltei, e espero que vocês não tenham me abandonado!
Quem que quer matar a Rose e a mamãe? Hahaha
Postarei uma vez por semana! Até domingo que vem estarei de volta.
Nos vemos nos reviews, pessoal!
Beijos.