Minha Vida Existe Para Viver com Você escrita por Anita


Capítulo 3
Vida Íntima




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Era bem cedo do dia quando Usagi abriu a porta de casa e foi correndo até a própria cama. Queria tomar outro banho, apesar de já havê-lo feito no apartamento de Mamoru, mas não valia o risco de sua mãe descobri-la chegando àquela hora. Não que ela precisasse agir assim, fazia bastante sentido ela passar a noite na casa de seu marido. Bem, ainda não oficialmente até o departamento de registro abrir e toda a papelada ser recebida, mas era uma questão de tempo para isso acontecer. E ela já se sentia... dele.

Deitada em sua cama, abriu os olhos irritada. Depois que a pessoa se casava não conseguia mais dormir? Ou a insônia tinha a ver com a experiência da noite anterior?

Escondeu-se por completo com sua coberta. O que houvera com ela para... aceitar? Sugerir? Ela teria sugerido sua própria primeira noite? Não que Mamoru não fosse o maior interessado. E ela? Teria passado naquele test drive que ele lhe fizera?

Bem, ele não parecia estar reclamando, mas também ficara basicamente inconsciente todo o tempo depois. Teria sido decepcionante se Usagi não estivesse nervosa demais com a etiqueta que deveria seguir. Mas ele havia gostado, certo?

E rolou na cama, não apenas por vergonha: seu corpo todo formigava como se houvesse acabado de roubar todos os docinhos de uma festa. E os engolira de uma vez só, a julgar pela energia que a impedia de, ao menos, cochilar.

Empurrou o corpo até a mesinha onde deixara o celular e conferiu as horas. O despertador tocaria em meia hora. Ela acabara de perder mais de trinta minutos rolando na cama e pensando em... nem se lembrava em quê. Havia ainda um aviso de duas chamadas perdidas. E uma mensagem nova.

Sentou-se com um suspiro resignado. A mensagem era de Mamoru, que devia ter acordado e descoberto seu bilhete. Agora lhe perguntava se ela chegara bem. Inspirou fundo e o respondeu bem rápido: sim, estava bem. Mas o desconcerto com que aquela mensagem a deixava pareceu-lhe quase saudoso quando Usagi teve de encarar as chamadas perdidas: Makoto.

Então... ela notou? Que Usagi havia lhe ligado naquela noite?

Esfregou um pouco os olhos, como se agora sim estivesse em um pesadelo. Bem, só estava exagerando. Fora apenas um momento desconfortável e nada além. Perdida dentro do banheiro de Mamoru, Usagi havia ligado para a amiga, pensando em pedir ajuda antes de fazer qualquer coisa. Ao ouvir a voz do outro lado, contudo, Usagi ficara confusa.

– Motoki? – perguntou em resposta automática. Havia ligado errado...? Ótimo, agora precisava de uma explicação para chamá-lo no meio da noite. Ao menos, não saíra vomitando todo o problema como faria normalmente. Bastava fingir que queria marcar de sair ou qualquer coisa assim. Ou que só ligara para fofocar! Normal, eles eram amigos. Amigos podiam dizer essas coisas.

Antes Usagi tivesse deixado para perder os cabelos depois. Isto porque, antes de ela poder inventar uma desculpa, o homem do outro lado da linha desligara. O problema nem fora esse, talvez Usagi houvesse ligado até para uma pessoa completamente desconhecida, achando que seria para Makoto e quem atendera tinha a voz parecida com a de Motoki. Vamos, ela não tinha o melhor reconhecimento de voz. Na verdade, ela era a garota quem, por duas vezes, atendera no telefone da firma a chamada de um superior achando ser seu pai e aí tivera que explicar como o pai estaria ligando para aquele número comercial. O problema era que Usagi conferira o número e ele era o de Makoto.

Seu rosto queimava ao juntar as coisas: ela ligara para Makoto, que devia estar em uma situação muito semelhante à sua, no quarto de outro homem. Era pensar demais talvez, mas sua amiga não tinha irmãos nem morava com o pai. Quem mais poderia ser do outro lado? A menos que estivesse bebendo com Motoki em um bar, e este houvesse atendido o aparelho errado de celular! Não... Makoto, definitivamente, não vinha bebendo, e Motoki não desligaria na sua cara.

Bem, Usagi não tinha que encarar as chamadas que Makoto lhe retornara agora. Podia apenas cochilar um pouco... Ah, era mesmo. Ela não conseguia fechar os olhos!

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

A gata preta correu pelo telhado e subiu na sacada da casa para espreitar o movimento da entrada do vizinho. Um carro de passeio estava com a mala aberta e cheia. Uma mulher mais velha caminhou até ela e se esticou para puxar a porta até fechá-la com força.

– Não é uma coincidência? – perguntou Luna ao sentir que Arthemis havia retornado e estava agora sentado a seu lado. – Que Usagi tenha decidido se casar justamente com aquele homem?

Mas o gato continuou em silêncio, apenas olhando distraído para frente.

– O que houve com você, Arthemis? Comeu demais? Hoje é um dia importante. Eu preciso, ao menos, da sua atenção para me decidir se isto é um final feliz de fato ou a pior das reviravoltas.

– Luna... eu...

– Desembucha logo... Porque eu, realmente, preciso de você bem para conseguirmos nos infiltrar no apartamento pra onde a Usagi vai agora.

– Eu fui ver a Minako.

Luna virou os olhos com tédio.

– Como se eu já não soubesse que você foge para lá sempre que pode. Não precisa se sentir culpado por isso. Eu realmente não posso te censurar. – Ela se deitou no chão e suspirou.

– Não é isso, Luna. Eu estava conferindo o novo emprego dela e... e...

– Não me diga que ela também vai se casar com o Mamoru Chiba.

– Não é hora para brincadeiras. – Arthemis levantou a pata, mostrando as garras em um momento de nervoso. – Ela estava com um general. Não apenas um general, mas o general!

A gata franziu a testa e miou confusa. Então, repentinamente, as palavras do outro passaram a fazer sentido. Ao mesmo tempo em que ela começava a entendê-lo, nada mais se encaixava.

– Como assim? – perguntou, sem mais registrar os movimentos na casa que até então vinha observando com afinco.

– O general do Dark Kingdom, aquele Kunzite – Arthemis falava como se acabasse de proferir palavras amaldiçoadas.

Era difícil formar alguma opinião sobre aquilo. De certo, o casamento arranjado de Usagi com Mamoru soava a algo que passasse por coincidência. Mais que isso: eles estavam vivos. O que dizer dos generais? Eles morreram. Todos foram mortos em algum ponto durante a batalha contra o Dark Kingdom, e Luna mesma havia presenciado a morte daquele que Arthemis mencionara.

– Não foi impressão sua, Arthemis? Minako está trabalhando agora em um tipo de restaurante, certo? O que Kunzite iria fazer num lugar desses...

– Ele estava com uma forma humana, nem cabelos brancos ele tinha. E... agia bastante humano.

– Então... – Apesar da pose altiva que Luna demonstrava no momento, a própria soltava um suspiro. – Você só está exagerando. Vou confessar algo. Um dia, fui dar uma olhada na Rei e quase caí dura quando dei de cara com um rapaz que parecia muito com o Jadeite. Não sei se você se lembraria dele.

O gato entortou o pescoço, mas logo balançou a cabeça.

– Não é importante lembrar, Luna! Se o Kunzite tá com a Minako e o Jadeite tá atrás da Rei...

– Mas a questão é essa, Arthemis. Aquele não era general nenhum. Até parecia, mas era só um estrangeiro. Até sotaque o rapaz tinha; e o Jadeite falava japonês perfeito.

O gato branco miou bem baixo. Claramente, não se havia convencido, mas se resignou em não mais tocar no assunto.

Abaixo, Usagi e sua mãe fechavam a casa. A mudança estava terminada.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Usagi olhou confusa para o apartamento que conhecera poucas noites atrás. A sensação era a de que não estava em seu corpo ou mesmo vivendo sua própria vida.

– Filha, não fique parada no meio do caminho com essa mala. – brigou Ikuko, empurrando a própria outra mala gigantesca até o quarto que o casal dividiria.

Um rubor queimou a face de Usagi ao pensar o que fizera ali da última vez e perceber sua mãe. Mães não acreditariam que, após o casamento, as filhas continuavam virgens, né? Alguma chance de fingir que ela continuava?

– O Mamoru vai demorar muito pra voltar, Usagi? – perguntou a mãe, ajudando-a a pôr a segunda mala no quarto. – Não entendo por que não o esperou para fazer isto.

– Ele nem tem carro. Pra que esperar? E nem tem tanta coisa...

– Ainda assim, são duas malas de trinta e dois quilos. E a impressão que tenho é de que cada uma pesa uma tonelada.

– Obrigada, mãe. – Usagi passou a mão na cabeça de Ikuko, com um sorriso brincalhão. – Você fez um bom trabalho!

– Eu não sou cachorro. – E a afastou.

A filha sorriu, mostrando a língua:

– Mas cuida bem do resto das minhas coisas lá no meu quarto, pra quando formos para a minha casa nova.

– É... Deve ser um pouco chato não se mudar para a própria casa. Mas o Mamoru é uma boa pessoa, ele entenderá se quiser mudar isto ou aquilo de lugar. Além do mais, é melhor que escolham tudo com calma. Por falar nisso... – Ikuko correu até a mesinha próxima à porta, onde deixara sua bolsa, e retirou desta um cartão branco. – Esta é a empresa que planeja casamentos de que falei com o Mamoru. Já marquei uma visita para amanhã pra vocês verem o que acham. – E deixou o papel sobre a mesma mesa.

– E por que eu só tô ouvindo disto agora?

– Bem, não é minha culpa se o que eu te falo entra por um ouvido e sai pelo outro.

Usagi começou a imitar o rosto bravo da mãe enquanto esta ainda falava.

– De toda forma, você não é mais minha responsabilidade.

Mãe! – reclamou, fazendo cara de choro.

– Agora, é melhor corrermos pra fazer uma cópia das chaves para você. Vamos, Usagi. – Ikuko a enxotou após ignorar a última resposta e trancou o apartamento.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Eles haviam acabado de jantar a comida que Mamoru trouxera na volta do serviço e agora, sob sugestão de Usagi, assistiam a um programa de variedades. Claro, ela costumava assistir coisas assim sozinha, mas a sugestão, definitivamente, não viera de um desejo súbito de ver pessoas se batendo ou passando por situações embaraçosas ou apenas gritando coisas sentido. Usagi estava apavorada com aquela primeira noite sozinha com Mamoru e precisava que preenchessem o silêncio por ela.

Os dois vinham se comunicando indiretamente desde que... fizeram aquilo. Era estranho como ela conseguira mandar do trem uma mensagem para ele só avisando que iria mais cedo para deixar suas coisas no apartamento naquela sexta-feira. A mensagem havia saído tão natural que ela se sentira arrependida de havê-la mandado. Mamoru não era sua amiguinha de se usar para matar tempo de casa para o trabalho. Ele ainda lhe respondera com um bom dia e que fosse em segurança. Certo, aquela resposta sim soava algo entre casados. O que eles já até eram!

Sacudiu-se no sofá para não pensar mais. Tudo o que queria era que Mamoru dormisse logo; aí ela fugiria para o quarto e apagaria lá. Até ele perceber, Usagi já estaria na terra do arco-íris. Era um plano tão genial que ela queria até fazer um sinal de vitória. Mas deixou para o dia seguinte, quando já houvesse dado certo.

Olhou para um relógio na parede. Já era quase meia-noite e ela ainda tinha que acordar para o trabalho. Espiou Mamoru por um momento, então voltou a fingir interesse com o programa.

– Já está na hora, né? – Mamoru havia tomado banho e escovado os dentes logo após a janta, momento que Usagi aproveitara para encontrar um canal com bastantes programas divertidos para assistir. Agora que ele se mexia para se levantar, o cheiro de algo fresco e úmido misturado ao sabonete chegou até ela mais uma vez.

Era aquilo que ela sentiria por todas as noites de sua vida? Era tão... atraente. Não sabia nem explicar como, mas também sensual. O cheiro de um homem limpo. O homem dela.

– Usa...gi? – Mamoru estalou os dedos na sua frente. – Já está tarde; vou para o quarto.

– Ah.

Bastou aquilo para suas ilusões de ser a garota mais feliz do mundo sumirem e ela aterrissar com força de volta àquele problema: eles teriam agora sua lua de mel? Ou não?

– Então... Vou te esperar lá.

– Tá, tá, já tô indo! – disse rapidamente, pondo-se de pé em tempo recorde.

Mamoru pareceu assustado por um instante, provavelmente com a reação rápida da outra, mas logo sorriu.

– Então, vamos.

Ela olhou para a mão do agora marido, indicando a direção do quarto e não conseguiu mais sentir as próprias pernas. Após um momento congelado, seu corpo decidiu que atenderia a todos os comandos de fuga ao mesmo tempo. Usagi pulou de volta para o sofá, segurando-se firme ali e derrubando o próprio celular no chão.

– Usagi?

– O Motoki! – gritou ela.

– Motoki?

– Eu preciso ligar pra ele. Aí tava procurando meu celular.

Mamoru abaixou-se e pegou o aparelho lentamente.

– Obrigada – Usagi disse, estendendo a mão para puxá-lo do outro.

– Mas não está meio tarde?

– Você sabe como ele sai tarde do serviço! – Virou os olhos, como se Mamoru houvesse dito uma besteira. De fato era tarde. Ao menos, Motoki costumava estar acordado até uma da manhã nas sextas. Como o homem à sua frente continuava simplesmente parado, Usagi começou a fazer sinal para o quarto. – Eu ligo pra ele e depois ainda tenho que tomar um banho. – Na verdade, ela o havia feito assim que se despedira da mãe, mas era a grande desculpa que vinha guardando.

– Está bem, eu vou na frente, então. É só que você deu a entender que vinha junto, cabeça de odango.

– Não me chame assim, e vai logo pra eu ligar pro Motoki!

– Algum segredo do seu marido? – perguntou Mamoru em tom jocoso.

Usagi mostrou-lhe a língua e respondeu:

– Todos!

Enquanto o sentia sair dizendo algo sobre sonhos não contarem como segredos, Usagi virou os olhos e correu ao telefone. Fazia um tempo que não falava com Motoki, por isso, achou uma boa ideia cumprir com o que dissera, mesmo que o outro não parecesse estar espionando.

Oi.

– Motoki? – Usagi franziu a testa, ouvindo um som de música entrar bem baixo no plano de fundo da chamada. – Aconteceu alguma coisa?

Eu preciso ir.

– Você brigou com a Reika? Foi isso? Que tal a gente se ver esses dias?

Algo assim. Preciso ir mesmo.

E ele já havia desligado. Usagi continuou a encarar o aparelho por um longo momento até decidir por mandar uma mensagem para o amigo, desejando que se sentisse melhor. Debateu sobre cada desenho e emoticon para enfeitar suas palavras até que enfim a enviou. Mas Motoki não respondeu.

Talvez devesse ter seguido o que Mamoru lhe dissera e não haver ligado tão tarde da noite. A música baixa ao fundo, a voz reticente do amigo... Recordando-se desses detalhes, Usagi sentiu-se ruborizar. Sacudiu a cabeça para não pensar nisso. Desde a noite passada com Mamoru, ela vinha achando que todos dispensavam sua chamada por estarem em algum momento íntimo.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Usagi perdera tempo demais na noite anterior, preocupada com Motoki e com o que uma esposa acharia de uma menina ligar no meio d’aquilo para seu marido. Quando, enfim, estava preparada para enfrentar sua primeira noite de verdade com Mamoru, este havia se cansado de esperar e já dormia pesado.

Ao menos, ele não parecia bravo quando se encontraram na estação próxima à agência de matrimônios indicada por Ikuko no dia seguinte. Estava desacostumada com encontrar homens em plena estação de trem, – à exceção de Motoki, – por isso, exagerou nas palavras costumeiras: “você esperou muito?”, perguntou em tom alto agora que encontrava o próprio marido. E um terno com certeza fazia bem a Mamoru.

Mesmo estando familiarizada com sua personalidade pouco simpática, era difícil não se perguntar por que ninguém mais o agarrara antes. Tarde demais, pensou com um sorriso de vitória, enquanto ouvia os cumprimentos das recepcionistas na agência.

Foi uma reunião agradável, mas rápida demais. Usagi preferia continuar ali a tarde toda. Era um prédio em um lugar bem verde e amplo, afastado do centro da cidade. O interior da agência cheirava a flores e todos os demais cheiros bons do mundo na quantidade e combinação certas.

Mamoru terminava de conversar após ela descrever tudo o que gostaria no casamento, quando Usagi aproveitou para olhar os arredores. No fundo, havia uma entrada para uma ampla sala que servia de capela. Era quase um local mágico; felicidade invadiu seu peito ao pensar assim. Como se casar daquela forma com uma pessoa de quem ela não gostava além da atração física podia parecer tão certo? Mas “certo” era a melhor descrição para o que seu coração pensava de tudo.

– Ah! – exclamou ao perceber que havia uma jovem de uniforme da empresa descendo do altar.

– A senhorita precisa de alguma coisa?

– N-não! Eu s-s-só... err... – Usagi sorriu sem jeito e saiu correndo, batendo a porta atrás de si.

– O que está fazendo perambulando por aí, sua cabeça de odango? – Mamoru surgiu bem à sua frente, seguido da planejadora que os atendia.

Usagi baixou a cabeça.

– Eu doido te procurando – explicou o rapaz. – Agora, despeça-se da senhora Aino.

– Muito obrigada por hoje, senhora Aino – disse resignada para a mulher mais velha, curvando o corpo com educação.

A planejadora, quem devia possuir em torno de cinquenta anos, sorriu-lhes e levou-os até a saída, desejando que retornassem logo.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Quando chegaram ao andar do apartamento, Usagi ainda se sentia contrariada e não fazia qualquer questão de esconder isso de seu rosto.

– Vai ficar com essa cara a noite toda? – perguntou Mamoru, enquanto buscava sua chave.

– Não gostei de levar bronca na frente de todo mundo.

– E como eu fiquei quando olhei pro meu lado e a criancinha tinha desaparecido?

– Foi mal, achava que tinha o direito de ir aonde quisesse. Parece que com o seu sobrenome vieram algemas invisíveis, né? – Usagi correu até sua bolsa para puxar a própria chave e abrir a porta ela mesma.

Sentiu-se gelar com o que via no interior de sua – ainda que temporária –nova casa.

– Mãe? – Mamoru pareceu ser o primeiro a processar a cena.

A senhora Chiba sorriu para os dois.

– Acabamos de chegar da estação e, como não tinha ninguém em casa, acabamos entrando mesmo assim. Seu pai foi buscar umas coisinhas na loja ali na esquina e já volta.

Usagi sorriu de volta para a nova sogra. Passada a surpresa, o que lhe vinha era a sensação de ouvir o sino da salvação. Com certeza, não poderia ser feito nada inapropriado quando os pais do marido estavam bem ali na mesma casa, né?

Sorte duas noites seguidas. Mas havia também uma ponta de frustração ao olhar Mamoru passar na sua frente e cumprimentar melhor a mãe. Tentou espantar a sensação ruim antes que se conscientizasse demais da vontade de tê-lo para si mais uma vez. Bem, ela teria a vida inteira para vencer a vergonha e aproveitar o prêmio que ganhara na loteria dos casamentos arranjados.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Não conseguia definir se sua primeira semana como Usagi Chiba havia passado rápida ou lentamente. A verdade era que sempre que estava no trabalho, sentia como se seus dias com Mamoru não passassem de uma ilusão.

Quantas vezes ela não contemplara seguir outra direção no trem de volta para casa? O fato de todos ainda se referirem a ela pelo nome de solteira também não ajudava, mas a própria preferira assim. Makoto chegou a lhe dizer que logo tudo mudaria, especialmente depois da festa. Ao mesm tempo, confessara nunca haver sido próxima de alguém que se casara, então, não havia certeza naquela previsão.

Ainda assim, não era tão ruim quanto imaginara. De dois em dois dias, Usagi cozinhava. Duas vezes na semana, ela deveria arrumar a casa. A própria mãe fora quem sugerira aquele esquema no almoço de domingo junto com os seus sogros. E parecia estar funcionando, já que era bem parecido com as regras de sua própria casa. Mamoru prometera preencher o resto, já acostumado com arrumar seu apartamento e fazer a própria janta sempre que podia.

Apesar de nada estar materialmente faltando à casa no final daquela semana, Mamoru não chegara cedo um dia que fosse. Nos dias em que Usagi estava incumbida de cozinhar, ele sequer fora para jantar, havendo mandado mensagens de que teria que voltar mais tarde para casa.

A terceira vez em que isso ocorreu, na sexta-feira, sequer era dia de ela cozinhar, de sorte que Usagi tivera que se contentar com um hambúrguer de um restaurante fast food próximo ao prédio. Irritada, ela decidiu que não guardaria o lixo que fizera comendo; ficaria com ele no sofá e assistiria televisão até o marido retornar. Mamoru havia de ouvir poucas e boas quando o fizesse. Não era assim que alguém devia agir com apenas uma semana de casados.

Quando ele chegou enfim, provavelmente após pegar o último trem, Usagi já havia cochilado ao som das notícias do jornal noturno. Apesar de semidesperta pelo som das chaves e do anúncio de Mamoru de que havia retornado, estava sem forças para discutir àquela hora. Decidiu, portanto, apenas fazer cara de uma pobre coitada abandonada para dormir sozinha na sala.

Ouviu-o aproximar-se e, quando pareceu haver-se agachado, sentiu sua mão recolher o lixo a seu redor. Cheiro de cigarro e álcool... Outra reunião do serviço? Então, percebeu um barulho de sacola, indicando que ele trouxera comida pronta. Logo, Mamoru se afastou. Abriu um olho para espiá-lo pôr o conteúdo na geladeira. Em seguida, ele saiu da cozinha de volta para o sofá. Usagi fechou os olhos rapidamente. Foi quando se sentiu ser levantada e levada até o quarto, onde foi depositada com extremo cuidado na cama. Ela não sabia se a raiva havia se esvaído ou aumentado, apenas que se tratara de um golpe baixo.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Era domingo, já bem tarde da noite.

Usagi se aconchegava no edredom, embalada pelo cheiro de Mamoru, quem já dormia a seu lado. Após tantos desencontros, os dois haviam feito sexo no sábado tão logo retornaram de assinar o contrato na agência de matrimônios. E haviam acabado de fazer mais uma vez naquele domingo.

Usagi rolou na cama para encarar o marido. Irritada por ser a única animada demais para conseguir dormir, considerou contorcer o rosto dele com caretas. Bem quando já o tocava, ouviu seu celular tocar na mesinha de cabeceira.

Não era hora de alguém interromper aquele momento, pensou aborrecida. Não que Usagi estivesse certa de a qual deles se referia: se àquela sensação de estar íntima com seu marido que vinha durando desde a noite anterior, ou apenas a seu plano de brincar com o rosto adormecido do mesmo. Mas tinha certeza de uma coisa: não queria se virar para pegar o aparelho.

Sentiu Mamoru se mexer na cama. Suas mãos se esticaram sobre ela, tateando seu rosto.

– Eeei! – reclamou com ele, batendo de volta na sua cara.

– O celular... – gemeu-lhe de volta, os olhos tortos. Incrível que já estivesse em sono tão profundo... Usagi havia apenas tomado uma ducha rápida e acabara de voltar para a cama. De onde vinha tanto sono?

– É meu. Deixa tocar, - respondeu rapidamente.

Mas Mamoru havia conseguido localizá-lo e agora estava com o corpo por cima do dela, jogando o celular a seu lado.

– É Motoki – comentou, antes de virar para o outro lado e cobrir-se até o nariz.

Naquele momento, Usagi entendeu o porquê do tom de voz com que o amigo lhe falara pouco mais de uma semana antes quando ela lhe ligara. Sentindo o mesmo aborrecimento, pensou com um sorriso que era a hora de dar o troco.

– Alô?

Ao ouvir a resposta de Motoki, ela se levantou apressada da cama. Vingança adiada.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Conferiu o nome do bar anotado às pressas e suspirou. Usagi já havia ido ali resgatar o amigo outras duas vezes, não contando as em que a própria já não estava com ele num bar qualquer. Mas aquela fora a primeira vez em que o estava considerando um imenso estorvo. Talvez, isso também se devesse também a ser a primeira vez que ele precisava de babá em pleno domingo.

Após olhar ao redor do ambiente, um bar aonde ela jamais havia ido ou de que já houvesse falar, Usagi percebeu que um atendente a olhava firme. À sua frente, encontrava-se Motoki. Ele estava deitado sobre seu braço esquerdo e com a ponta dos dedos da mão livre sobre a borda do capo quase vazio.

– É a senhorita Tsukino? – perguntou o homem.

Ela assentiu para depois pensar que não, não o era mais. Mas, sem perder tempo com filosofias, falou para o outro se levantar logo. Porém, diferente das demais vezes, Motoki a ignorou e continuou a circular a borda do copo com o dedo.

Após se sentar no banco ao lado, Usagi lançou um olhar apologético para o atendente, quem apenas se afastou com um sinal de que não se preocupasse e foi passar pano em outra parte do balcão.

– Motoki... – ela chamou o amigo, passando a mão em suas costas com alguma força, como se o gesto lhe pudesse transmitir energia.

Em resposta, ele balançou a cabeça ainda na horizontal, sem voltar-se para Usagi.

– Você tem que ir... Amanhã tem trabalho e olha a hora. Logo perderemos o último trem! – Mas não era como se ele a visse apontar para o relógio do bar. – E a Reika? Ela viajou de novo?

Ele sacudiu a cabeça.

– Então, por que está perdendo seu raro momento com ela? Se fosse você, não a largava!

– Não quero saber dela... – resmungou Motoki, quando enfim jogou a cabeça para cima. – Sabe, eu trabalho que nem um condenado por ela e aquela mulher sequer pensa em me agradecer. Só fica reclamando de tudo sem qualquer direito. Sim, ela ganha o dinheiro dela, mas quem disse que aquilo sustenta a casa? Sustenta as bolsas dela, os sapatos, as malditas roupas que ocupam todo canto da maldita casa! Aquela mulher não tem direito a nada, nada mesmo.

Ei! – Usagi não podia esconder que se sentia ferida com o discurso, já que a divisão financeira parecia o seu arranjo com Mamoru.

Ela também não parecia obrigada a pagar nada da casa. Já havia feito algumas compras com seu dinheiro, mas não era nada comparado a todas as contas. E não achava que isso lhe tirava o direito de reclamar se o marido resolvesse chegar tarde todos os dias, como Motoki acabava fazendo. Não que ela odiasse aquilo em Mamoru; ficava irritada quando ele a contrariava, mas havia algo de liberdade em ter a casa apenas para si. Talvez ela reclamasse mais se gostasse do marido de verdade, como era o caso de Motoki e Reika. Assim, não podia também tirar a razão de Reika; melhor, não podia deixar de ficar do lado dela.

Irritada com o rumo que o discurso tomava, Usagi se levantou rapidamente da cadeira e apontou para a porta de saída.

– Pode ir andando, Motoki. – Forçou, então, os ombros dele para cima, até ele a atender e se levantar.

Como o outro parecia entortar mais o corpo que andar, Usagi posicionou-se para ajudá-lo com mais experiência naquilo do que gostaria de ter. Já era quase maio, mas um vento frio bateu em seu rosto, fazendo-a desejar voltar para sua coberta quente com o cheiro de Mamoru.

Agora precisava chamar um táxi para a estação. Era bom que houvesse sobrado dinheiro na carteira daquele bêbado, pensava ao pisar na calçada.

Antes que ela pudesse reagir, porém, Motoki começou a balançar a cabeça para baixo e riu.

– Oh-oh... – disse ele e correu com pressa para longe dela.

Motoki! – Usagi só conseguiu observar enquanto ele corria para o meio da rua.

Um carro passou com velocidade quase por cima do amigo. Por sorte, ele acordou do que havia feito e pulou de volta para a calçada.

– Aaai! – gritou Motoki ao cair no chão e encolheu-se próximo ao meio-fio.

Ainda sem reação, Usagi sentiu alguém pular para cima do amigo e começar a olhar para a perna que Motoki parecia proteger enquanto gemia.

– Ele deve ter apenas batido com a canela no meio-fio. – A moça de cabelos bem curtos começou a apalpar Motoki, até que ele gritou sobre os gemidos de antes. – E torcido o pé quando pulou. – Ela ergueu os olhos azuis para Usagi e lhe sorriu. – Basta limpar o machucado que o resto ficará bom logo, logo. Não há por que ficar tão assustada.

Usagi assentiu e se curvou em agradecimento à moça. Quando as duas já se encontravam frente a frente, um estalo veio à sua mente.

– Você é a menina da agência! – disse, apontando para a moça.

Ela também pareceu reconhecê-la, mas entortou levemente a cabeça e franziu a testa.

Motoki gemeu e, no próximo segundo, a rua estava cheia de uma substância parcialmente líquida. O cheiro azedo misturado a álcool subiu ao nariz de Usagi, causando-lhe ânsia.

– Talvez seja melhor levá-lo a uma clínica, - disse ela resignada, afastando o rosto do vômito.

– Realmente, não é grave... senhora Chiba.

– Ah, você lembrou meu nome! Pode me chamar de Usagi mesmo, - disse com um sorriso.

– Sou Ami. Ami Mizuno. - E o retribuiu com alguma reserva, após curvar-se com alguma cerimônia.

Antes de poderem se falar mais, Motoki gritou alto e com força, quase como se rugisse. E não parecia mais dor ou enjoo. Após um escarro sonoro, como se atacasse alguém invisível, ele se explicou.

– Minha perna está bem, meu casamento que não está. Não acho que clínicas curem isso, Usagi. Sabe, eu não ia dizer nada, mas eu realmente preciso pôr pra fora. É injusto contigo; não dá pra ficar calado.

Ela olhou confusa para Ami e levantou os ombros antes de voltar-se para ouvir o resto do que Motoki lhe contava.

– Minha esposa está me traindo, Usagi – disse Motoki, dando um soco na calçada em que estava sentado.

Antes que ela conseguisse decidir como reagir a isso, o outro completou com um tom amargo, mas acompanhado de certo escárnio:

– Com o Mamoru.

Continuará...


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