Maybe Someday escrita por SomeKilljoy


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

*Desvia das pedras* o-oi, gente, quanto tempo, né? quase 6 meses... é... eu sei que sou um ser odiável, mas tô aqui postando capítulo novo às 6h da manhã com esperanças de que vocês gostem ;w;
Primeiramente, mil agradecimentos à Lariez, mozona da minha vida, que virou a madrugada comigo para ler e revisar o cap, e fazendo ajustes essenciais em algumas coisinhas ꒰˘̩̩̩⌣˘̩̩̩๑꒱♡ E que, além disso tudo, matou as mil inseguranças que eu tinha sobre ele, porque eu tava jurando de pé junto que tinha ficado uma droga djsjfds Ily, babe ⊂(♡⌂♡)⊃
Também não posso me esquecer de agradecer novamente à Yuna Ackerman por ser essa fofa de pessoa/leitora, sempre me motivando! (‘∀’●)♡
Eu gostaria de permitir que vocês o lessem de uma vez, mas só quero deixar um recadinho que pode ser fundamental para não deixarem vocês confusos com o cap: o começo dele é contextualizado com o capítulo 13, na visão do Tyler. Tem uma menção relevante de um diálogo que aconteceu nele - não sei se vocês se lembram, mas é aquele em que o Thay liga pro Gray logo depois do encontro deles. Vocês vão saber quando chegarem nessa parte, aí, caso queiram refrescar a memória, eu aconselharia darem uma relida nessa conversa dos dois (do cap 13), ainda mais sendo super curtinha e tal~ Só isso mesmo. Caso tenham qualquer outra dúvida quanto à reta temporal do capítulo, só perguntar nos comentários!
Espero que o tamanho do cap sirva de compensação à demora.
Sem mais delongas, boa leitura!



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Se houvesse uma palavra que pudesse descrever perfeitamente a semana que antecedera o Dia de Ação de Graças, seria inóspita. Inóspita por estar recheada de desentendimentos atribulados desde o exato momento em que Tyler pusera os pés em casa, logo depois de voltar do encontro com Gray – ou melhor, nem isso, porque ele não precisou atravessar a entrada de casa para que problemas já começassem a pipocar diante de seus olhos.

— O que está acontecendo? — Tyler perguntou, surpreso, depois de correr até a porta de casa, onde duas viaturas estavam estacionadas à calçada, com dois policiais escorados ao automóvel. Sua mãe discutia com um terceiro policial de expressão austera, que tinha o cenho franzido e os lábios crispados em uma linha fina e tensa. Ela, por sua vez, parecia ao mesmo tempo nervosa e tentando tranquilizá-lo, bracejando e meneando a cabeça repetidas vezes. Quando o viu, interrompeu o que estava dizendo para encará-lo, estática, para depois sair do aparente transe e dirigir-lhe a palavra.

— Tyler! Onde você esteve esse tempo todo? —  perguntou ela, gesticulando imperativamente com a mão para que se aproximasse mais. Ela pôs a mão em seu ombro.

— Eu tinha avisado que ia sair com meu... amigo, lembra? — respondeu, enrugando a testa. — Mas sério, o que é isso tudo? — Sua mãe abriu a boca para responder, mas fechou-a em seguida. Ante à iminência de ausência de resposta por parte dela, voltou-se ao homem uniformizado, ansioso. — Com licença, pode me explicar?

O homem o estudou atentamente pelo canto do olho, como se não soubesse o que fazer a seu respeito.

— Creio que sua mãe possa fazer isso melhor — respondeu, acenando em indicação à dita cuja, que assentiu. Deu um passo para trás e avaliou os dois com o mesmo olhar anteriormente destinado de forma exclusiva a Tyler. — Pois bem, vamos dar o caso como encerrado por ora. Tenham uma boa noite. — E, segurando a viseira do quepe e inclinando de leve a cabeça como indicativo de respeito (ou talvez uma simples despedida), bateu em retirada com os dois colegas.

Tyler podia jurar que havia o ouvido murmurar um "por isso não levo essas coisas tão a sério" enquanto virava as costas, que o teria enfurecido se não estivesse tão atordoado e confuso.

No entanto, antes que pudesse interpelar sua mãe, uma figura que não havia discernido antes saiu da penumbra e se adiantou até Sandra. Era uma das pessoas da vizinhança, cujo nome não fazia a menor ideia. Vestia um roupão de caxemira sobre o qual seus cabelos cascateavam, e, no rosto, ostentava uma expressão aflita. Ao que tudo indicava, acabara de sair do conforto de sua casa para ir até ali.

— Filho, mais tarde conversamos, ok? Não foi nada, só entre em casa e... Que tal tentar distrair um pouco a Esther? — sugeriu sua mãe, com um sorriso desconcertado, e dali em diante ignorou sua presença e dedicou toda sua atenção para conversar com a mulher, que se pusera a vocalizar pedidos de desculpa profusamente. O que entreouviu da conversa bastou para que soubesse que tinha sido a vizinha que chamara a polícia ao se alarmar com o estardalhaço que estava acontecendo dentro da outra casa.

Depois de finalmente entrar em casa, os pensamentos embaralhados em virtude da sucessão atordoante dos últimos acontecimentos e a cabeça rodando, a primeira coisa que registrou foi Esther correndo para abraçá-lo. Ele a pegou no colo, enquanto ela escondia o rosto na curva de seu pescoço, atipicamente calada, as mãos diminutas segurando seus ombros.

Quando perguntou o que houve, ela não pareceu disposta a responder, nem mesmo após tê-la colocado de volta ao chão. A resposta também fora negativa quando interrogou se queria conversar, o que o preocupou. Não era do feitio da irmã se aquietar assim, muito menos estando com ele.

Dessa forma, apenas a conduziu até o quarto dela, onde ligou a televisão e colocou a primeira coisa ao alcance para ela assistir — no caso, um DVD dos Ursinhos Carinhosos —, o que, felizmente, pareceu entretê-la o suficiente para que abandonasse um pouco de seu ar taciturno.

Em seguida, esgueirou-se para o próprio quarto e fez a primeira coisa que lhe veio à cabeça: ligou para Gray, de quem se despedira de um encontro que havia conseguido estragar nem uma hora atrás.

Se não tivesse sido atendido quase que imediatamente, teria se acovardado e cancelado a chamada um segundo depois.

Felizmente, a ideia não fora tão ruim quanto parecera. Seu humor, que havia sido consideravelmente abalado nos últimos minutos, conseguiu ser elevado ao menos um pouco por conversar com ele acerca do que havia acabado de presenciar. Tinha inclusive deixado escapar uma risada autêntica. Também estava um pouco mais relaxado, e seguiria o conselho de Gray: sem conclusões precipitadas. Iria saber de tudo em primeira mão antes.

— Com quem estava conversando? — perguntou alguém atrás dele, fazendo com que seu corpo inteiro se enregelasse. Vagarosamente, logo depois de embolsar o celular, virou-se para ver quem era, embora já soubesse pelo reconhecimento da voz.

Não devia ter deixado a porta aberta.

— Há quanto tempo está parado aí? — Tyler indagou, fazendo menção de visibilizar seu descontentamento tanto através da expressão facial quanto pela entonação de sua voz.

Mark, cuja mão estava apoiada no batente da porta de seu quarto, encolheu os ombros.

— Vim conversar com sua irmã. Por acaso, acabei escutando um pouco o que dizia.

Tyler deu um riso anasalado de incredulidade.

— 'Tá bom. E o que quer? — disse, por fim, alternando nervosamente o peso do corpo ora sobre um pé, ora sobre outro.

Seu pai também fechou a cara.

— Gostaria que parasse de falar assim comigo... — Antes que pudesse vir com uma réplica afiada, Mark continuou. — Sei que está com raiva de mim, mas eu não bati em sua mãe.

Certo. Então ele havia escutado desde essa parte, o que incluía todas as outras acusações subsequentes a ela também. Sentindo-se como um animal acuado, Tyler o perscrutou ponderadamente antes de retrucar.

— Por que deveria acreditar em você? — confrontou, mas as palavras não soaram tão desafiadoras quanto deviam.

Mark respirou fundo, como se estivesse em busca de sua reserva de paciência.

— Por que a droga da polícia veio para cá, então?! — Tyler prosseguiu, impaciente por respostas.

— Nós brigamos de novo, verdade! — O pai alteou a voz, um claro sinal de que sua calma estava por um fio. — Mas o resto não passa de um mau entendido.

— Como não passa de um mau entendido? — redarguiu, descrente.

— Será que tem como me deixar explicar sem me interromper?

Tyler sentou-se pesadamente na beira da cama.

— Como queira, então. Explique.

Mark explicou, mas em nenhum momento Tyler sentiu que seus ânimos estivessem se amainando por causa de seu discurso.

— Então o que chamou a atenção da vizinha foi o barulho de Esther chorando e o vaso quebrando quando minha mãe esbarrou nele?

Mark assentiu, sepulcralmente silencioso.

Tyler umedeceu os lábios, ainda incerto no que acreditar.

— E a polícia deve ter vindo rápido porque essa vizinha tem um conhecido lá. Pelo menos, foi isso que eu entendi da sua mãe explicando — emendou o pai, algum tempo depois.

Sua garganta estava tão seca que perdera a conta de quantas as vezes engolira a própria saliva na esperança de aliviar a sensação.

— Certo — conseguiu articular a palavra de alguma forma.

— Da próxima vez, certifique das coisas primeiro antes de ir maldizendo seu pai para seus amiguinhos, tudo bem? — disse ele, como quem alfineta um balão na esperança dele explodir. No caso, não saberia dizer se o balão era Tyler ou o próprio emissor.

Seu pai estar irritado era tão óbvio quanto como Tyler não podia deixar-se afluir ao mesmo nível.

Mas é claro que estava alheio a isso no momento.

— Da próxima vez, não escute a conversa dos outros, tudo bem? — redarguiu, com um olhar fulminante. — Não vou me conter de dizer o que preciso por sua causa, e isso também não é da sua conta.

Mark estava prestes a rechaçá-lo tão ferozmente quanto ele —  se sua mãe estivesse ali, iria admoestar os dois por sua conduta — quando uma voz estrilada interrompeu o diálogo deles.

— Vocês também, não! — acusou Esther, à soleira da porta, de olhos marejados e nariz avermelhado. — Não briguem! — E, antes que qualquer um deles pudesse sequer esboçar uma reação, ela saiu correndo até o corredor e sumiu de vista tão rápida e abruptamente quanto se pronunciara.

Eles ouviram o estrépito da porta do quarto dela batendo.

De repente, era como se a intervenção de Esther tivesse sido mais eficaz e logrado maior efeito do que se esperaria — toda a atmosfera hostil cercando-os pareceu se amainar, como ondas que paulatinamente param de se rebentar e se reduzem ao calmo marulhar de águas.

Eles se entreolharam e, silenciosamente, selaram um acordo mútuo: o assunto estava encerrado por ora.

Tyler se adiantou para ir atrás da irmã e tomar partido, mas Mark foi mais rápido que ele e atravancou seu caminho.

— Eu vou falar com ela — proclamou ele, atravessando a porta. Tyler apenas o observou se aproximar à porta rosada do quarto da irmã e baquear de leve sua superfície com o dorso da mão, encostando nela o ouvido na tentativa de captar algum som.

Eles iriam se entender.

Com um movimento brusco do braço, Tyler fechou a porta do próprio quarto e sem nenhum tipo de questionamento, foi direto pra cama. Adormeceu tão atipicamente rápido e envelopado por um sono tão profundo que era como se estivesse imerso em âmbar, todo e qualquer movimento mergulhando em morosidade até que estivesse congelado.

Os dias se passaram rápido, a maioria dos atos se repetindo rotineiramente. De alguma forma, estava com um estranho sentimento de confinamento e sufoco. Consequentemente, ele se afastou. Afastou-se porque nada mais parecia nítido, e não há como seguir em frente com a visão embotada de incerteza e insegurança.

Se não fosse pelo fato que em dado momento um milagre caíra do céu — um fenômeno também conhecido como inspiração — e ele finalmente pudera extravasar todos os sentimentos, uma única certeza se manifestaria: a de que seus dias possivelmente teriam sido bem mais semelhantes a um inferno personalizado.

 

# # #

 

— Consegui! — exclamou Tyler, pondo-se em pé em um pulo e derrubando a banqueta na qual estivera sentado desde manhã com o movimento brusco. Brandiu o pincel sujo de tinta no ar em triunfo, encarando a tela como se esta fosse uma inesquecível e inédita vista panorâmica. — Eu finalmente terminei!

Ele não se segurou. Tirando proveito de que estava sozinho no jardim de sua casa, em toda sua amplitude de relva verde e bem-aparada, iniciou uma versão particular e improvisada do que seria uma dança da vitória, depositando toda sua energia acumulada por ficar tanto tempo parado em passos que jamais ousaria fazer em público e entoando versos ridiculamente entusiasmados como "eu consegui, aham, terminar, aham..."

Infelizmente, seu alarido foi escutado e ele foi pego em flagrante em pleno ato: A porta dos fundos da casa se escancarou, e seu limiar foi atravessado por uma curiosa Esther. Tyler parou o que fazia de inopino e petrificou-se em uma posição completamente reta, envergonhado.

—  Conseguiu o quê, Thay? — perguntou Esther, logo depois de vir saltitando, fazendo de conta que um pterodáctilo de brinquedo que tinha em mãos planava durante o

caminho. Tyler encontrara este e o resto de uma coleção de dinossauros de borracha certa vez enquanto revirava um caixote de antiguidades que anteriormente pertenceram a ele no sótão, em procura de algo que agora não evocava à memória. Como Esther estava do seu lado no momento, ele os entregou a ela, e desde então era raro não vê-la brincar com eles.

Tyler estava claramente inabilitado de se conter aquele dia. Num gesto repentino, agachou-se na grama e segurou Esther pelos ombros, que arregalou os olhos, provavelmente se perguntando se ele havia ingerido alguma substância suspeitosa.

— Eu consegui! — disse, de forma muito esclarecedora, e começou a sacolejar a irmã sem mais nem menos, com um maníaco sorriso de regojizo adornando sua expressão facial. — Depois de tanto tempo procrastinando, eu terminei! E ficou bom! Tanto tempo sem mexer com tinta em tela, E FICOU BOM!

Ele finalmente soltou Esther, um pouco sem fôlego em virtude do acesso de animação que não transcorria há muito tempo.

Ela pareceu se recuperar do choque de ver o irmão assim tão alterado, e então soltou um risinho agudo de alegria, gritando "Que legal! Que legal, deixa eu ver!". Tyler riu também, contagiado, e deu um passo para o lado, indicando com um floreio das mãos a tela finalizada sobre o cavalete.

Seu ambiente de trabalho estava consideravelmente organizado; sobre duas mesinhas acopláveis de madeira, estavam todos os materiais que precisava: os tubos de tinta aquarela, a paleta, um papel para testar as cores e pratos descartáveis para misturá-las, os pincéis de formatos diferentes, copos de água para molhá-los, um pano para enxugá-los e uma garrafa de água. Era libertador e inspirador trabalhar em ar livre; pintar dentro de casa o deixava com um sentimento de confinamento que simplesmente impossibilitava seu lado artístico de aflorar. Sem mencionar o espaço indisponível para todas aquelas coisas. E o fato de que sua mãe o mataria se no dia seguinte localizasse com seus olhos aquilinos uma mancha de gota de tinta.

— Nossa, que lindo! — Boquiabriu-se a irmã, com os olhos luzindo, aproximando-se perigosamente da pintura. Tyler se sobressaltou com o gesto, fazendo menção de afastar a irmã sutilmente da obra.

— Só olha, Esther. Vai levar um tempo pra secar.

— Eu não ia tocar...

—  Mas, então? Você gostou? —  inquiriu Tyler. Ele sabia que não podia extrair uma resposta completamente sincera da irmã - afinal, ela diria qualquer coisa apenas para agradá-lo -, e tampouco podia se dar o luxo de pedir críticas construtivas dela, mas simplesmente não podia evitar.

—  Muito! —  ela respondeu em prontidão, sorrindo descomedidamente.

Tyler sorriu também, grato. Sua pintura não era algo majestoso ou uma obra-prima, e ele ainda tinha muito o que evoluir em alguns aspectos e ainda era necessário desenvolver-se melhor como artista, mas ele estava orgulhoso. Empenhara-se para obter um bom resultado, afinal. Mal conseguia acreditar que havia a finalizado.

— Mamãe e papai precisam ver! — decretou a menina e, antes que Tyler pudesse se posicionar quanto a isso, desatou a correr de volta para dentro da casa, a fim de chamá-los.

O garoto não reprimiu o próprio sorriso e, enquanto a esperava voltar com os pais, deslaçou os nós do avental em volta do pescoço e da cintura, enfim retirando-o e estendendo-o diante dos olhos para checar o nível da bagunça que fizera. O tecido estava manchado de algumas cores em vários lugares, mas nada além do esperado. Depois de dobrá-lo cuidadosamente e pô-lo sobre a mesa bem ao lado das tintas, permitiu-se admirar por alguns minutos a própria criação, esperando que não acabasse desvirtuando a própria imagem que tinha dela. Não seria nada legal se no dia seguinte ela já parecesse um completo equívoco aos seus olhos. Ter uma autoestima inconstante conseguia ser bem problemático, ainda mais se somada com sua inclinação à autocrítica.

A princípio, tinha estado completamente perdido. Não fazia a mínima ideia do que fazer para aquele concurso para o qual se havia candidatado há algum tempo. Eram tantas opções, tantas combinações diferentes para tentar, e ao mesmo tempo nenhuma parecia válida ou boa o suficiente para ser trabalhada. E então, decidiu parar de associar tudo ao concurso, e começou a levar a cabo a primeira ideia consideravelmente legal que sua mente germinara pelo simples prazer de pintar — algo ao que não era totalmente habituado, mas que arriscara experimentar mesmo com todas as chances de falha. Afinal, era algo agradável.

Nunca havia se dedicado tanto em um período tão curto de tempo. Naquelas duas semanas, seus pensamentos insistiam em convergir àquela obra, canalizando todo seu ser nela, e basicamente mandando às favas quase todas questões concernentes a outras coisas. Durante o dia de Ação de Graças, passara apenas algumas horas enfadonhas com os familiares que vieram visitá-los para depois trabalhar um pouco mais nela. Admitia que até havia sido um pouquinho irresponsável com a escola em prol dela ao colocá-la como prioridade.

E voilá. Lá estava aquela paisagem semi-inventada que o remetia ao seu último encontro com Gray retratada da forma mais criativa e nostálgica possível. Fizera seu melhor para trabalhar o azul matizado de laranja e rosa do céu, o verde da vegetação, os efeitos de luz e sombra e texturizá-los (no que teve um pouco de dificuldade), mas seu verdadeiro enfoque fora a silhueta no centro da imagem de Gray, sentado com as costas voltadas para ele, ao lado de seus três cães; estavam contra a luz do sol poente, então apenas seu contorno podia ser discernido sobre a ponte de madeira.

Não era nada profissional — e poderia ter ficado melhor —, mas continuava contente com o resultado.

Era bom ter finalmente algo pelo que se contentar naqueles últimos dias.

Ele ouviu novamente a voz de Esther ecoando em seus ouvidos e virou-se a tempo de vê-la conduzindo sua mãe coercivamente até ali, segurando-a pela mão e ordenando coisas como "Vem mais rápido! Vem ver!". Sua mãe parecia atarantada, usando um avental de cozinha e segurando um batedor sujo na mão livre, mas no fim não mostrou resistência e parou em frente ao filho com uma expressão intrigada e curiosa.

Um pouco constrangido por algum motivo, ele deu mais um passo para o lado para que ela visse o motivo de ter sido trazida ali.

— Vou chamar o papai agora! — anunciou Esther, para infelicidade de Tyler, e correu casa adentro, deixando-o por ele mesmo para tentar decifrar o significado por trás do olhar de sua mãe, que tinha as mãos junto à boca.

— Nossa, filho — ela finalmente disse. — Onde você aprendeu a pintar assim?

Ele não entendeu muito bem o que ela queria dizer. Afinal, ele praticava desenho e pintura praticamente desde infância.

Não disse nada por um tempo, apenas remexendo-se no lugar, até que enfim apenas disse um "Obrigado, eu acho" encabulado.

Esther voltou alguns minutos depois para finalmente deportar o silêncio anticlímax que se instaurava, ofegando como se tivesse corrido uma maratona.

— Não achei ele.

— Ele saiu, filha —  respondeu sua mãe de modo displicente, finalmente desviando os olhos do quadro.

— Ah... poxa, podia ter me dito antes...

Tyler não sabia se estava feliz ou não com a notícia. Seria legal que seu pai pudesse ver algo que ele tivesse produzido, mas, pra falar a verdade, não seria muito sensato encontrar-se com ele agora. Ele, ao menos, não desejaria aquilo.

Ele suspirou e, sem olhar para as duas, começou a recolher os materiais.

— Bom, gente, eu vou arrumar as coisas aqui... E vou deixar a pintura secando ali. — Ele indicou com a cabeça a pequena área coberta no fundo do jardim. — Se meu pai quiser ver depois, ele vê.

A mãe anuiu e, sem dizer mais uma palavra, foi-se embora. Talvez aquele comportamento fosse esperado.

— Eu posso te ajudar, Thay? — A voz de Esther soou cautelosa, como se sentisse que o humor do irmão estivesse rareando.

— Não precisa, Esther. — Ele dirigiu seu melhor sorriso a ela. — Pode ir brincar.

— Okay... — ela murmurou, antes de deixá-lo inteiramente a sós, zunzunindo enquanto fazia o pterodáctilo sobrevoar a grama do jardim até o interior da casa.

Tyler simplesmente olhou para o céu, para o contorno das nuvens acinzentadas que antes nem havia notado, e poderia ter continuado assim por longos minutos se não tivesse sentido uma gota de chuva bem na ponta de seu nariz. É claro que a previsão do tempo o deixaria na mão quando precisava contar com ela. Praguejando, apressou-se para deixar a pintura a salvo e guardar as outras e, quando enfim acabou, simplesmente deitou-se no gramado verdejante e fechou os olhos, sem se preocupar em se perguntar o que diabos ele estava fazendo.

Sentiu as primeiras gotas de chuva no rosto, nos braços e nas pernas nuas a partir do joelho. Gotículas leves que deslizavam pela sua pele, banhando-a suavemente. À medida que a chuva engrossava, elas culminavam em uma carga d'água. Tyler sentia suas roupas ficando gradativamente mais encharcadas, mas não se incomodava.

Era como se a água o estivesse lavando espiritualmente, afastando todos os males, mesmo que por um instante.

Um banho de chuva poderia refrescá-lo de seus pensamentos, por ora.

 

 

 

Teria ficado deitado até anoitecer e permanecido ao relento por tempo indefinido se não fosse pelo constrangimento que teria que enfrentar se algum de seus pais o encontrasse ali e questionasse o que ele estava fazendo — e tinha certeza que falar que "estava tomando um banho de chuva para espairecer" não seria uma resposta satisfatória para eles. Depois, ocorreu a ele que havia contraído um resfriado poucos dias atrás e que não estava exatamente no apogeu de sua sensatez com aquelas atitudes. Assim, lamentando-se por não ter outra saída, levantou-se da grama molhada enquanto a chuva começava a adensar e fustigava sua pele, e então parou à porta pro interior da casa, gotejando da cabeça aos pés e já visionando o puxão de orelha que sua mãe lhe daria se o flagrasse deixando um rastro molhado por onde passasse.

Hesitou por um momento antes de chamar Esther e pedir pra que lhe trouxesse uma toalha. Ela lhe lançou um olhar curioso quando o acorreu, como se acreditasse que suas traquinagens iam além de simplesmente se entregar à chuva, mas o obedeceu. Depois de estar razoavelmente enxuto, Tyler se apressou para subir até o quarto antes que a mãe pudesse ver o estado encharcado de suas roupas e desgrenhado de seus cabelos.

Então, a primeira coisa que fez depois de fechar o quarto e jogar descompromissadamente a calça e blusa molhadas em um canto foi varrer impacientemente o perímetro do quarto com os olhos à procura do celular, que se encontrava sob um emaranhado de cobertores que normalmente era sua cama — sentiu-se com uma visão aquilina por causa da capacidade desumana de localizá-lo. Ignorando o frio momentâneo, desbloqueou o celular, destinou-se à caixa de mensagens e estava prestes a começar a digitar uma nova quando a ficha caiu.

Já havia alguns dias que não conversava dessa forma — diretamente, sem preâmbulos ou floreios — com ele, especialmente por mensagens.

Conferiu a data de envio da última mensagem do chat — quase duas semanas atrás.

Ele respirou fundo e sentou-se na cama com uma postura curvada, decepcionado consigo mesmo. Mas... era normal, não era? Não seria uma anomalia alarmante se ele enviasse uma mensagem desconexa, despropositada e aleatória depois de tanto tempo, certo? O que importava era que não deixasse que aquele silêncio se perpetuasse...

"Não é tão estranho assim," concluiu, "e não é como se a gente tivesse parado completamente de se falar desde então."

Mesmo não muito convencido, rascunhou sua primeira tentativa:

Tyler: E aí, Gray, tudo bem?

  Só queria dizer que eu terminei aquele desenho pro concurso... no caso, uma pintura, na verdade lmao E me perguntei se você gostaria de ver?

"Lastimável" criticou mentalmente. Açoitou impiedosamente a tecla de deletar, e experimentou dizê-lo com outras palavras.

Tyler: Hey! Adivinha quem finalmente concluiu o desenho pro concurso?

Liberou uma risada autodepreciativa, porque, sinceramente, era rir pra não chorar. Era tão sem jeito que sensibilizava a si mesmo.

Tyler: Ei, como você tá?

   Eu terminei aquele desenho, ou melhor, pintura pro concurso, sabe... caso queira saber como ficou.

Não sabia exatamente o que havia de tão errado naqueles dizeres, assim como todos os anteriores, mas apagou mesmo assim, porque soava um incômodo até para si próprio. Além de ter uma essência interesseira, talvez.

Daquela se seguiram mais três tentativas, de mesmo conteúdo porém com outras palavras, mas sua criatividade já estava por um fio e de uma grandeza inversamente proporcional à sua ansiedade, que o enredava nos próprios pensamentos. E que, juntamente ao frio — ele provavelmente devia ter se coberto com alguma coisa —, dificultava o processo de digitação, os dedos rijos e vacilantes.

No final das contas, frustrado demais por ter gastado muito mais tempo do que previra, desistiu de vez de tentar inventar uma abordagem decorosa e, colocando a playlist do celular no aleatório, foi tomar um banho quente demorado. Entretanto, no momento em que ligava o chuveiro e esperava a água esquentar, mudou de ideia, enviou rapidamente um simples "Oi" para Gray antes que pudesse questionar a si mesmo e por fim se colocou de baixo do chuveiro de modo tão revolto e precipitado que nem mesmo se lembrara de tirar a roupa de baixo primeiro.

 

 

Após sair do banheiro fumegante, com uma toalha envolta da cintura e o som de Kitchen Sink se sobressaindo em seus ouvidos, checou rapidamente o celular à esperança de uma resposta e seu peito se apertou quando sua visão focalizou um "Visualizado" marcado em baixo da mensagem que enviara. No entanto, relaxado demais por causa da água quente e distraído pela música, fingiu não ligar e se enraiveceu da própria aflição de antes, apesar da dimensão do provável erro que cometera ao se afastar estivesse começando a cristalizar e se circunscrever em sua mente.

 

# # #

 

A mente de Tyler nunca esteve tão barulhenta como nos últimos dias.

A cada minuto, ele se via repensando e analisando todas as possibilidades como se estivesse fazendo um mestrado ou um trabalho conclusivo sobre o assunto. Sua cabeça trabalhava em dispensar ideias, depois reconsiderá-las, depois arquivá-las e então mover-se para outras. Para falar a verdade, seus neurotransmissores já deviam estar pifando. E Tyler estava pensando seriamente em bater o próprio cérebro em um liquidificador para ser dar um pouco de descanso.

Era triste quando você estava distraído demais até mesmo para prestar atenção na letra de uma música.

Quando finalmente acordou segunda de manhã, ficou com a impressão de que havia obtido no máximo algumas dezenas de minutos de sono, apesar de ter se deitado cedo. Coçando os olhos e se espreguiçando, arrumou-se com a agilidade de uma lesma e saiu tropegamente do quarto e em direção ao carro, onde tirou uma soneca durante o percurso até o colégio.

Chegando lá, ficou dividido entre se achegar à Gray, que lia relaxadamente um livro com os dois pés cruzados sobre a penúltima carteira da primeira fileira da direita pra esquerda, e cumprimentá-lo, ou simplesmente passar reto e se acomodar na mesma carteira de sempre. Depois de copiosos minutos de hesitação, por fim rumou até ele e sentou-se na cadeira desocupada do lado da sua.

Não precisou dizer alguma coisa para ser notado. Como se tivesse um sensor embutido notificando sua presença, Gray lentamente ergueu os olhos do livro — um exemplar de Laranja Mecânica, conseguiu distinguir com a nova proximidade — e os deteve em seu rosto, por um momento atônitos, como se sua pele estivesse tonalizada de verde ou qualquer outra cor extravagante. Tyler se remexeu no lugar e sua reação se resumiu a um repuxar constrangido de lábios e um murmúrio que soara remotamente como um “Oi”.

Gray abandonou a expressão de surpresa e em uma fração de segundos ajustou sua posição na mesa, passando de modo incrivelmente rápido de uma postura relapsa para uma empertigada, esquecendo-se de marcar a página em que estava ao colocar o livro de lado por um momento.

— Ah, Tyler, oi — disse ele, dando um sorriso aparentemente desconcertado. Tyler inclinou levemente a cabeça. Ou o havia pegado realmente de surpresa ao engatar em uma conversa com ele por vontade própria, ou Gray se encontrava num estado bem mais atabalhoado que o normal. — Teve, uh, um bom fim de semana?

— Aham — disse, acompanhado de um aceno de cabeça. Tentou não estranhar o ar de cordialidade forçada entre os dois. Não é como se pudesse pedir por outra coisa depois de tanto tempo de silêncio, de qualquer forma. — E você? — Tem um tempo que não temos notícias um do outro, né?, pensou em emendar, mas resolveu que era melhor não. Depois de receber uma resposta também positiva, se prendeu à qualquer oportunidade de um novo assunto, determinado a não deixar a conversa morrer. Fez um aceno de cabeça indicativo ao livro. — Tá gostando?

— Ah, sim — disse, abrindo um sorriso mais natural. Voltou a ter o livro em mãos e, a pedido de Tyler, entregou-o para que pudesse observá-lo mais detalhadamente. — Tem uma ótica bem interessante. E temas futuristas me encantam.

Tyler olhou-o de relance com um sorriso, enquanto folheava as páginas e sentia a aspereza aprazível das páginas cuidadosamente, resistindo ao impulso de cheirar seu perfume literário.

— Já leu Eu, Robô? — perguntou, interessado.

— Tá na lista — admitiu ele, sorrindo. Ambos pareciam satisfeitos por estarem conversando um com o outro.

Depois de mais uma ou outra pergunta e resposta, no entanto, o colóquio inevitavelmente veio a molificar e, vendo que o diálogo não seria sustentado por muito mais tempo, Gray simplesmente endereçou-lhe mais um sorriso labial antes de retornar à leitura — aparentemente, sabia a página de cor, o que era um detalhe invejável a seu ver.

Reprimindo um suspiro, decidiu retornar à sua carteira de praxe na fileira na outra extremidade da sala, acenando para Gray — gesto que não notou, imerso demais na leitura.

 

 

Depois de muito refletir, sopesando mentalmente as possibilidades, Tyler enfim pôde definir qual seria o próximo passo a tomar — e decidiu levá-lo a cabo assim que teve uma oportunidade.

— Lana, agora sou eu que preciso te perguntar uma coisa.

Ela piscou os olhos, espantada.

— Uh, claro.

O sinal para o intervalo havia acabado de soar, e ele a havia interceptado bem à saída da sala; dessa forma, tiveram de se afastar para não serem levados junto à evasão precipitada dos alunos para o corredor.

Gray, Cameron e Alyssa passaram por eles, e ambos gesticularam para irem na frente que depois os acompanhariam. Os dois garotos deram de ombros e seguiram seu caminho, enquanto Alyssa pareceu relutante em não estar na companhia da amiga, mas por fim se juntou a eles.

— Certo, Thay, o que quer saber? — perguntou ela em seguida, com um interesse cortês, mas parecendo incomodada com alguma coisa.

Tyler respirou fundo. Iria mesmo fazer aquilo?

Não havia pensado em coisas totalmente inúteis nos últimos dias — na verdade, algumas delas foram relativamente grandiosas, dependendo dos critérios de avaliação. E uma delas se tratava de desnublar algumas incertezas que viera acumulando ao longo dos últimos dias, originárias do que gostaria de acreditar que fora uma melindrosa observação por sua parte. Ou talvez de um bocado de conclusões sem nexo, mas votava na primeira alternativa.

Acontece que, assim como Lana não era cega, ele também não o era. Agora que parava para pensar, uma de suas motivações, a princípio, para não manter nenhum tipo de proximidade indiscriminada com Gray à vista, foi para contrariar suas desconfianças. Agora ele percebia que fora mais previsível que alguns tramas de histórias clichê que já havia lido. E que se tratava, provavelmente, de um erro.

E, agora, com Lana agindo como se o assunto nunca tivesse sido jogado na mesa e tão espontaneamente entrosando com ele e Gray depois disso, era sua vez de começar a levantar hipóteses.

A questão era que, se essas hipóteses estivessem equivocadas... ele poderia estar encrencado.

Hesitou.

Lana ergueu as sobrancelhas e o incentivou a dizer.

— Posso perguntar... o que exatamente... você sabe? — Embora a pergunta tivesse lhe soado tão clara quanto o negrume do céu noturno por causa de sua dificuldade de pronunciá-la decentemente, sua companhia pareceu compreender em uma questão de segundos. No entanto, depois de ter arregalado os olhos, ela tentou disfarçar, fazendo-se de desentendida.

— Saber o quê, Tyler? Você tá tendo problemas em entender a matéria de alguma aula? Porque se precisar de ajuda, estou à sua disposição, e... — Sua voz foi se esmorecendo quando ela notou o olhar de descrença do amigo, como quem diz "Sério? É assim que você finge?". Ela suspirou, e dessa vez o que disse lhe soou sincero. — Ah, Thay, o que quer dizer exatamente?

Era agora. Teria de aceitar o risco de acabar entregando o trunfo de bandeja à ela — e o de acabar com problemas em prol disso.

Ele fez menção de reduzir o volume da voz, quase ciciando.

— Sobre Gray... e eu.

Ela pareceu surpresa, mas não tanto quanto o que era de se esperar — na verdade, parecia mais surpresa pelas palavras terem saído de sua boca do que pela revelação em si.

Depois de um instante, então, ela se limitou a apenas encará-lo — e isso foi o suficiente para entender.

Uma parte de si sentiu alívio por ela já saber, afinal, mas a outra se sentiu perturbada.

— É tão óbvio assim? — perguntou, baixinho.

— Não — assegurou ela, também baixinho. Tinha a impressão de que a menina tentava suprimir um sorriso. — Não é não.

— Então... você descobriu sozinha? — perguntou, confuso. — Ou... eu acabei de admitir...?

— Também não. Quer dizer, não apenas — disse ela, ainda que aparentemente incerta sobre continuar falando ou não.

Tyler franziu tanto o cenho que se perguntou se isso poderia deixá-lo dolorido uma hora.

— Então, como...?

Duas pessoas passaram desenfreadas pelo corredor, às gargalhadas, e uma delas deu um esbarrão direto no ombro do garoto, que resmungou de dor. Depois de um pedido de desculpas esfarrapado, elas tornaram a correr enquanto, ao longe, a voz de um zelador furioso bradava: "Não corram nos corredores!"

Ele voltou sua atenção a ela, que parecia tão tensa quanto a corda retesada de um arco, raciocinando. Então, um pensamento — nem um pouco agradável — lhe ocorreu de chofre.

— Não me diga que...

Lana suspirou, cortando-o.

— É, Tyler. Sinto muito em dizer, mas foi Gray que me contou.

 

 

A única coisa que Tyler pôde fazer no momento foi piscar e, com uma voz involuntária e desonrosamente esganiçada, perguntar:

Por que ele faria isso?

Fazia sentido. Ele, inclusive, desconhecia como a possibilidade não havia lhe ocorrido anteriormente. Ainda assim, uma parte dele se recusava a acreditar.

Lana ergueu as mãos, como quem diz que não tem nada a ver com isso. Como que para endossar o gesto, ela disse:

— Isso é com você e ele, Thay.

Ele franziu o cenho, com carência de maiores reações.

Sua mente se encontrava em estado tão caótico que, como efeito colateral, estava em branco total.

Lana lhe lançou um olhar duvidoso, como se ele estivesse em iminência de dinamitar. O que esperava não estar, pra ser sincero.

— Me sinto mal por entregá-lo assim — admitiu ela, com um sorriso pesaroso. — Então...

— Então?

Ela sacudiu a cabeça, dispensando o quesito.

— Olha, nos restam, uh, uns oito minutos de intervalo — informou ela, ao checar o horário no celular.

— Ah, certo... — Meteu as mãos no bolso dos jeans, impaciente e nervoso. — Você pode ir, se quiser. Eu vou, uh, ficar por aqui. Pra pensar.

Ele realmente estava precisando de um tempo a sós para pensar.

A amiga olhou para o teto com um olhar de alguém que pede por misericórdia.

Como algumas pessoas haviam se reunido em grupos pela extensão do corredor, estavam à mercê de ouvidos alheios, então a garota achou sensato levá-lo, puxando-o pelo pulso, para um lugar mais afastado.

— Olha, Thay, eu entendo se você estiver irritado com ele por isso, mas, cá entre nós, não exagera, ok?

Tyler piscou, desentendido, pela terceira vez em um intervalo de menos de quinze minutos.

— O que você quer dizer com...

— Escute. Ele só me contou porque soube que podia confiar em mim. E não é como se isso tivesse trazido resultados ruins, certo? Thay, eu não sei do que você tinha medo antes, mas acho que entendo. Só que estou aqui pra te apoiar. Não tem por que tornar isso algo pior do que de fato é, sabe?

— Você fala como se eu estivesse tendo uma crise — comentou ele, surpreendendo até a si mesmo com a constatação de que aquela, felizmente, não se tratava da realidade do momento. As palavras dela realmente tiveram a serventia de relaxá-lo.

Lana pareceu confusa.

— Espera. Então... você tá tranquilo com isso?

— Ah, não, eu não colocaria nessas palavras — riu-se ele, ironicamente, enquanto bagunçava os próprios cabelos com a mão. — Estou irritado com ele por não me dizer nada sobre isso. E porque, bom... não é só ele que decide. Mas, certo, você tem razão. Eu não estou furioso com ele. — Respirou fundo. E adicionou: — Gostaria de dar uns tapas, mas só.

A amiga abriu um sorriso sincero durante o discurso e, ao último comentário, deu uma risadinha.

— Fico realmente feliz em ouvir isso, Thay.

Quando Tyler estava prestes a acrescentar uma coisa à sua fala, no entanto, o sinal tocou, e eles perceberam que haviam literalmente abdicado ao intervalo para ter aquela conversa.

Entreolharam-se. Fazer o quê.

Apesar de tudo, tinha um estranho sentimento de que valera a pena.




— Então vocês não estão se falando mais? — Lana se chateou no intervalo do dia seguinte, guiando Tyler pelo corredor até o próprio armário para que pudesse conversar com ele e organizar seu material ao mesmo tempo. Ele, aproveitando seu momento a sós com a amiga, havia acabado de desabafar que ainda estava nutrindo um pouco de rancor de Gray por ter dado com a boca na botija e que gostaria de lhe dar algumas represálias sobre isso, se ao menos tivesse como.

— Não exatamente, suponho. Assim, andávamos conversando mais quando você ou o Cameron ou a Alyssa estavam por perto e sobre coisas aleatórias, sabe? Como se caso ficássemos sozinhos, tudo fosse ficar tenso e estranho e insustentável. E acho que seria isso mesmo.

— Ou como se vocês não fossem conseguir resistir um ao outro e começassem a se agarrar — provocou ela, rindo-se. Tyler fez questão de não levá-la em consideração e ignorar as calistenias inconvenientes de seu estômago ao ouvir o comentário desnecessário, e prosseguiu como se não houvesse sido interrompido.

— E eu queria voltar a falar com ele normalmente, mas não sei como, sabe? Da última vez que tentei, acabou saindo um assunto totalmente avulso. Ele, uh… parou de tentar ir atrás? Mas eu não posso culpá-lo por isso, acho. Faz sentido? — explanou, e a amiga voltou-se para ele com um trejeito acusatório e cômico. Esperava que significasse que fizesse.

Ele sustentou seu olhar.

— Você é uma pessoa ou uma porta? — disse ela, por fim.

Tyler franziu o cenho.

— Qual é a dessa pergunta?

Lana empurrou alguns dos livros que ela precisaria pras próximas aulas para ele, e precisou se apressar pra não deixá-los cair e sustentá-los nos braços.

— Apenas fale com ele, cara. O que você tiver que falar.

— Eu enviei uma mensagem pra ele alguns dias atrás e ele visualizou e não respondeu — contou, esperando que não tivesse soado como um cão abandonado.

Lana pareceu considerar o argumento, com uma expressão de "É, essa é triste", mas logo repuxou os lábios num sorriso suspeito.

— Certeza que ele não disse nada depois disso? 

— Sim. — Então parou para pensar melhor. — Talvez.

— Você é um caso perdido. Sabe disso, não sabe? — a amiga comentou, em um tom burlescamente sepulcral, enquanto Tyler apalpava o bolso da calça, achava o celular e verificava a caixa de mensagens.

— Oh, mensagem nova. E é dele! — Lana deu um tapa na própria testa em claro sinal de reprovação. Tyler apertou em visualizar. — Ele me respondeu mais que 48 horas depois, não é culpa minha.

— Por que você vive desativando as notificações?

Tyler torceu o nariz.

— Não gosto de ser perturbado por mensagens quando estou fazendo outras coisas...

— Que marrento você.

Ignorando-a, finalmente leu o conteúdo da mensagem.

Gray: Ei, desculpa responder só agora, 'tava ocupado antes aí dei uma de você e esqueci. E aí?

Tyler suspirou.

Digitou, disse o que precisava dizer. Hesitou apenas por um singular instante antes de enviar.

Tyler: Tudo bem, desculpa a demora também.

         Então, acho que precisamos conversar

Lana espiou por cima de seu ombro e suspirou.

— Qual o problema agora? — interrogou, na defensiva.

— Nada. Você foi direto ao assunto — respondeu ela, evasiva, deixando-o mais confuso ainda. — Vamos logo, o intervalo tá prestes a acabar. — E, enquanto atravessavam o corredor e costuravam seu caminho por entre o amontoado de pessoas, a ouviu comentar, baixinho: — Espero que dê tudo certo.

As esperanças dele não eram tão discrepantes das dela, no caso.



A aula tinha acabado de acabar; ele esticou todos os músculos faciais ao bocejar como se sua vida dependesse disso, fantasiando sobre como seria bom estar dormindo naquele momento e saindo da sala em conjunto aos demais alunos.

— Hm, Tyler?

Tyler virou-se em cento e oitenta graus para se defrontar com Gray, cuja mão erguida mostrava o celular, acessibilizando seu conhecimento prévio sobre o que estava por vir.

— Você queria falar comigo, certo? — perguntou ele, se aproximando. Ele apenas aquiesceu com a cabeça em resposta. Gray se gangorrou sobre os calcanhares, as mãos agora nos bolsos. — Pode ser agora?

Ele piscou. Havia uma atmosfera de pura expectativa rodeando Gray — de premência, até, como se urgisse pelo que Tyler tinha a dizer. O que, é claro, fez com que o nervosismo germinasse em seu estômago.

Ele se fez de rogado, embora uma parte dele se atribulasse por isso.

— Uh, aqui?

Temeu que suas palavras de alguma forma atrofiassem o aparente aguardo esperançoso de Gray, mas pareceu surtir efeito oposto, como se sua expansão se desse à medida que ele adquirisse qualquer tipo de resposta — o que o fez perceber que talvez tivesse sido melhor do outro jeito, mesmo.

Antes que ele pudesse responder alguma coisa, no entanto, a percepção aterrissou sobre ele.

— Olha, Gray, eu até que adoraria falar agora — uma parte dele concordava, e a outra o acusava de ser um grande mentiroso —, mas meu ônibus já vai chegar.

— É um assunto tão demorado assim? — perguntou ele, inclinando a cabeça.

Touché.

— Bom... ah, bem, ok, você tem razão. — Um sorriso indesejado se apossou do canto de seus lábios. — A gente conversa enquanto isso.

Eles caminharam lado a lado até chegarem à entrada da escola, ladeada na parte de dentro por bancos, cuja pintura estava descascando e esmaecendo. Sentaram-se em um deles, por mais que a inquietude que sentia fizesse com que as pernas de Tyler quisessem sair andando por aí sem rumo algum até serem acidentalmente atropeladas por um trem. Depois de o terem levado até o meio dos trilhos propositalmente, é claro.

Também nutria aversão pela familiaridade da cena, remontando ao seu primeiro desentendimento com ele — e, a julgar pelo desconforto do garoto ao seu lado, provavelmente não era o único.

— Então… por que se afastou? — Gray, não surpreendentemente, foi o pioneiro em afugentar o silêncio. Tyler sentiu o nervosismo sem razão aparente se espargir pelo resto do corpo como uma substância viscosa escorrendo, mas mal considerava a pergunta e foi poupado de responder. — Aliás, deixa. Não é tão difícil de deduzir.

— É uma coisa que faço de vez em quando. Não se sinta mal por isso. — Mas ele próprio se sentia com as próprias palavras.

— E é intencional?

Ele se emudeceu por um momento.

— Às vezes.

Um suspiro pesaroso foi liberado pelos lábios de Gray. A perspectiva de que podia se ressentir dele por seu silêncio prolongado anterior era de uma claridade perturbadora.

— Entendo.

Enquanto torcia as mãos uma na outra, esperou que Gray viesse com alguma conotação imediata pra que ele desembuchasse, mas algo lhe dizia que devia parar de esperar das pessoas o que ele queria de si mesmo.

Qual não foi sua surpresa, portanto, quando ouviu a si mesmo vocalizar, ainda que quase em um sussurro:

— Sei que Lana sabe, e sei que você contou pra ela.

Assim que se deu conta de que não era a hora certa pra discutir sobre isso, já era tarde demais.

Ouviu-o respirar fundo.

— Algo mais? — Seu tom de voz também não era alto.

Finalmente, Tyler buscou fazer algum contato visual, tendo que entortar seu corpo para o lado. Gray não mostrou resistência.

— Como assim?

— Você queria conversar só para brigar comigo? — perguntou, com uma entonação ligeiramente irritada e, ao mesmo tempo, desapontada.

— Não estou brigando com você. Mas não é como se eu estivesse feliz com isso, também. — Ele exalou uma quantidade generosa de ar pela boca. — Quando você ia me contar? Ou melhor… você sequer ia me contar?

Gray pareceu incomodado por sua escolha de palavras.

— Eu pisei na bola, sei disso. Mas não foi um erro contar pra ela, foi?

— Talvez não — admitiu. — Isso não muda o fato de que você podia ter me dito antes.

Gray fechou os olhos por um momento.

— O que você quer que eu faça?

A resposta era tão óbvia. Tyler se irritou por ele parecer cego à ela, e preferiu deixar que ele concluísse sozinho ao se silenciar.

Tal silêncio que só foi interrompido quando uma das pessoas que também ia de ônibus escolar veio lhe avisar que este já havia chegado, e só estava à espera dele e de algumas outras pessoas antes de zarpar.

Ele se levantou do banco, ajustando a mochila, cujas abas haviam escorregado de seus ombros, nas costas — prontificando-se pra ir embora. Virou-se pra ofertar uma despedida fria a Gray, mas ele o segurou pelo pulso antes que tivesse a oportunidade.

— Me desculpe.

Ele encarou seus olhos cerúleos por um momento fugidio, mas suficiente para encontrar sinceridade neles.

— Era isso que eu queria ouvir — admitiu.

Em seguida, deu as costas a ele e seguiu andando.

Não sabia se aquilo constava em sua definição de “dar certo”, mas ainda era alguma coisa.


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Notas finais do capítulo

É ISSO SDHHFDHGJ Não me matem ;w;
Agora aqui eu aproveito para abrir a matraca -q
Comecei a escrever o cap em março, mas então empaquei e projetos novos me distraíram completamente dele. Em abril e maio consegui 35k de palavras escritas, e nenhuma era de MS. Até que, finalmente, I was filled with determination, e voltei a escrever o cap na segunda semana de Junho, até terminá-lo essa segunda-feira.
Vou fazer de tudo para postar o cap 16 mais rápido, até porque eu to com mtmtmtmta vontade de escrevê-lo o(^◇^)o Vai ser um cap super legal, vai contrabalançar o tédio que esse pode ter dado :') Se animem porque agora meu ritmo de escrita tá bem mais rápido, e eu NUNCA escrevi tanto quanto esse ano. Not all hope is lost, guys. ◝( ′ㅂ`)و ̑̑
Quanto aos comentários... não se preocupem, eu com certeza responderei TODOS eles. Eu demoro, mas não desistem de mim ;w; Antes tarde do que nunca, né? :')
Well, até mais! Por favor, comentem o que acharam (๑癶ω癶๑) Saber que você leu já faz uma enorme diferença pra mim, e não precisam se preocupar em deixar reviews extensos. Uma, duas, três linhas com sua opinião sincera são o suficiente ♥



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