Minha Vida Existe Para Viver com Você escrita por Anita


Capítulo 6
Uma Familiaridade




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Exceto por teimosia, não havia mais por que continuarem casados. Mamoru pensou assim ao voltar os olhos para Usagi, quem pegava no sono na cama que ela improvisara com uma coberta no chão.

Estavam em um hotel de Quioto apesar das insistências da mãe para que fossem para a casa do casal. Ela passaria a noite no hospital, de forma que poderiam ficar tranquilos no lugar. Todavia, acharam melhor simplesmente conseguirem um quarto próximo de onde o pai de Mamoru estava internado. Sua vida íntima era complicada demais para expô-la mesmo à casa vazia dos pais. E havia muito que conversar.

Contudo, tão logo chegaram lá, Usagi se apropriara da coberta e a transformara em um colchão. Não houve uma só troca de palavras, nem mesmo o mais comum. Mamoru não podia culpá-la; ele mesmo estava atemorizado de que, na próxima vez que se falassem, tivessem que retomar o assunto sobre o divórcio.

Ele gostava de Usagi. Gostava da companhia que lhe proporcionava e da forma como conseguia fazê-lo rir. Por que mudara tanto com o casamento? Sentia-se culpado. Havia trabalhado até tarde muitas vezes e, noutras, saíra com outra mulher em vez de apenas voltar para casa. Mas Reika era sua amiga e precisava dele. Principalmente, ante a suspeita de que Motoki a estaria traindo. O que sua esposa negava.

Mamoru se levantou da cama e se ajoelhou ao lado dela. Por sorte, Usagi tinha o sono bastante pesado; não acordaria quando a trocasse de lugar. Esticou a mão e começou a sacudi-la um pouco apenas para confirmar que a esposa estava adormecida. Inspirando fundo, preparou-se para envolver seu ombro e suas pernas. No meio desse movimento, todavia, Usagi começou a se mexer levemente. Pensando havê-la despertado, afastou-se um pouco de cima da coberta e aguardou uma reação.

Os lábios da jovem se mexiam suavemente de início. A intensidade do movimento começou a aumentar e a impressão agora era de que estavam tremendo. “Está sonhando?” Mamoru entortou um pouco a cabeça e voltou a se aproximar. Havia quanto tempo que não ficavam tão próximos? Inspirou o cheiro do sabonete do hotel, com que ela se banhara tão logo fazer sua cama. Seu estômago apertou-se ao se lembrar de que virariam estranhos em breve, e por escolha dele próprio.

Mas não havia uma opção de fato. Ele queria ficar com Usagi, mas sentia-se obrigado com os pais que sempre lhe amaram tanto. Inicialmente, aquele era seu único intuito com o casamento: dar-lhes um neto. E não era justo exigir isso da esposa. Por mais informada que ela estivesse quando aceitara o matrimônio, um filho não é algo que se força em ninguém. Sobretudo no estado a que a relação do casal havia chegado. Não seria saudável para qualquer dos três.

Quem sabe um dia ela não deixaria Motoki, e seus pais já teriam esse neto? Aí poderiam se reencontrar e conversar melhor. Ele a conquistaria e não a deixaria mais para ganhar essa segunda chance.

Riu-se da própria imaginação. O próprio não sabia por que desejava tanto estar com Usagi, imagine o que a outra parte pensaria dele a partir do divórcio. Tudo estaria acabado sem retorno; essa era a verdade. Aquela relação, o rumo que tomara... era imperdoável.

Levou sua mão até a testa de Usagi e ajeitou as mechas desgrenhadas de cabelo que se colavam em sua testa. O ar condicionado do quarto estava a todo vapor e, mesmo assim, ela estava suada. E chorava? Passou um dedo por seus cílios úmidos e o desceu até os lábios trêmulos. Com o que sonharia?

Curioso, Mamoru abaixou o rosto até bem próximo da boca e aguardou que os sons fizessem sentido. Não obstante não se lembrar de nenhuma vez sequer já haver ouvido aqueles nomes que chegavam ao seu ouvido, ele se sentiu congelar.

Tuxedo Kamen? Endymion?

Era como se seu estômago se contorcesse sozinho. Seu coração também não parava de bater. Por que reagia assim a palavras tão desconhecidas? Tão desconhecidas quanto lhe soavam familiares. Começou a arfar, sem conseguir recuperar o fogo. Correu até sua carteira sobre a mesa próxima e pôs apenas metade do pé nos sapatos até fugir daquele quarto. Não estava se sentindo bem.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Estava um dia bastante sossegado no café restaurante onde Minako trabalhava. Apesar de haverem estreado vários sabores de bebidas geladas, nem o fato de serem por tempo limitado havia feito o movimento aumentar fora do horário de almoço. Dessa forma, o café que também era restaurante estava se tornando um restaurante com opção de café... Bem, isso não lhe dizia respeito conquanto continuasse empregada.

Não queria muito da vida, pois nunca encontrara nada que lhe satisfizesse. Nenhuma carreira, nenhum homem lhe importara até então. Talvez, por isso mesmo, conseguisse entender um pouco os pensamentos de sua colega de quarto. A vida não era tão interessante quanto deveria ser; então, por que não apenas ganhar o bastante para sobreviver? E até que era muito desde que conseguira aquele emprego. Tanto tempo sendo garçonete desses cafés e de outros restaurantes familiares lhe garantira bastante experiência. Quem sabe não pudesse pedir uma semana de folga e passear para algum lugar em agosto? Seria bom se pudesse convencer Shin a ir junto, mas aquele romance não parecia se desenvolver. O que havia com aquele homem, afinal?

No momento em que assim pensava, a pessoa que esperava chegou ao café. Ignorando as boas-vindas de todos os funcionários, o homem caminhou diretamente em direção a Minako e a encarou desafiante.

– O que foi, afinal? – perguntou Zoisite, um músico que prestava serviços à empresa de casamentos de que a mãe de Minako era sócia.

Ele parecia bravo. De fato, Zoisite havia exigido ter a conversa por telefone, mas ela não pudera fazer. Precisava ver seu rosto pessoalmente. Como não obteve resposta, o homem insistiu:

– O que tem a Ami que é tão importante? Aliás, como conseguiu meu número de celular?

– Vi no celular dela. – Minako virou os olhos. – Onde mais?

– Se isto é mais um pedido para eu desistir, é melhor nem começar. – Zoisite sentou-se à mesa que ela acabara de limpar e cruzou as pernas.

Automaticamente, Minako lhe trouxe um copo com água e sentou-se à sua frente.

– É exatamente o contrário – disse sem esconder o sorriso de autossatisfação.

– Como assim? Pensei que a Ami me queria longe da vista dela.

– Não sei se ela te contou, mas eu aconteço de ser a deusa do amor.

Sem responder se já sabia ou esboçar qualquer reação, Zoisite apenas cruzou os braços e aguardou a continuação. Minako sentiu-se irritada, ela estava ali para ajudar, não poderia receber um pouco de cooperação ao menos? Ainda assim, prosseguiu:

– Sei que Ami te rejeitou, que ela não está interessada em relacionamentos, etc. Bem, você sabe como a vida dela tem sido um pouco complicada desde que brigou com a mãe.

– Se fosse para ouvir esse discurso de novo, teria procurado a Ami diretamente.

– Fica quieto e ouça meu plano genial! E infalível, porque eu sei que vocês dois são feitos um para o outro.

– Você me chamou aqui para falar de planos? Pensei que era um assunto importante.

– E é! Porque da forma como tá indo, sem minha ajuda, você vai virar o melhor amiguinho dela antes de namorado.

Batendo as palmas da mão com força na mesa, Zoisite se levantou e se virou para a saída. Minako correu para segurar seu braço antes que se fosse e insistiu:

– Você não precisa fazer muito!

– Não farei nada. – E se livrou do aperto, usando agora a mão livre para ajeitar o cabelo. – Que menina irritante.

– Pois se não agir logo, vai perder!

Não havia mais clientes no café quando Shin lá entrou acompanhado de seu amigo Jadeite e de mais duas mulheres. Talvez por isso Minako houvesse gritado tão alto, ainda assim, sentiu-se embaraçado pela cena que acabara presenciando.

Shin ergueu as sobrancelhas e tentou estudar a situação que havia encontrado tão logo entrara. A moça que tanto lhe chamava atenção encarava feroz mente outro homem. E este apenas sorria ao ouvir a ameaça. Então, o homem começou a andar, ignorando a expressão raivosa que Minako lhe lançava pelas costas. O que haveria acontecido ali?

Shin passou a observar o desconhecido com alguma curiosidade. Aquela pessoa era familiar.

O homem veio em direção à saída, na frente da qual Shin estava, e quando estava bem próximo, encarou-o por um momento. Shin sentiu o coração disparar com alguma emoção estranha. Algo parecido com o que sentira fazia pouco tempo, quando conhecera o marido de Usagi. Mas, naquela hora, havia apenas ficado irritado que o homem estivesse com outra. Agora, não sentia qualquer irritação que explicasse como reagia no momento. E sabia que o outro também devia estar pensando em algo semelhante pela forma como seus olhos se encontraram.

Seria mesmo algum conhecido? Estaria sendo rude não o cumprimentando? Na dúvida, acenou-lhe com a cabeça, forçando o corpo a se curvar suavemente. Mas não era isso... Tinha que ser mais, algo muito maior.

– Shin?

Ouviu a voz distante de Jadeite o chamar. Foi quando notou que o grupo com que viera havia todo já tomado uma mesa e o aguardava.

– Ah – conseguiu ainda dizer.

Sua mente ainda estava, parcialmente, tentando se lembrar daquele homem. Este mesmo já se havia ido àquela hora. Percebeu também Minako entrou para a cozinha do café sem nem mesmo lhe cumprimentar, o que lhe tirou a chance de perguntar quem seria a pessoa com quem falava com tanta emoção.

Minako... Aquele era um grande problema que Shin não sabia resolver. Começara como uma atração inexplicável. Fora outra pessoa que vira e fizera seu coração bater com força, quente. Desde então passara a retornar ao café apenas para ter essa emoção de volta. Mas, desde aquele dia de chuva quando lhe ajudara a chegar à estação, Minako parecia exigir algo dele. Algo que Shin não se sentia em condições de dar. Não da forma que ele estava, não enquanto não encontrasse o que vinha buscando entender.

Sua vida era um enorme branco.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

O que estava acontecendo? Por que ela havia se tornado a acusada? Um sentimento de culpa invadia Usagi. No final, ela realmente agira de forma suspeita. Mesmo agora que sabia das desconfianças do marido, havia decidido ficar até bastante tarde no trabalho. Não era exatamente a desculpa da hora extra que a fizera acreditar na traição?

E agora...

Usagi afundou a testa nos braços e levantou os olhos apenas para conferir o relógio. Se saísse agora de lá, seriam dez da noite quando chegasse em casa. Ao seu redor, havia apenas mesas vazias. Não havia o costume de horas extras em seu departamento a menos que estivessem com um projeto próximo do prazo. Não era o caso.

Lembrando-se de algo, pegou seu celular. Nenhuma mensagem nova. Sabia que Mamoru não lhe responderia mais. Vinham se evitando desde que chegaram a Quioto, onde o senhor Chiba ainda estava internado. Sabia que cedo ou tarde teriam que conversar, e Usagi imaginara que poderia levar Motoki junto para confirmar seu ponto: ela era inocente. Entretanto, o amigo não lhe respondia as mensagens desde o dia anterior, nem mesmo atendia suas chamadas. Será que Mamoru já havia falado tudo a Reika? Ela teria alertado ao marido?

– Droga.

Afundou mais uma vez a cabeça entre os braços e ficou olhando para sua mesa com a pouca claridade que entrava naquele pequeno espaço. Após um longo momento sem pensar em nada especialmente, forçou o corpo a se levantar. Era hora de pegar o trem para casa. Na melhor das hipóteses, Mamoru já estaria dormindo – não que acreditasse em tamanha sorte. Tudo teria que acontecer naquela noite.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Luna observou a porta do apartamento à sua frente abrir e Ami sair calmamente. Mas a porta escancarou mais uma vez em seguida e Minako a seguiu discutindo mais uma vez sobre o músico.

Por que ela havia posto na cabeça que Ami deveria se envolver justo com aquele homem? Já percebia que Minako retomava o assunto toda vez depois que Zoisite passava com uma flor, o que era quase diário.

“Boa menina” pensou a gata ao ouvir nova recusa de Ami. Esta sempre fora a mais sensata das cinco. Mesmo sem memórias, não se arriscaria perto de alguém como um general do Dark Kingdom.

– A Minako tá brigando de novo? – Arthemis cochichou perto de seu ouvido.

Após assentir, tornou a assistir por um momento. Então, voltou-se novamente para o gato e anunciou:

– Acho que vou dar uma olhada se a Usagi já voltou de viagem. As coisas não pareciam bem quando os dois foram embora no sábado.

– Luna, espere. – Arthemis mexeu um pouco as patas dianteiras e se sentou pensativo. – Não seria melhor contar só para eles ao menos? Afinal, eles são os herdeiros do Milênio de Prata e o reino da Terra, né?

– O Cristal de Prata lhes deu a chance de terem a vida normal que a rainha Serenity desejou em seu leito de morte. – Luna baixou a cabeça. – Não poderia tirar isso deles, não depois de tudo por que passaram.

– Eu sei...

– Ademais, segundo o que pesquisamos nenhum dos generais parece ter suas memórias.

– Podem estar fingindo, sabe bem disso.

Emitindo um som agudo, a gata lamentou.

– Discutimos melhor noutra hora. Por enquanto, vou apenas ver como ela está.

– Luna...

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Claro que não estava saindo com Motoki. Ainda assim, Usagi se deixou sentar na cama tal qual uma criança esperando punição. Se houvesse sido mais sincera com o marido, ou até se houvesse esperado mais dele, a situação não chegaria tão longe. Mamoru tivera as mesmas desconfianças e nada fizera de represália; o divórcio havia sido sugerido tão somente em razão de seus pais. Sentiu-se estranha ao perceber que lhe fora perdoada uma traição – mesmo esta nem haver existido. Queria dizer que aquele era mesmo um casamento de mentira? Ou que o marido estava disposto a aceitar até aquilo?

Olhou para a entrada do quarto. Acabara de ouvir a porta do banheiro, onde Mamoru estava tomando banho quando ela chegara do trabalho. Não demoraria muito para o confronto. Tentando não fechar os olhos, ela fez uma contagem silenciosa enquanto os passos se aproximavam.

– Ah, você está aí.

Mamoru se encontrava com os cabelos molhados e apenas vestia o short do pijama. Passou a toalha que envolvia seu pescoço para se secar mais e correu até uma gaveta de onde retirou uma regata preta.

Tentando se focar em por que estava sentada ali tão formalmente, Usagi inspirou fundo antes de falar:

– Precisamos conversar, né?

Já vestido, ele assentiu com alguma hesitação. Então, olhou para a tela de seu celular por um momento. Estaria pensando em quê?

– Eu acredito em você – ela começou a dizer. – Acredito que você e a Reika... Bem, quero que acredite também sobre o Motoki. Somos amigos, cada vez mais próximos. Mas nada além.

– Estava com ele agora?

– Não interessa. – Usagi sentiu seu rosto queimar de aborrecimento. Ainda assim, forçou-se a recuperar a calma; não era bom deixar emoção nenhuma chegar à superfície. Virou a cara, mas acabou por responder: – Mas não estava não. Motoki é outro ingrato que só vinha causando problema na própria vida. Pode ligar pra empresa, eu saí há pouco de lá.

Para a sua surpresa, o que se seguiu foi um som de risada.

– Não creio que me dariam essa informação. – Mamoru riu mais um pouco antes de continuar: – Já devia ter imaginado.

– Como assim?

– Leia – assim dizendo, ele lhe mostrou a tela de seu celular.

Sentia-se confusa com o pedido, por isso foi preciso que o outro insistisse no gesto para Usagi acatar. Por que ela precisava ler aquilo? Já havia dito que acreditava. Não obstante todas as dúvidas que ainda se fixavam em sua mente – Shin havia visto os dois juntos em um café! – Usagi decidira acreditar.

Quando percebeu a impaciência na expressão de Mamoru, ela assentiu apologeticamente e estudou a tela do aparelho. A primeira coisa que lhe saltou aos olhos era o que já devia estar esperando: tratava-se de uma mensagem escrita por Reika. Claro, os dois se comunicavam até mais que Motoki e Usagi. Apesar de sabê-lo, ainda sentiu a garganta seca com a confirmação. A mensagem, contudo, negava qualquer insinuação. Reika se resumia a informar que Motoki faria uma viagem de trabalho novamente e perguntar se “por um acaso sua esposa também?”.

Tornou a olhar para Mamoru, tentando não compreender a insinuação.

– Não sei por que está me acusando – disse-lhe por fim.

– Você realmente dormiu na casa de seus pais naquela noite.

Pegando de volta o celular, ele voltou as mensagens até se dar por satisfeito. Desta vez, Reika parecia furiosa ao falar da viagem a trabalho do marido e pedia para ver Mamoru.

– Como ela sabe que é mentira? Ele pode só estar viajando mesmo. Eu estou aqui, né?

– Porque eu liguei para perguntar na empresa. Pedi para falar com um conhecido de Motoki e ele não sabia de viagem alguma. Ademais, sei quando meu amigo está aprontando alguma, Usagi. – Ele pegou de volta o celular e o devolveu à cômoda. De repente, voltou-se para com um sorriso. – Não nos importa mais.

Ainda sentada na cama, Usagi desfez sua posição de penitência para se afastar discretamente. Aquele Mamoru... fazia seu coração bater. Ele estendeu a mão até bem perto de sua bochecha. Tanto que podia senti-la ser acariciada sem sentir o toque em si. E ansiou-o; por segundos infinitos, ansiou-o. Quando estava prestes a ceder ao que desejava, a ânsia foi interrompida quando o outro assim lhe sussurrou:

– Gostaria de poder provar que, realmente, não há nada entre Reika e eu...

Mas Usagi interrompeu a frase ao jogar-se para cima e o beijar tanto como vinha se contendo por tanto tempo. Não havia o que provar, queria lhe transmitir com sua saliva. Ela sequer queria falar disso dali em diante. Queria apenas abraçá-lo e senti-lo contra si. Ressentiu-se contra a regata preta que o vira vestir, por que não ficara como antes? Era mais uma peça que os separava.

Aos poucos, Mamoru começou a corresponder o abraço. Suas mãos entraram pelo fino blazer que ela usava para o trabalho e começaram a pesquisar como fazer o mesmo com a blusa de baixo. Seu corpo também chegou mais próximo, já a estaria empurrando para a cama? A mente de Usagi estava tão entorpecida com as carícias que não conseguia se apavorar com o fato de ainda nem haver se banhado desde que chegara ou com o tanto de tempo que os dois não ficavam tão íntimos. Ela o queria mais perto, confirmando que aquele final de semana não passara de um pesadelo.

Então, ele se afastou. Melhor dizendo, ele pulou para trás. Ao abrir seus olhos, Usagi percebeu que os do marido encaravam assustados a sacada do apartamento.

– Um gato? – balbuciou Mamoru, levando a mão à cabeça. – Como?

Em seguida, ele correu até a sacada, seguido por Usagi.

– Gato? Como assim? – inquiriu-lhe ela.

Era a reconciliação dos dois e Mamoru via um gato? Incapaz de se conter, Usagi começou a rir.

– Estou certo de que vi um gato preto bem aqui. Olhando pra dentro. – E levou a mão até a barra de segurança. – Está um pouco quente. Sinta!

Obedecendo, voltou a olhar para o homem. Mamoru estava franzindo a testa e olhando de volta para o quarto, como se calculando o que teria interessado a um gato.

– Ele estava sim aqui, olhando pra gente.

– Espera. – Usagi se abraçou para suprimir os calafrios. – Acha pode ter um pervertido nos olhando?

Os olhos do outro pareceram saltar em sua direção.

– Você acha que um humano pode escalar todos esses andares, mas não em um gato que eu disse que vi!? – perguntou-lhe exaltado.

– Que você acha que viu, quer dizer? – E Usagi voltou a gargalhar, já esquecida do temor de antes.

Apesar de contrariado, Mamoru acabou se juntando a ela. Até que a interrompeu ao abraçá-la com força. Ela sentiu sua cabeça se afundar bem próxima ao espaço no peito do marido entre suas clavículas e inspirou aquele cheiro familiar. Não haviam estado próximos por muito tempo, mas aquele abraço era quase como uma máquina que a transportara para seu lar. Não queria mais sair de lá.

Fungou em segredo, antes de se afastar um pouco. Então, pediu a Mamoru:

– Eu acredito em você, é verdade... E sei como estou sendo idiota pedindo isto. Odeio essas meninas bobas que fazem o mesmo nas novelas. É aquela parte que mais odeio, porque sei que o mocinho não vai cumprir e os dois vão brigar...

O outro a interrompeu com um sinal que prosseguisse com o assunto. Após tomar um pouco de fôlego, Usagi assentiu e continuou:

– Gostaria que não falasse mais com aquela mulher.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Durante o verão, os dias começavam bastante cedo e as cigarras cantavam estridentes. Isto costumava aborrecer um pouco Makoto, pois lhe era muito difícil dormir com tudo aquilo se somando ao calor natural da estação.

Naquele dia, ela agradeceu a todos os fatores. Bem, exceto pelo calor, pois o hotel em que acordara às cinco da manhã estava com o ar condicionado ligado a todo o vapor. Maldito hotel. O que fazia nele, passando a noite fora em plena terça-feira? A semana nem estava no meio e ela não era mais uma adolescente, por mais que tentasse se passar por universitária nos goukons. Sim, e foi para isso que o sol claro e as cigarras barulhentas a acordaram. Que ela precisava crescer.

Enquanto andava por aquela rua, tentou calcular quanto tempo teria que matar até o horário do trabalho. Também precisava de roupas novas, já que fora se encontrar com ele direto da empresa. E de um bom café. Com bastante glicose acompanhando.

Desta forma, parece que estou de coração partido...” pensou na ironia, já que tomara a decisão exatamente para se mostrar a adulta da história. A decisão de largá-lo.

Após receber seu pedido no primeiro café que encontrara aberto às seis da manhã, Makoto tomou um lugar conspícuo dos gatos pingados que passavam pela rua. Então, começou a olhar para a bandeja cheia de donuts coloridos. Era difícil não fazer uma linha do tempo mentalmente de como chegara ali. Não desde o dia em que marcaram de passar juntos à noite. Mas desde o zero em seu relacionamento, quando tudo não passava de flertes.

Sempre se sentira atraída por aquele homem. De início, o amigo de Usagi apenas lhe lembrava de um antigo namorado; o que era normal. Claro que se sentia atraída pelo homem. Motoki era um rapaz naturalmente bonito e que não se esforçava para ser simpático. Não lhe era difícil entender por que a amiga o considerava um irmão mais velho. Aquele papel parecia vir naturalmente ao homem. O que apenas acrescentava a seu charme, na opinião de Makoto. Talvez, porque ela não possuísse irmãos, ou apenas porque não costumava ganhar tanto afeto assim de outra pessoa. No final, poderia ser simplesmente porque Motoki era muito bonito.

Era frustrante fazer aquela reconstrução. Com o dedo, Makoto traçou desenhos imaginários com o farelo de um dos donuts.

Não se recordava de quando seus convites para saírem começaram a ser atendidos. Somente que, no início, ela mesma não nutria qualquer esperança. Motoki estava casado, não importava quantos problemas houvesse na relação. Sua intenção era de apenas aproveitar a excitação que estar com ele lhe provocava. Até perceber que Usagi não sabia de nada. Os dois eram grandes amigos, mas ele não lhe contara sobre qualquer desses encontros inocentes. A menos que não fossem tão inocentes assim.

Um dia, ela o confrontou. Sempre fora uma menina sincera; então, nunca escondera seus sentimentos de Motoki. Mesmo assim, ele pretendia seguir com aquelas saídas ambíguas? Não era justo, por isso, ela iria chamar Usagi para acompanhá-los da próxima vez. Antes que sua esposa começasse a achar estranho.

Makoto sorriu com aquela lembrança e logo sentiu vontade de se jogar o café quente na própria cara. Não era bom, não era nada bom gostar daquilo. Era algo triste; o dia em que começara a cair.

Ainda podia ver tudo como um filme. Motoki havia ficado sério com a pergunta e baixado o olhar. Então, respondeu-lhe: “Espero que ela não descubra.” Até hoje, Makoto não tinha certeza se ele quisera dizer Usagi ou Reika. Talvez, ambas. Era quase engraçada sua insistência em esconder tudo daquela, mesmo quando Usagi acabava virando seu álibi sem saber. E o perigo de a esposa confirmar com a menina? Sempre que lhe inquiria, Motoki balançava a mão, como se isso não fosse nada.

A sensação de ser a outra não era boa, só que o mal-estar não era nada comparado ao prazer de estar com ele. Ademais, sempre se repetia, estava claro que o casamento não ia bem. Era uma questão de esperar. A maior mentira que os homens diziam às amantes acabou dita por ela mesma. Mas os dois mesmos nunca conversaram sobre o futuro; apenas se encontravam e se amavam.

Não que fizesse tanto tempo assim que começaram a consumar relação. De fato, tiveram vários encontros que apenas terminaram em beijos e que faziam Makoto se dizer que não passavam de uma brincadeira. Sexo mesmo fora um acontecimento demorado, de dois meses antes. Não muito mais que isso. E se aceitar os encontros casuais já a fizera sentir-se baixa, ir para a cama de um homem com aliança no dedo – ele nunca a tirava! – foi como se lançar ao chão e cavar até achar água.

Chega! Foi o grito que prendeu na garganta ao acordar naquela manhã com a cantoria das cigarras. Não podia mais. Reika estava grávida, e ele ainda não queria desistir. Makoto que não iria ficar esperando para ver no que dava. Não tinha mais graça fazia tempo.

Afundou a cabeça na bandeja já vazia. Agora que a adrenalina da fuga passava, restava-lhe a exaustão. Seus músculos pareciam haver ido dormir junto com seu cérebro. E ela ainda tinha que comprar alguma roupa... Talvez, devesse voltar para casa. Ou raspar a cabeça, já que já começara com os clichês da fossa ao engolir o equivalente calórico de dias em minutos.

– Makoto?

Levantou-se assustada, sentindo a adrenalina perdida como que a invadir seus poros. Por um momento, não interpretou bem a cena à sua frente e achou estar vindo Motoki parado ali com uma bandeja. Mas não seria ele, né? Ele não teria coragem de procurá-la após a mensagem que lhe deixara escrita.

Era o homem com quem dormira.

– Masato... – murmurou, como se aquele fosse algum sonho.

– Desculpa, estava procurando alguma mesa.

Quanto tempo se passara desde que tomara aquele lugar? O café vazio parecia em pleno movimento. Olhou rapidamente o relógio do celular para constatar que eram quase oito horas. Percebendo o homem ainda ali de pé, fez sinal para a cadeira vaga à sua frente e disse:

– Ah, pode se sentar! Eu já deveria estar indo mesmo.

Aceitando a oferta, ele lhe respondeu:

– Que pena, achei que seria mais um encontro do destino. – Masato curvou-se um pouco até ela com um sorriso.

Era mesmo; diferente do jeito familiar de Motoki, aquele homem era quase um paquerador profissional.

– Encontro do destino é meloso demais, né? – respondeu, levantando-se.

– Espera. Não estou sendo meloso; é só que vim tendo uns sonhos estranhos.

– Desculpa, Masato. Eu adoro ser cantada, não é algo que qualquer um teria coragem de fazer comigo. Mas hoje, não.

– E se não for só uma cantada? Afinal, não vai aceitar sair comigo?

– Lembra a última vez que me chamou para uns drinques e eu te disse que parei de beber? Desta vez, parei de flertar.

Com isso, tentou sair antes que ele arrumasse alguma resposta. Mas seu adversário era rápido. Já estava de pé atrás dela e parecia lhe cheirar os cabelos. Aproveitando-se da inércia que causara, Masato lhe sugeriu soprando sua nuca com as palavras:

– E namorar? – Ele já devia saber a resposta e não deu tempo de reação. Segurou os braços de Makoto e, acariciando-os quase sem tocá-la, aumentou a oferta: – E casar?

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Mamoru subiu as escadas familiares do templo Hikawa, incerto de quando havia estado ali. Na semana anterior, havia dito que já visitara o lugar, mas não conseguia lembrar-se de um só dia específico. Por que passara a fazer sua primeira visita anual em outro templo quando este era mais próximo? Era outra pergunta que lhe surgiu assim que chegou ao tempo.

A jovem de cabelo curto, subordinada da planejadora que cuidaria da cerimônia, pôs-se a dar um breve relato da história do lugar e de como vinha ficando popular nos últimos anos. Aparentemente, a administração passara a ser feita pela neta do sacerdote e ficara mais competente. Então, a moça pediu licença para chamar o próprio senhor dono daquele lugar.

– Acho que um casamento tradicional não é muito minha cara... – comentou Usagi, não pela primeira vez. Mas seus olhos estavam dançando pelos detalhes do templo tanto quantos os dele próprio deviam estar.

– A senhora Aino só quer ter certeza de que teremos o casamento perfeito. – Não resistindo ao impulso, Mamoru lhe envolveu o ombro e a puxou para perto. Era tão libertador poder fazê-lo enfim agora que tudo havia sido resolvido.

Ou quase tudo. Sabia que Usagi se sentia mal pelo pedido que ela mesma fizera, mas Mamoru a compreendia. E, logo, tudo ficaria realmente bem.

– Acha que poderíamos aproveitar para um tour? – perguntou a esposa, parecendo animada com a própria ideia.

– Vá em frente, eu te chamo quando precisar.

– Ah, é. Você já conhece aqui, né?

Sabendo como seria estranho dizer que não tinha certeza, Mamoru apenas sorriu fracamente em resposta. Parecendo satisfeita com aquilo, Usagi saltitou até sumir em meio às construções.

Quando voltou a vista para o terreno, ele achou um lugar à sombra onde poderia se sentar. Sendo um espaço visível, decidiu esperar por lá.

– Meu senhor?

A voz o espantou tanto quanto suas palavras. Vinham de um rapaz de aproximadamente sua idade e cabelos bem loiros. Não parecia trabalhar ali e “meu senhor” também não poderia ser forma de tratamento para um cliente.

O próprio homem pareceu confuso com o que dissera, pois que sacudiu a cabeça e o olhou por um momento. Havia-o confundido com alguém provavelmente.

– Sinto muito – disse o rapaz, baixando a cabeça para ocultar sem sucesso o rubor. Desta vez, um sotaque de estrangeiro acompanhava as palavras.

Mamoru tentou balançar a mão e depois apenas acenou com a cabeça que estava tudo bem. O outro não saberia, mas aquilo não seria o mais estranho de seu dia. Não quando se encontrava em um templo conhecido, mas no qual não se lembrava de já haver posto o pé.

Antes de iniciar qualquer diálogo para quebrar o silêncio do constrangimento, Mamoru percebeu que umas pessoas saíam da construção principal junto com a moça da agência. Usagi também já retornava e fazia sinal para ele com um grande sorriso. E tropeçava sabia-se lá onde, caindo de cara no chão.

Não contendo o riso, ele nem pôde ir auxiliá-la antes de uma das pessoas do templo chegar à frente e bradar com atitude:

– Mas é uma idiota desastrada!

Sem se levantar, Usagi ergueu o rosto já cheio de lágrimas em direção à mulher de longos cabelos escuros e apontou em sua direção.

– É a mulher doida!

Continuará...

Anita, 18/02/2013


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Notas finais do capítulo

Não tenho como esconder, eu ADOREI fazer essa última cena. Foi tão como se eu estivesse ali, só contando pra vocês o que via a Usagi fazer!

Enfim, muitos agradecimentos a todos que estão comentando aqui e nos outros sites. Fico superfeliz mesmo *_* Continuem deixando o que acham, por favor.



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