Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 5
A proposta de Soluço




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Escondidos atrás de uma encosta rochosa próxima à ponte que levava ao castelo, Merida e Soluço observavam a movimentação dos guardas no castelo.

– Estão organizando um grupo de busca. Nunca conseguiremos nos aproximar. - comentou Merida. - Se nos virem, jamais acreditarão que somos nós.

Soluço assentiu e ajeitou a manga da camisa que teimava em escorregar e expor demais de seus ombros agora estreitos.

– Não podemos ficar aqui a noite toda. Se acharem que eu a sequestrei, as coisas podem se complicar para o meu pai. Temos que entrar.

Soluço caminhou desajeitadamente entre as rochas e conseguiu chegar até Banguela. O dragão não parecia ter tido problemas em reconhecê-lo mesmo e um corpo de garota e Soluço se sentiu grato por isso. A última coisa que precisava agora era perder também o seu melhor amigo. Subiu na sela e acariciou o pescoço de Banguela.

– Você vem ou não? - chamou, esquecendo de repente de toda a delicadeza com a qual planejara chamar Merida para um vôo.

– Vão nos ver! - ela protestou.

– Não vão não! Banguela é um Fúria da Noite, é rápido e silencioso, além disso ele é todo negro, vai se confundir com o céu noturno e ser impossível de ver. Ninguém nos verá. Suba logo.

Merida lançou-lhe um olhar desconfiado, mas não estava em posição de recusar nada. Aquela situação toda era culpa sua. Desajeitadamente passou uma perna por cima da sela ouvindo o tecido se rasgar mais uma vez. Seu rosto corou ao perceber que tinha metade da perna exposta, mas relaxou ao se lembrar que ninguém acharia atraente uma perna masculina e cheia de pelos ruivos saindo de um vestido arruinado.

Então veio o dilema.

– Ah... - ela balbuciou, incerta de onde colocar as mãos.

Merida simplesmente não conseguia achar apropriado segurar a cintura de Soluço, não com ele desse jeito. Também não poderia se agarrar ao seu peito, seria constrangedor demais.Ficou por um momento assim, movendo as mãos para cima e para baixo, como se não soubesse o que fazer com elas. Soluço percebeu e rolou os olhos.

– Ponha os braços em volta de mim. - ordenou.

Merida obedeceu, envolvendo-o pela cintura, um pouco incomodada com a proximidade. Logo o trio levantou vôo silenciosamente na noite.

________

Banguela pousou suavemente no pátio do castelo. Por sorte os guardas estavam mobilizados procurando pela princesa e mal viram as figuras mal vestidas se esgueirando pelo castelo. Merida os conduziu pelas entradas dos criados até que depois de momentos tensos e nervosismo crescente conseguiram finalmente chegar até a Sala do Trono, onde Fergus e Estóico discutiam furiosamente. Foi Elinor quem notou primeiro a entrada do trio.

– Mas o que é isso? Quem são vocês? Como entraram aqui? Guardas! - a rainha chamou, atraindo a atenção de Estóico e do marido para a cena.

– Espere! Mãe, sou eu! - Merida gesticulou defensivamente.

– Mãe? - Estóico e Fergus se entreolharam ao mesmo tempo.

– Sou eu, nesse corpo! Sou eu, Merida! Sua filha! -

– Mas que tolices esse rapaz está dizendo? - a rainha indagou - Guardas!

– Ela está dizendo a verdade - defendeu Soluço. - Esse homem é Merida Dunbroch e eu sou Soluço Haddock. Fomos enfeitiçados.

Finalmente os guardas vieram e Fergus deu a ordem.

– Tirem esses dois desordeiros daqui imediatamente! - ordenou.

Mal os guardas deram dois passos e Banguela postou-se defensivamente ao redor de Soluço, rosnando alto com os dentes a mostra e as pupilas finas como linhas escuras. Foi suficiente para Estóico considerar por um momento o que aqueles dois tinham dito.

– Esperem! - o líder viking interviu, aproximando-se cautelosamente com uma expressão incrédula no rosto - Soluço?

– Sou eu pai, neste corpo. Eu sei que parece loucura, mas sou eu mesmo! Eu posso provar, me pergunte qualquer coisa e...

Ele parou subitamente quando Estóico tocou-lhe o queixo, seus dedos passando na pequena cicatriz que ele tinha desde muito antes de se lembrar.

– Como isso é possível?- murmurou para si mesmo.

– Fui eu. - Respondeu Merida - Eu o enfeiticei, com a ajuda da bruxa. Eu não queria que chegasse a isso, eu só queria evitar o meu casamento! Eu não sabia...

Elinor soltou um grito de choque e horror, deixando-se envolver nos braços de Fergus. Merida quis pensar em algo para dizer, mas parou quando a rainha a encarou, de olhos marejados. A decepção nos olhos da mãe a rasgou por dentro e doeu fundo nela. Merida já estava arrependida, mas aquele olhar a fez sentir miserável, não pelo que ela havia impingido a si mesma ou a Soluço, mas por ter ferido sua mãe uma segunda vez. Entre todas as pessoas do mundo, Elinor era a que menos merecia passar por aquilo tudo.

Então rápido como um raio, Estóico sacou o machado e avançou na direção de Merida. Ela nunca tinha visto alguém tão furioso em toda a sua vida. Nem sua mãe, na forma de ursa ao descobrir a verdade, nem seu pai ao ver Mor'Du pela segunda vez. Essas raivas haviam sido velas pálidas se comparadas à fornalha que ardia nos olhos de Estóico. Tudo o que o rapaz ruivo fazia era olhar para a grande lâmina curva desenhar sua trajetória no ar na direção dele e parar subitamente quando Soluço entrou na frente com os dois braços abertos e uma expressão determinada. O machado de Estóico parou no ar, mas não desceu.

– Saia daí, Soluço. - o líder viking vociferou.

– Não saio!

– Não vê o que ela fez?

– Sim, eu estou vendo! Mas se matá-la vai começar uma guerra e eu nunca vou voltar ao normal! Só vai fazer as coisas piores!

Estóico encarava o filho, indeciso por um momento sobre o que fazer.

– Não foi para isso que viemos até aqui, pai.

– É uma conspiração, não vê?

– Para quê? Não seria muito mais fácil nos atrair até aqui para nos matar? - Soluço questionou, prendendo os olhos do pai fixamente. Apontou Merida com o indicador - Foi o egoísmo dela que nos fez ficar desse jeito. Se responder de forma igual vai mudar as coisas para sempre.

Estóico respirava pesadamente parecendo considerar as palavras de Soluço. Desde o incidente com o Morte Rubra ele sempre pensava duas vezes antes de tomar qualquer decisão sem ouvir o filho. E por mais ódio que estivesse sentindo naquele momento, ele soube que ele tinha razão.

– Esse é o caminho que eu escolho, pai. Qual o senhor vai escolher? - Soluço indagou, com uma firmeza assustadora.

Estóico lançou um último olhar de desprezo a Merida antes de baixar o machado lentamente. Soluço suspirou, aliviado, afastando-se de Merida sem nunca desviar os olhos do pai.

O líder viking respirou profundamente para se acalmar duas, três vezes antes de pendurar o machado na cintura. Só então Soluço se aproximou dele e segurou-lhe o ombro.

– Vai dar tudo certo, pai. - assegurou, mas sua aparência feminina fez pouco para que seu pai acreditasse nele.

Estóico desviou o olhar do filho e encarou Fergus com firmeza.

– Então é com essa hospitalidade que o governante de Dunbroch recebe os seus visitantes? - ele questionou. - Nos faz sair de Berk com meu filho e a esperança de firmar uma Aliança de paz para nos receber em sua casa e nos atraiçoar dessa maneira? Diga-me um motivo, Rei Urso, para não sair daqui agora e voltar com dragões e navios suficientes para destruir Dunbroch até a última pedra?

Elinor cobriu o rosto com as mãos e Fergus estava simplesmente sem fala. Nada do que ele dissesse tiraria a razão de Estóico. Estava com uma crise diplomática terrível nas mãos e não parecia haver uma solução pacífica para ela.

– Não! - Merida protestou - Não foi culpa deles! Eu planejei tudo, sozinha! O senhor não pode...

Ela parou quando Soluço negou com a cabeça e ergueu a palma da mão para ela, pedindo silêncio. Estóico parecia nem mesmo ter ouvido os protestos dela. Continuava a olhar fixamente para o rei urso, que parecia tão perdido quanto a um momento atrás. O silêncio na Sala do Trono era tão denso que poderia ser cortado com uma faca, mas Soluço o quebrou.

– Eu tenho uma solução. - disse, atraindo a atenção de seu pai, Elinor e Fergus. - Não podemos voltar para Berk e ignorar tudo isso como se nada tivesse acontecido, afinal eu ainda estou - ele fez uma pausa e gesticulou para si mesmo, com uma expressão desagradada - desse jeito. A coisa mais sensata no momento seria declarar guerra a Dunbroch e lutar até o último homem. - Merida abriu a boca para protestar outra vez, mas Soluço levou o indicador aos lábios e ela se calou. - Mas uma guerra teria um custo muito alto para os dois lados e ainda assim sairíamos perdendo, pois eu continuaria assim.

– Qual é a sua sugestão? - indagou Elinor.

– Eu sugiro - Soluço falou calmamente - que levemos Merida como refém para Berk até que esta situação se resolva e mantenhamos os termos da Aliança.

Estóico fez que sim imediatamente, aprovando a solução proposta pelo filho.

O queixo de Merida caiu e ela perdeu até mesmo o fôlego para se queixar. Levá-la como refém? Sair de Dunbroch até que os deuses saibam quando, talvez para nunca mais voltar?

Elinor também deveria estar considerando a sugestão de Soluço com alguma relutância, pois suas sobrancelhas se uniram e ela olhou para o marido, pedindo algum apoio. Mas Soluço não lhe deu tempo para hesitar:

– Eu devo ressaltar que estamos sendo muito generosos, considerando a falta de cortesia com a qual fomos recebidos. Qualquer outra nação entraria em guerra imediatamente, sem nem mesmo pensar. Uma única pessoa para manter uma nação em paz é um preço justo a se pagar não acha? Além disso, tem a minha palavra e a palavra do meu pai de que ela não será machucada.

Estóico assentiu perante as palavras do filho. Se aquela era a única maneira de Soluço voltar ao que era e a única chance manter a paz, que assim fosse. Mas se seu filho perdera algo, eles também perderiam. A princesa seria afastada deles até que o problema fosse sanado.

Relutantemente, Fergus assentiu e o coração de Merida foi parar nas botas. Nem mesmo tinha o direito de se queixar. Como poderia dizer aos pais que negassem esse acordo maluco, como poderia pedir a eles que iniciassem uma guerra por ela, quando fora ela mesma que se colocara naquela situação? Nenhum homem, viking ou escocês merecia morrer pela sua estupidez. Ela quis que o chão se abrisse e a engolisse. Como ela iria imaginar que um ato tão pequeno, uma coisa tão mínima como um feitiço abalaria as estruturas de todo um reino? No fim das contas, tudo o que ela mais tentou evitar acabou acontecendo. Seria expulsa de seu lar para sempre, pois ela não sabia como reverter o feitiço e ainda pior: teria sua liberdade tirada. Perderia o amor de seus pais, e o respeito de sua mãe, pois iria embora sabendo que a magoara profundamente. Odiou-se por ser tão cega e confiar outra vez na bruxa. Evitou seu casamento sim, mas o preço que ela teve que pagar tinha um sabor amargo em sua boca.


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Notas finais do capítulo

E lá vai a Merida pra Berk de novo! Só lamento pela Elinor, que eu amo tanto, ter que passar por isso outra vez...