6 de Agosto – 7 dias até as Idas de Agosto.

Nico se espreguiçava na cama da enfermaria, um raio de sol entrava pelas cortinas entreabertas e Connor Stoll roncava sonoramente com sua perna quebrada pendurada no teto. Do outro lado Malcolm, um irmão de Annabeth, dormia profundamente com a cabeça toda enfaixada. E, no meio deles, lá estava o filho de Hades, deitado quase sem nenhuma roupa e com o corpo coberto com um creme fedido que, segundo Will, prenderia Nico no mundo dos vivos. E realmente parecia estar funcionando, depois desses dias na enfermaria ele estava se sentindo melhor do que há muito tempo, pelo menos desde antes do Tártaro. Tinha dormido direito, sem pesadelos, estava se alimentando corretamente e o melhor de tudo: as constantes visitas de Will para checar como o “Quadro Clínico” dele estava evoluindo.

Por falar nisso, lá estava ele, com o peculiar traje de médico que normalmente usava, calca jeans, chinelos e um jaleco branco com uma camiseta estampada por baixo. Ele entrou na divisória sorrindo.

–Bom dia Nico! Já está se sentindo melhor?

–Bem melhor, acho que faz meses que não me sinto assim.

Ele observou Nico com um olhar divertido, mas logo depois fez uma cara séria.

–Nico, eu vou ter que te liberar. Querem todos os semideuses que já estão razoavelmente bem fora da enfermaria. Estamos cheios de problemas e chegou uma noticia muito desagradável do Acampamento Júpiter. Rachel foi sequestrada.

Nico se levantou tão rápido que o creme fedido se esparramou pelos lençois brancos da cama.

–O que Reyna falou?

–Que um ser alado, com uma espada enorme parou os carros com a mão, rasgou o teto e raptou a Rachel. Fugiu sem entrar em combate.

Nico não acreditava no que estava acontecendo. Tinham acabado de derrotar Gaia, não fazia nem uma semana que isso tinha ocorrido e lá estavam eles com problemas novamente. E não era só esse. Mesmo na enfermaria, Nico escutava os outros Semideuses falando. Principalmente Annabeth que vinha visitá-lo e visitar Malcolm que estava na cama ao lado. Eram problemas nos Estados Unidos, nas Terras Antigas, no próprio Olimpo. Tudo estava fora do lugar graças a Gaia e os Semideuses estavam perdidos, sem saber o que fazer porque não tinham o Oráculo e suas profecias.

Will pegou um pano úmido e começou a tirar o creme fedido.

–E lembre Sr. Di Angelo, nada de usar os seus poderes por pelo menos um mês. São recomendações médicas. – disse ele, enquanto Nico se contorcia para não rir por causa das cócegas que sentia na barriga. Will passou o pano por todo o tórax e abdomen de Nico, tirando todos os vestígios fétidos do creme.

–Sugiro que tome um bom banho agora, esse creme é muito fedido, mesmo eu tirando todo vai ficar o cheiro.

–São recomendações médicas? – brincou Nico. Will abriu um sorriso que iluminou aquela parte da enfermaria.

–Eu vou pegar as suas roupas. Annabeth separou e trouxe mais cedo enquanto você ainda dormia.

Will indicou o caminho do banheiro para Nico e logo se pôs a examinar os outros Semideuses.

Já devidamente vestido e ainda com um cheiro desagradável (ele iria diretamente para o Chalé para tomar um demorado banho), voltou para onde estava o filho de Apolo.

–Hey, Will.

–Ah! Bem melhor assim. Aquela camisa florida não combinava com o seu estilo. – brincou o filho de Apolo, relembrando os coloridos trajes tropicais que Nico estava vestindo na Batalha da Colina Meio-Sangue, que era como estavam chamando a batalha final contra Gaia.

Nico abriu um pequeno sorriso.

–Obrigado por esses dias. – agradeceu ao Will – Acho que nunca me senti tão bem desde a... a morte de Bianca.

–Fico feliz que você está melhor. Só preciso que você não esqueça da parte mais importante do seu tratamento: lembre-se que você tem pessoas que gostam muito de você, aqui no mundo superior, e precisam de você.

–Eu sei. – respondeu, olhando para baixo.

–Você precisa de uma âncora, de algo que te prenda nesse mundo. Não deixe as sombras te tomarem por completo.

Lauren, uma irmã de Will, entrou na enfermaria e avisou:

–Quíron quer todos na área da fogueira. Ele tem um anúncio a fazer.

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Quiron trotava de um lado para o outro, esperando todos os semideuses chegarem e se ajeitarem em torno da fogueira. Quando isso aconteceu, um silêncio mortal se instalou entre os jovens. O centauro estranhou, pois normalmente ele tinha que gritar e bater os cascos no chão para pedir silêncio. A fogueira assumiu uma coloração escura, quase preta. Todos estavam preocupados das notícia trazidas por Reyna. A Oráculo tinha sido sequestrada e não tinham como saber onde ela estava.

–Semideuses! – finalmente falou – Enfrentamos na última semana um enorme desafio e saímos vitoriosos na guerra contra uma força primordial e agora enfrentamos os efeitos colaterais dessa guerra. Várias coisas estão fora do lugar e é nosso dever restaurar a ordem.

–Mas como vamos fazer isso se nossa Oráculo foi sequestrada? E mesmo que não tivesse sido, ela não estava conseguindo ver o futuro. – disse Clarisse, visivelmente preocupada, sentada à frente de seus irmãos.

–Por isso que nos temos que resgatá-la e depois resolver o principal dos inúmeros problemas causados por Gaia e seus aliados, um problema que os deuses estão chamando de “Questão de Delfos”.

–Pergunto de novo: sem profecia? – insistiu Clarisse.

–Sempre reclamamos da profecia e de como ela às vezes podia atrapalhar a missão. Mas agora que não temos nenhuma, percebemos que elas são fundamentais para nos auxiliar e guiar os caminhos da missão. – falou Annabeth, recebendo palavras de apoio de seus irmãos e alguns outros campistas.

–O que é essa “Questão de Delfos”? – perguntou Will Solace.

–A cidade de Delfos é sagrada para o pai de vocês – disse Quíron, se dirigindo aos membros do Chalé 7. – Foi lá que Apolo matou a Serpente Píton e libertou o espírito de Delfos que tinha o poder da profecia. Um grande templo foi erguido em louvou à Apolo e o espírito do Oráculo, temendo ser capturado pelas forças do mal novamente passou a escolher e se alojar nas Sacerdotisas mais puras e devotadas a Apolo, em sinal de agradecimento por ele o ter livrado da terrível cobra. Durante a guerra contra Gaia, Píton escapou pelas Portas da Morte enquanto elas ainda estavam abertas e tomou o controle de Delfos e do espírito do Oráculo.

–Temos que matar a cobra e libertar o Oráculo. – falou Percy, inflamando todos os campistas.

–Liberdade para Delfos! – todos gritaram. As chamas da fogueira ficaram repentinamente vermelhas.

–Eu e Annabeth podemos liderar uma equipe até Delfos, já conhecemos o caminho e os perigos das Terras Antigas. Podemos...

–Vocês não vão.

Todos se viraram e um burburinho de surpresa e temor tomou conta dos campistas, a fogueira voltou a ficar negra, quase se apagando. A deusa Atena caminhou até o centro, onde todos podiam vê-la.

–Vocês já fizeram demais pelo Olimpo, Perseu. Está na hora de outros provarem seu valor aos deuses. – a deusa da sabedoria se voltou a todos – Vocês estão sem Oráculo, eu sei. A Questão de Delfos tem que ser resolvida para que vocês consigam organizar o mundo que está de cabeça para baixo. Rachel Elisabeth Dare deve voltar a ser a oráculo dos senhores para que possam ter as coordenadas para arrumar a bagunça deixada pela Mãe Terra. Mas para essa missão vocês precisam também de um auxílio. Para isso, pedi ao grande senhor Poseidon que consultasse as Parcas para que elas pudessem lhes mostrar o caminho. Ele já deve estar chegando.

Passos apressados vindos da praia ecoaram. Poseidon veio correndo na sua bermuda cáqui e camisa florida. Ele estava meio pálido, mas Atena não se preocupou, todos ficavam assim após um momento a sós com as Parcas.

–Pode falar com eles Poseidon. – disse Atena, se colocando ao lado de Quíron.

–Vou direto ao assunto. Vocês sabem que as Parcas não fazem profecias, só ficam falando um monte de frases que não tem conexão uma com a outra, mas que não rimam. Resumindo é o seguinte: Serão dois semideuses daqui do Acampamento que encontrarão reforços no meio do caminho. O líder da missão deve ser filho de Apolo e o segundo é de livre escolhe dele, desde que seja filho dos Três Grandes. Vocês devem ir até Delfos e libertar o espírito do Oráculo que então guiará vocês até a srta. Dare. Não se preocupem com transporte até a Grécia, foi permitido que eu desse uma ajudinha. E vocês tem um prazo, como sempre: Idas de Agosto, que é no dia 13. Vocês tem 6 dias contando a partir de amanhã. O líder da missão deve me encontrar na praia amanhã às 6h. Acho que isso é tudo...

Um burburinho percorreu todos os campistas. Os filhos de Apolo se entreolhavam, menos Will Solace, que estava pálido e olhava diretamente para Annabeth, como se estivesse pedindo um conselho silencioso para a semideusa mais sábia do Acampamento.

–Eu aceito a missão. – falou Solace – Se meus irmãos concordarem.

Murmurios de aprovação percorreram todos os membros de Chalé 7. Os olhos de Atena brilharam, deixando Will muito assustado, parecia que ele tinha feito exatamente o que a deusa queria.

–Will Solace, líder do Chalé de Apolo, qual dos filhos dos três grandes você escolhe? Tem as três opções: o filho de Zeus, o filho de Poseidon e o filho de Hades. – perguntou Quíron.

Foi aí que o negócio explodiu. Todos os campistas começaram a gritar. Escolhe o Percy!, diziam a maioria. Jason, Jason, Jason!, gritava o fã-clube do filho de Zeus. Ele sentiu o olhar de Atena e Annabeth cravados nele, em um pedido silencioso: não escolha o Percy. Piper também parecia apreensiva, já Jason parecia relaxado, mas Will nunca sabia o que se passava na cabeça do ex-Romano, ele sempre tinha a mesma expressão calma e tranquila, ele ainda não conseguia confiar totalmente em Jason.

O estranho é que ninguém gritava para Will escolher o Nico, o filho de Hades estava no canto mais afastado da multidão e olhava fixamente para Solace. Will queria muito escolher o Nico, mas estava apreensivo. Nico quase tinha morrido de tanto usar os seus poderes, o ideal é que ele ficasse mais uns dias na enfermaria. O filho de Apolo tinha certeza que Nico esgotaria suas energias nessa missão se fosse necessário.

A apreensão subia. Os campistas pararam de dar sugestões para Will. Novamente o silêncio tomou conta da área da fogueira. Todos olhavam diretamente para Solace esperando que ele falasse alguma coisa. Até que ele disse:

–Eu posso tirar um tempo para pensar?

Atena olhou para Poseidon, trocaram rápidas palavras com o olhar e ela respondeu:

–Pode. Tem até as 6h da manhã. Apareça na praia com o seu companheiro de missão já preparados para a partida em direção às Terras Antigas.

–Estão todos dispensados. – falou Quíron, batendo os cascos no chão e fazendo uma referência aos deuses, que desapareceram deixando para trás somente o cheiro do mar e de livros novos.

Will permaneceu sentado perto da fogueira, enquanto os semideuses se dispersavam, voltando para suas atividades diárias. Vários irmãos dele batiam nos ombros de Will, desejando boa sorte.

–Nós escolheríamos você de qualquer forma. – falou Lauren, antes de retornar para a enfermaria. – Você é nosso líder Will, confiamos em você.

Antes de se levantar, Percy e Annabeth vieram até ele.

–Oi cara! – disse o grande heroi do Olimpo. – Posso dar uma palavrinha com você?

Ele se sentou ao lado de Solace. Annabeth ficou na frente deles.

–Eu sei que sou a escolha mais óbvia...

–Percy! – chamou a atenção Annabeth, rolando os olhos e murmurando algo como “super modesto”. Ele olhou confuso para a namorada, mas continuou:

–Eu só queria te pedir para não me escolher cara, só se você achar muito, muito, muito necessário. Eu fiquei seis meses sem ver Annabeth e quando a gente se encontrou nós resolvemos dar uma voltinha no Tártaro. E cá entre nós, não é um lugar muito romântico.

Annabeth e Will soltaram um risinho.

–Enfim, eu quero ficar um pouco com ela, sem monstros nos atrapalhando e etc... Se eu fosse nessa missão eu teria que deixar ela aqui porque são só dois semideuses segundo aquela profecia maluca do meu pai.

–Não se preocupe Percy. – respondeu Will, antes que o outro continuasse a terrível argumentação – Por mim vocês estão oficialmente aposentados. Já fizeram demais pelo Olimpo e por nós semideuses. Se não fosse por vocês não estaríamos aqui. O mínimo que podemos fazer para agradecer a vocês é permitir que vocês tenham um pouco de paz e sossego.

–Muito obrigada Will. – falou Annabeth, visivelmente emocionada.

–Valeu cara! – disse Percy. – Mas você já sabe quem vai escolher?

–Eu já tomei minha decisão, só quero confirmar antes.

Ele levantou e caminhou até Nico, que continuava no canto da fogueira. Ele percebeu a aproximação de Will.

–Você está forte Nico? Consegue encarar essa junto comigo?

Nico sorriu.