Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 7
Lar doce lar?




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Depois de incontáveis horas voando, surgiu no horizonte uma ilha pequena onde os dragões pousaram imediatamente. Estóico ergueu uma tenda confortável enquanto Soluço preparava uma fogueira. Merida sentou-se próxima de Banguela, um pouco deslocada enquanto observava os dois levantando acampamento. Um breve olhar pela ilha revelou marcas chamuscadas no chão, onde outrora outras fogueiras haviam sido acesas. Ao que parecia não era a primeira vez que a ilha era usada como parada para descanso.
Merida deixou-se vagar em pensamentos até sua casa, mal percebendo o passar do tempo e a movimentação em volta de si. Estóico saíra e voltara com duas cestas enormes cheias de peixe, e depois de Soluço selecionar alguns para eles, o líder viking se encarregou de alimentar os dragões enquanto Soluço se ocupava em limpar os peixes antes de assá-los.Soluço limpava vísceras e escamas mecanicamente, alheio ao olhar atento de Merida. Após limpar os filés de peixe ele os temperou com algumas ervas que tirou de uma bolsa e os ajeitou na fogueira para assarem. Ela observava atentamente. No castelo ela nunca havia visto um homem preparar as refeições antes.
– Eu gostaria de agradecer por salvar a minha vida. - Merida disse, cuidando para que Estóico não a ouvisse.
– Eu não fiz por você. Fiz pelo meu povo. - ele respondeu friamente, dando ombros, enquanto virava o peixe para assar do outro lado. - Além disso, eu espero que você consiga reverter isso. Não tenho intenção de ficar assim para sempre.
Merida não conseguiu pensar em nada para dizer, então ficou em silêncio. Sua única esperança de voltar ao normal e de ajudar Soluço era seu pai encontrar a bruxa e fazê-la falar. Ela fez uma prece silenciosa, pedindo aos deuses para que ele tivesse sucesso.
______
Os dias vieram e se foram, silenciosos e tranquilos, até que Merida se acostumasse a rotina de viagem. O frio aumentava a cada milha percorrida, e ela se perguntou se a temperatura nunca mais pararia de cair. Não que isso incomodasse seus captores, claro. Soluço e Estóico pareciam perfeitamente bem enquanto ela se enrolava mais e mais na capa de pele que seu pai lhe dera. Em um desses dias monótonos, eles avistaram a ilha de Berk. Merida observou curiosa o que seria seu novo lar. Os céus da ilha eram recheados de dragões de todas as espécies, alguns carregando vikings, outros voando sozinhos, mas todos inegavelmente à vontade. Ela deixou seus olhos vagarem, absorvendo as formas, tamanhos e cores, encantada com a beleza daquelas criaturas. Curiosamente, não viu nenhum como Banguela, mas também não se sentiu à vontade o suficiente para comentar aquilo com Soluço.
Estóico e Quebra Miolos desceram no cais e Soluço e Banguela tomaram uma direção diferente, afastando-se das casas e pessoas.
– Meu pai vai explicar ás pessoas o que aconteceu. - ele explicou, de má vontade. - Nós vamos para casa, por enquanto.
O dragão aterrissou com suavidade no fundos do que seria a casa de Soluço. Ficava no alto da colina íngreme e um pouco afastada das outras. Ele desceu e entrou na casa, sem dar nenhuma atenção á Merida e ela o seguiu, um pouco incerta do que fazer. As paredes e o chão eram de madeira, não de pedra, o que era compreensível considerando-se o frio que fazia naquele lugar. Havia uma lareira bem no centro da sala, que poderia ser usada tanto para cozinhar quanto para aquecer o ambiente. Os olhos de Merida detiveram-se nos detalhes, a decoração rústica de espadas e lanças nas paredes, sem nenhuma tapeçaria, nenhum detalhe que tornasse o ambiente mais feminino ou acolhedor.
Mas tudo estava perfeitamente arrumado, ela notou. Soluço fez um gesto para Merida seguí-lo e subiu as escadas. Merida o seguiu. No segundo piso estavam os quartos e Soluço mostrou a ela onde seria o seu.
– Logo a direita fica o meu quarto e no final do corredor, o quarto do meu pai. Nem preciso dizer que você não deve chegar perto de lá.
Merida assentiu. Com certeza depois de quase conhecer a lâmina de Estóico, tentaria manter distância dele o máximo possível. O som da porta se abrindo lá embaixo chamou a atenção dos dois.
– Pai. - ele disse baixinho e se virou, caminhando na direção das escadas.
Merida foi atrás dele, mas ele era rápido e já estava lá embaixo na sala quando ela chegou. Ela também queria saber como os vikings reagiram ás notícias e esperava que Estóico tivesse voltado com as novidades. Mas quando desceu até a sala, o que viu foi Soluço paralisado, mais pálido que de costume, olhando fixamente para uma garota loira perto da porta. Ela era magra, e atlética, tinha os cabelos presos em uma trança e a franja solta. Usava uma saia dividida e cheia de tachas que Merida nunca vira e calças, o que a deixou com um pouco de inveja da liberdade das mulheres vikings. Uma estola de pele cobria seus ombros e deixava seus braços nus, o que impressionou Merida. Como alguém podia andar com a pele descoberta naquele lugar tão frio?
Ela nem mesmo dirigiu um segundo olhar para Merida. Tudo o que fazia era encarar Soluço com uma expressão que era tudo, menos de boas vindas.
– Não sei quem você ou o que quer - disse, olhando para Soluço com um tom de voz firme e ameaçador - Mas você vai trazer o Soluço de volta agora.
– Astrid - Soluço falou, voltando as palmas das mãos para a garota, pedindo calma - Sou eu Astrid. Eu sou Soluço. Eu posso provar!
– Mentira! - ela rugiu e sacou da cintura um enorme machado afiado que estava carregando.
– Eu sei que parece loucura, Astrid! - Soluço estava tremendo agora, Merida reparou. Fosse quem fosse a garota loira, deveria ser perigosa, sem dúvida. Astrid avançava um passo e Soluço recuava dois, cada vez mais nervoso com a aproximação dela.
Quando ela ergueu o machado para ele, Soluço se encolheu o máximo que pôde.
– Um Gronckel! - gritou, com as mãos a frente do corpo para se proteger de um golpe que não veio. Astrid congelou com o machado ainda no ar, piscando confusa. Soluço decidiu se aproveitar da vantagem e não dar tempo a ela para mudar de ideia. - Sua prova final, na arena. Foi um Gronckel. Eu o venci e você quis me matar depois, e foi me procurar na floresta. Foi assim que você soube do Banguela.
Astrid arregalou os olhos e baixou o machado lentamente, olhando fixo para os olhos de Soluço. Estava tudo errado. Só Soluço sabia daquilo, e ela sabia que ele nunca contara a ninguém. Parecia ele, mas ainda assim... Ela aproximou-se lentamente dele, estudando seu rosto agora com curiosidade. Soluço tentou se afastar, mas se deteve quando esbarrou em um dos escudos pendurados na parede atrás de si.
Se Merida tentasse adivinhar o que Astrid faria em seguida, nunca teria conseguido. Ela pendurou outra vez o machado na cintura, puxou Soluço para si pelo colarinho da camisa e o beijou. Soluço arregalou os olhos de incredulidade, mas depois os fechou e cedeu ao contato, um pouco encabulado. Merida corou e desviou o olhar por alguns segundos, o suficiente para Astrid soltar Soluço bruscamente e limpar os lábios com as costas da mão. Soluço abriu os olhos lentamente e piscou, como se estivesse acordando de um sonho que não queria que acabasse.
– É. É você mesmo. Duvido que outra pessoa beije desse jeito. Eu precisava saber. - ela concluiu de mau jeito com o rosto levemente corado e depois lançou um olhar de curiosidade para Merida - E você é a tal princesa?
Merida apenas assentiu, afastando-se um pouco dela discretamente, esperando que ela não a beijasse também. Se ela estava encabulada ou não por ter beijado outra garota, não deu nenhum sinal.
– O quanto você sabe? - Soluço inquiriu, visivelmente mais calmo, puxando uma cadeira e sentando-se.
– Só o que seu pai disse no Grande Salão. Vocês foram até lá, tentaram uma Aliança, a princesa te enfeitiçou, mas ao que parece foi desastrada demais para se proteger do próprio feitiço, vocês a tomaram como refém e agora estão aqui. - Astrid explicou, rapidamente. - Seu pai me pediu para ficar de olho nela.
– Eu não vou tentar fugir! - Merida protestou, indignada.
– Como se você pudesse - Soluço revirou os olhos. - Estamos em uma ilha. Não há como sair, a não ser de navio ou de dragão, e você não tem nenhum dos dois.
Astrid ergueu uma sobrancelha perante o tom ríspido de Soluço, mas não teceu nenhum comentário. Se ela tivesse sido transformada em homem pelo seu futuro noivo, também estaria furiosa. Mas não pôde deixar de sentir pena ao ver o modo como o rapaz ruivo se encolheu diante do que ele dissera.
– Na verdade - a guerreira continuou - Estóico quer que eu fique de olho em você para sua própria proteção. Você ganhou a antipatia de muita gente na ilha hoje e é uma refém valiosa. Eu serei responsável por você a partir de agora, para a sua própria segurança. Não tente andar por aí sozinha. - ela aconselhou.
Merida não tinha pensado nas coisas por esse lado. A garota não estava ali para impedir que ela fugisse, e sim para protegê-la dos outros. Era perfeito. Mal chegara e já tinha uma ilha inteira com ódio dela, sem nem ao menos conhecê-la.
– De qualquer maneira, não é como se você fosse sair agora, não é? Deve estar com o traseiro quadrado de tanto passar tempo na sela. Eu vou deixá-los descansarem e amanhã venho te buscar para conhecer Tempestade e o resto da ilha. - Astrid segurou a mão de Soluço e prendeu seu olhar. - Não se sinta tão mal. As pessoas jamais vão julgá-lo pelo que houve. Você sabe que tem o apoio de todos em Berk, não sabe?
Soluço assentiu, dando um sorrisinho sem esperança. Astrid acariciou-lhe o dorso da mão e com um sorriso para ele e um aceno de cabeça para Merida, saiu sem dizer mais nenhuma palavra. Soluço esperou alguns minutos e subiu as escadas sem dirigir nem mesmo um olhar para Merida, deixando-a sozinha na sala. Ela se sentiu péssima. É claro que de certa forma, ela vivia sozinha no castelo. As pessoas evitavam manter uma amizade com ela por causa de sua posição e status. Mas ainda assim era uma solidão contida e ela ainda tinha a companhia dos pais, dos irmãos e de Maudie. As pessoas podiam não se aproximar muito dela, mas não a odiavam. e mantinham uma distancia respeitosa. Mas ali, era diferente. Ninguém gostava dela. Ela não tinha o conforto da presença de sua família. A coisa mais próxima de um amigo que ela tinha pesava uma tonelada, tinha escamas e não sabia falar.Além do fato de que ela nunca mais poderia sair sozinha. Merida fechou os olhos e seu coração apertou-se no peito. Ela desejou que o chão se abrisse e a engolisse. E aquele era apenas o primeiro dia do resto de sua vida.


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Notas finais do capítulo

Chocados com a atitude da Astrid?HuHAUHAUAH.. Enfim, Feliz Natal para todos e eu vou tentar postar o próximo capítulo na sexta se eu não morrer por comer demais na ceia. Mas eu vou tentar ficar viva, o próximo capítulo vai ser bem legalzinho.