Setembro havia chegado e com ele as aulas começado, eu não estava muito animada para voltar a estudar, porém era necessário, e o pensamento que me salvava era que aquele seria o meu penúltimo ano na escola, e a liberdade finalmente chegaria! Ou nem tanto como eu esperava, mas pelo menos da escola eu estaria livre... Até entrar na faculdade.

–Bom dia, Lily! – era minha mãe falando assim que eu desci para tomar o café da manhã.

–Bom dia, mãe. Eu não estou com fome hoje, por isso já estou saindo.

Depositei um beijo em sua bochecha enquanto ela fritava os ovos na frigideira, sabia que já ia tomar um sermão então tentei sair o mais rápido possível. Falhei.

–Lilian, claro que você vai tomar café, é a refeição mais importante do dia!

Essa era minha mãe, regras eram regras e tudo tinha que ser como ela queria, acho que ela meio que pensava que poderia alcançar a perfeição, ou a “família perfeita” que tanto desejava.

–Mãe, você sabe que eu demoro a me acostumar com o horário das aulas de novo. Se eu comer agora, vou passar mal! – disse. – Agora eu tenho que ir, é melhor chegar mais cedo hoje.

Ela me olhava desconfiada, mas por fim suspirou e disse:

–Tudo bem, te amo e tome cuidado! – e eu fui.

A escola era apenas três quadras da minha casa, eu ia todo dia a pé e gostava disso. Lucy High School era considerada a melhor escola pública de Nova Orleans, meus pais não tinham condições de pagar uma escola particular e eu não era tão inteligente pra conseguir uma bolsa integral, então eu me esforçava o máximo que conseguia ali.

Cheguei na escola no mesmo instante do ônibus no qual a minha melhor amiga ia, ela foi a primeira a descer, como sempre, os cabelos negros exageradamente arrumados, a maquiagem e a roupa sugerindo que ela iria a uma festa. E esta era Melissa.

–Eu já disse que esse ônibus me da um nojo? Meu Deus, as férias nem começaram e olha a gente aqui de novo!

–Bom dia pra você também, Mel – sorri. – E a gente ficou três meses de férias, mas eu concordo, isso aqui é um saco.

–Ai amiga – ela me abraçou. – Bom dia, a única coisa que me salva nessa escola é ter você, e esses meninos lindos, claro. E ah, a propósito, hoje você vai ficar com o Tyler Evans.

Parei de andar na hora e fiquei estupefata.

–Oi? Melissa, como assim? Você tá louca, garota?

Apesar de o Tyler Evans ser um dos garotos mais lindos e populares da escola, eu realmente não estava afim. E não era só porque eu era “boca virgem” – é, ainda –, mas principalmente porque eu não sentia atração por ele.

–Eu não, ele é que está louquinho por você. Vamos lá Lily, precisa se deixar levar, eu entendo que está com medo, mas uma hora vai ter que beijar! E convenhamos que o Tyler não é qualquer um, por favor.

Eu sabia que não tinha que provar nada pra ninguém, mas a Mel e os meus outros amigos me enchiam por eu nunca ter beijado tendo dezesseis anos. Eu não me importava muito, mas estava achando que iria fazer esse sacrifício para parar de ser perturbada.

–Você está tão incomodada com o fato de eu nunca ter beijado, que até parece que isso te afeta! – voltamos a andar e sentamos em um banco perto de uma árvore.

–Mas me afeta! Você é minha melhor amiga, e eu quero ver você aproveitando os prazeres da vida!

Como se fosse tão simples, ela sorriu e eu sorri de volta sarcasticamente, ela não tinha mesmo jeito.

–Quem aí tem que aproveitar os prazeres da vida, meninas? – era Liam, nosso amigo, que chegara por trás de nós. – Ah, já sei, é a Lily santinha-reservada.

Mel riu e eu não pude deixar de revirar os olhos.

–Pelo amor em gente, como vocês gostam de mim! – falei.

–Tyler Evans, é? – Liam disse. – Finalmente vai saber como é beijar em garota!

–MELISSA! Quem mais está sabendo disso? – eu praticamente gritei, ela tinha uma expressão de culpada e olhou pra mim com os olhos tristes.

–Bem... Digamos que eu deixei escapar, mas juro que foi sem querer!

Fiquei boquiaberta, não sabia o que dizer e estava com raiva, poxa, ela era a minha melhor amiga e fazia isso comigo? Levantei do banco e sai andando sem olhar pra trás, ignorando também as desculpas que ela gritava de longe.

Fui até o banheiro e lavei meu rosto, olhei no espelho, por que é mesmo que um cara como Tyler Evans se interessaria por mim? Só podia ser brincadeira ou armação. O meu cabelo loiro era tão liso que parecia ter óleo, a falta de maquiagem e os meus olhos verdes opacos só pioravam a situação. É, era brincadeira.

Alguém saiu de um dos compartimentos no banheiro, e eu parei de encarar minha própria figura no espelho para enxugar meu rosto com um papel-toalha.

–Manhã ruim? – uma voz perguntou, eu me virei e me deparei com a garota lavando as mãos, me olhando e sorrindo.

–É, só um pouco – sorri levemente. Percebi que nunca havia visto ela ali na escola, então só por curiosidade resolvi perguntar: - Você é nova aqui? Nunca te vi na escola.

–Sou nova sim, acabei de chegar na cidade, morava em São Francisco, não que você queira saber.

–Mas claro que sim! – falei realmente entusiasmada e cheguei mais perto para continuar a conversa. – Sou a Lilian, mas pode me chamar de Lily.

Ela sorriu, estendeu a mão e disse:

–Prazer em conhecê-la Lily, meu nome é Rose – apertei sua mão e a olhei mais atentamente, seus olhos eram azuis como o céu e ela tinha o cabelo em um tom ruivo avermelhado, mas bem escuro e opaco. Usava maquiagem, mas era discreta e pelo seu vestido florido pude notar o quão feminina ela era.

–Então, qual a sua primeira aula? – perguntei.

–Biologia, e tenho que confessar, não estou lá muito animada. E não é só porque a matéria é chata, mas também por ser a novata estranha da escola.

–Mas é uma coincidência muito grande que a minha primeira aula também seja de Biologia, acho que você não vai ficar sozinha, a menos que queira...

–Não! Imagina, parece até que ganhei uma nova amiga.

Ela sorriu radiantemente, eu percebi que também havia ganhado uma nova amiga e fiquei feliz por isso.

O sinal tocou e fomos para a aula. Eu nem me toquei em lembrar-me da Melissa, mas não importava, ela havia me magoado e a nossa primeira aula não era a mesma.

Eu e Rose sentamos juntas, as pessoas a olhavam estranhamente para ela, como usualmente faziam com pessoas novas. Olhei para o lado enquanto os alunos entravam e vi Tyler me encarando, ele sorriu pra mim, acho que tentando me seduzir, mas não deu muito certo. Desviei o olhar antes que vomitasse com tudo aquilo.

–Bom dia, classe! Eu tenho um trabalho especial para vocês hoje – O Sr. Miller falava. – Quero que vocês contem sobre seus sentimentos quando tiveram a primeira vez de vocês, ou se ainda não tiveram, o que eu acho difícil, que falem então sobre o primeiro beijo. Eu prometo não entregar esse trabalho às suas famílias, valerá nota e eu espero tê-lo em mãos até o final da aula.

Ele se sentou em sua mesa e começou a fazer a chamada. Ai meu Deus, o que eu faria agora?

–Ei – Rose me chamou. – Tá tudo bem? Você parece que ficou meio preocupada depois do pedido do trabalho.

–É que... Bem, na verdade eu nunca beijei – ela sorriu e olhou para os papéis na mesa.

–Isso é normal, você pode inventar ou contar a realidade, sua escolha.

Fiquei boquiaberta.

–Sério? Você acha mesmo isso normal?

–Claro, não é coisa de outro mundo uma garota nunca ter beijado aos dezesseis. Completamente normal – eu sorri e nossos olhos se encontraram, eu senti alguma coisa no estomago, mas achei que era coisa da minha cabeça.

–Acho que eu vou inventar mesmo.

–Boa ideia, quem foi o gênio que te sugeriu isso? – eu ri e peguei um lápis para começar a escrever, uma coisa na qual eu era boa, pelo menos.

***

No intervalo eu e Rose também ficamos juntas, descobrimos muitas coisas em comum conversando e rindo juntas. Era como se magicamente Deus tivesse me mandado uma nova melhor amiga perfeita, mas eu sabia que ninguém poderia substituir Melissa.

–Eu não acredito que você deu esse fora no garoto! Qual é, deu dó... – ela ria descontroladamente da história que eu havia contado a ela, do jeito que nos entrosávamos, parecia que nos conhecíamos há anos. – “Desculpa, mas tem uma meleca no seu nariz, então não, obrigada”. Meu Deus, Lily!

–É, foi maldade, mas a vida tem dessas – dei de ombros, rindo também.

–Lily! Ah finalmente te achei! – era Melissa, vindo em minha direção, meu sorriso se desmanchou e eu olhei para ela, séria. – Mil desculpas, amiga... – e então ela viu Rose. – Ah, oi.

Ela realmente parecia muito simpática, mas no fundo eu sabia que havia um ciúme intenso queimando dentro dela.

–Olá – Rose pôs a maçã que estava comendo de lado para cumprimenta-la. – Sou a Rose.

–Melissa – Mel cumprimentou-a de volta. – Será que eu posso pegar a Lily um pouco, emprestada?

–Ela é toda sua.

Melissa me puxou até um canto do refeitório para falar comigo.

–Poxa Lilian, me desculpa pelo que fiz, agora, eu acho que não foi motivo pra você fazer tudo isso! Todo mundo da escola está comentando de vocês duas, dizem que agora são as novas melhores amigas.

–O que? Que besteira! – franzi as sobrancelhas. – Mas você não deveria ter feito o que fez, realmente.

–Ok, já entendi e já me arrependi! Agora me desculpa, por favor, todo mundo comete erros – a face dramática de Melissa aparecendo naquela hora. – E por favor, você é minha melhor amiga e de mais ninguém, ouviu?

Eu revirei os olhos e sorri.

–Tudo bem, mas eu tenho que ficar com a Rose agora, ok? Não fique chateada, mas não posso deixa-la assim.

Ela fungou e finalmente assentiu.

–Vou voltar na mesa com os meninos. Mas amanhã você não me escapa, e esquece o negócio do Tyler, tá bem? Não que ele ainda não esteja interessado, mas... Bem, você tem que estar pronta e principalmente querer o que está fazendo pra antes fazer.

–Tá bem, obrigada por me entender, Mel – abracei-a e era como se um peso estivesse saindo das costas dela, também fiquei feliz em voltar a falar com ela.

***

Descobri que Rose morava ao lado da minha casa quando estávamos indo embora, o que foi muita coincidência, Melissa ficou com ciúme de nos ver indo embora juntas, chamou-a de “senhorita ruiva falsa” pra mim e disse que não me perdoaria se eu passasse mais tempo com a Rose do que com ela.

–Uma curiosidade: seu cabelo é ruivo natural? – perguntei enquanto andávamos.

Ela riu e respondeu:

–Por incrível que pareça, sim, e as pessoas sempre me perguntam isso. E o seu, é loiro natural?

–Loiro, liso e oleoso naturalmente – falei. – Às vezes tão oleoso que da nojo, é sério.

–Acho lindo – paramos em frente à minha casa e nossos olhares se cruzaram novamente, e meu Deus, o que era aquilo no meu estômago?

Senti que eu ficava rosada e sem jeito, não sei porque, ela era minha amiga, comentários desse tipo deveriam ser normais, assim como os que a Mel fazia.

–Obrigada, o seu também é estonteante – falei, ela riu baixinho. – Bem, acho que vou indo, a gente se vê amanhã?

–Com certeza – sorrimos uma pra outra e seguimos em direção às nossas respectivas casas.

Eu só sabia que eu gostava de Rose, e que ela despertava em mim um sentimento nunca conhecido antes, eu estava com medo disso, porém no final do dia conclui que tinha algo na cabeça e que seriamos amigas normais.