Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 16
Fogo e Água




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Como a alguns anos atrás, Merida recomeçou sua perseguição às luzes mágicas. A lua aparecia e desaparecia por trás de nuvens densas, dificultando um pouco o trabalho, mas Merida já conhecia aqueles caminhos como se fossem só seus, e enquanto se emaranhava mais e mais na floresta atrás das luzes mágicas nem lhe ocorreu se saberia como voltar. Voltar não era importante. O mais importante agora era descobrir uma maneira de desfazer o feitiço. Todo o resto era secundário. Talvez só tivesse aquela chance.

Exatamente como da primeira vez, as luzes piscavam e se desvaneciam toda vez que ela se aproximava muito, apenas para reaparecerem mais adiante, criando um caminho que jamais poderia ser repetido.

Como um lobo perseguindo uma presa, Merida não tinha olhos para mais nada além das luzes. Toda a sua mente e seu corpo estavam envolvidos naquela perseguição. Nada a faria parar agora.

Caminhava pela floresta com uma familiaridade assustadora. Se qualquer pessoa a visse naquele momento, diria que ela havia crescido naquele lugar e não que era uma estrangeira que vivia lá a apenas alguns meses.

Alheia às nuvens pesadas e escuras juntando-se acima de si, ela continuava a embrenhar-se noite adentro, atenta apenas às luzes azuis que apareciam em seu caminho. Então, subitamente a floresta havia acabado e Merida estava de pé em um rochedo de frente para o mar, encarando uma das luzes mágicas se erguendo no vazio. Claramente aquela era a direção certa, pois a luz não se desvaneceu como as outras. Esperava que a seguisse. Mas como poderia? Não havia nada lá embaixo além do oceano chocando-se com violência contra as pedras. "Se ao menos eu tivesse um dragão..." ela pensou.

Um farfalhar nos arbustos atrás dela e Merida se virou, assustada. Mas era apenas Dealan. Provavelmente seguira seu cheiro o tempo todo, e Merida, absorta como estava, nem percebeu que ele a estava seguindo. O dragão olhava para ela e para a luz mágica adiante, como se pedisse uma explicação.

– É o fim da estrada, Dealan. - Merida lamentou-se. Sentou-se, abraçando as próprias pernas e encostou a cabeça nos joelhos. - Nunca vou conseguir reverter o feitiço.

Dealan aproximou-se dela, tocando seus cabelos com o focinho, mantendo-o ali, por alguns instantes, mas não muitos. Seu orgulho não lhe permitiria mais do que isso.

Merida olhou para ele, enxugando as lágrimas teimosas que escorriam pelo rosto. E com um gesto desesperado jogou seus braços em volta dele, abraçando-o, sentido o calor reconfortante sob as escamas e o pulsar rítmico das artérias abaixo delas. O dragão não se moveu. Não pareceu tão incomodado com o gesto, mas ficou imóvel o tempo todo.

Ele suportou o abraço pacientemente por um minuto, depois emitiu uma espécie de som asmático e arrastou as patas. Merida se afastou, fungando baixinho e o soltou.

Ela o olhou, dando um sorrisinho constrangido. O dragão apenas grunhiu e voltou a olhar para a luz mágica. Dealan era muito diferente de Banguela, embora tivesse uma inteligência equivalente. Seu relacionamento com ele era regado a muita conversa e peixe fresco, mas desde que o conhecera, meses atrás, jamais admitira ser montado e a única experiência de vôo que Merida conheceu com ele era a de ser carregada à força pelos ombros montanha acima. Por isso, não foi sem surpresa que ela o viu inclinar-se e rugir, incentivando-a a subir nele.

Ela piscou, surpresa, e seus olhos se encontraram mais uma vez. Ela se aproximou dele, um pouco incerta e tocou-lhe o pescoço para ter um apoio. Nada aconteceu. Ele continuava a olhá-la com uma expressão indiferente e aborrecida. Merida ergueu uma perna, hesitante, parando antes de passá-la por sobre o dorso de Dealan. Nada. Então ela finalmente o montou, a insegurança marcando o ritmo dos seus batimentos. Agarrou-se a ele e o dragão os projetou no ar com um impulso, avançando na direção das luzes mágicas que desapareciam sempre que a dupla se aproximava demais apenas para surgir mais à frente.

Levou alguns momentos para que Merida compreendesse a situação em que estava. A alegria que estava sentindo quase afastou sua mente do que estava fazendo. Dealan a deixara montá-lo! E ela estava sozinha na noite, montada em um dragão parcialmente selvagem sem ter nem mesmo uma sela para orientá-lo. É claro que confiara nela o suficiente para deixar que o montasse, mas ainda era muito cedo para que o fizesse seguir as direções que ela queria. Naquele momento ele estava seguindo as luzes mágicas, claro. Mas em um momento futuro, se ele a deixasse montá-lo outra vez, ela teria que ser cuidadosa em relação a isso.

Ele era como ela, Merida sabia. Colocando-se em seu lugar, Merida sabia que jamais permitiria que um estranho a montasse e a fizesse voar contra a sua vontade. Ela tinha a certeza de que se fosse um dragão, seria exatamente igual a Dealan. E como o respeitava por isso! Prometeu a si mesma que jamais faria nada que quebrasse a confiança que tinha nela.

Alguns minutos se passaram enquanto seguiam as luzes. Ilhas surgiram e desapareceram e Merida esperou que para onde quer que fossem, Dealan soubesse o caminho para levá-los de volta, tentando não pensar na hipótese de algo imprevisto acontecer e eles nunca voltarem.

Então as luzes mágicas começaram a ficar mais e mais baixas, levando-os em direção a uma grande ilha de rochas tão afiadas quanto dentes quebrados. Não parecia ser habitada, Merida ponderou, enquanto os dois desciam, seguindo as luzes mágicas. Fez uma prece silenciosa para que o que quer que houvesse ali a ajudasse a desfazer o feitiço - e de preferência não a matasse no processo. Dealan pousou suavemente nas rochas que eram menos íngremes. Merida escorregou de cima dele, um pouco sem jeito por não ter uma sela para se segurar. Na entrada de uma caverna, as luzes mágicas a esperavam. Ela caminhou até elas, ouvindo Dealan seguí-la. Então se virou para ele, olhando em seus olhos sem tocá-lo.

– Obrigada por me trazer até aqui, Dealan. Eu nunca teria conseguido sem você.

O dragão revirou os olhos, como se dissesse que aquilo era mais que óbvio. Merida riu.

– Eu não sei o que há lá dentro. Mas se eu não voltar... Se eu não voltar...

O dragão rugiu para ela e avançou alguns passos. Jamais a deixaria ir sozinha, é claro. Não iria ficar ali, sentado esperando por ela como um cão adestrado.

Merida franziu a testa, um pouco nervosa por não ter previsto essa reação. É claro que ele iria junto. No fim das contas, era como ela.

– Promete que se as coisas ficarem feias você vai fugir? - O dragão bufou em resposta. Merida suspirou, sem saber se aquilo era concordância ou negação.

Mas não havia tempo para discussões. Com uma expressão determinada, seguiu as luzes mágicas caverna adentro.

___

Em um determinado momento, Merida e Dealan depararam-se com uma abertura estreita, por onde mal passaria uma pessoa. Os dois se entreolharam e ela suspirou.

– Tenho que ir Dealan. Você tentou. Não pode me acompanhar.

O dragão não reclamou e pareceu concordar.

– Você vai esperar por mim? – perguntou, um pouco apreensiva

O dragão virou as costas para ela e Merida chegou a pensar que iria embora. Mas depois de alguns passos, parou e se sentou sobre a pedras. Merida sorriu e se curvou para passar pela abertura estreita. Contorceu-se como podia, até que finalmente conseguiu içar seu corpo para o outro lado. O que viu deixou-a boquiaberta.

Uma enorme caverna, quase tão grande como o castelo de Dunbroch. Havia uma grande abertura circular no teto. Mas o que a chocou não foi isso. Apenas uns passos adiante o chão desaparecia e a lava incandescente luzia, borbulhante. Ela levou a mão aos lábios, chocada ao ver que era exatamente por ali que as luzes queriam que fosse.


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Notas finais do capítulo

Pois é, Merida, achou que ia ser fácil?



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