Cato

Se mais alguém ouviu isso, esse cara vai morrer se arrependendo ainda mais dessa maldita hora. Verifico. Glimmer está encostada na mesa de pé, já me pedindo desculpas por estar olhando. Bom pra ela. Clove ainda está escolhendo sua comida. A menina do 4 não veio hoje.

E Quaid não me interessa.

– Você está brincando, não está, 11? – pergunto, sendo uma boa pessoa.

– Não, 2. Eu não quero me juntar à sua aliança – ele ainda ousa repetir. Fuhrman ergue as sobrancelhas para a salada. Ela está ouvindo.

– Vem cá por um instante.

– Não, obrigado, eu estou bem aqui.

– Eles já te contaram? Que eu não gosto de recusas?

– Eu percebi. Mas eu não ligo para o que você gosta, 2.

Ele ainda está brincando comigo. Sorrindo. Cerro meus punhos. Eu estou furioso, eu estou pronto pra mostrar pra ele tudo que meu distrito gosta. Eu quero estragar essa cara vagabunda dele.

– Cara – Marvel decide jogar uma mão no meu peito. Ele ainda não sabe que também precisa de uns estragos. Bato nele também.

– É melhor que você comece a se arrepender logo, 11. Senão na arena vai ter uma quantidade grande demais pra ser digerida em pouco tempo.

Thresh sorri e dá de ombros, ainda de braços cruzados. Dou uma última olhada e sorrio. Eu sei que não vou ver essa cara desse jeito de novo nunca mais.

– Então? – Glimmer é a única idiota que pergunta. Essa gente do 1 é imprestável.

– Ele disse não – Quaid ainda responde, se sentando ao seu lado. Clove continua a comer, olhando para os lados como se nada fosse da sua conta. Se não fosse ela, eu já teria socado o imbecil.

– Espero que ele reze. Muito a partir de hoje – digo, colocando frango na boca. Não é como o de casa, então mastigo devagar, olhando as caras assustadas da loira e do Marvel. Ele ri pra disfarçar depois, abraçando Glimmer.

– Não vá ter um ataque cardíaco, querido – Clove sussurra, enquanto passa por mim pra voltar a treinar. Solto o ar e sorrio.

Eu tenho um coração bom. Passo longe de enfartar quando volto para a estação onde estava antes e a faca que ela tinha me dito pra praticar não está mais lá.

O cara do 6 é o único aqui.

– Cadê minha faca?

– Eu não...

– Eu botei minha faca aqui e de repente sumiu.

– Eu não sei cadê...

Esse cara está me irritando. Eu não tolero mentirosos. Eu não tolero mais nenhum esfomeado querendo brilhar hoje.

– Me fala onde minha faca está, você pegou minha faca!

Ele começa a pedir ajuda pros guardas, chamar atenção como todo covarde. O empurro de novo.

– Admita! Admita e talvez eu não soque sua cabeça agora, fala onde minha faca está! Você pegou minha faca!

– Eu não. Peguei.

Eu já estou fechando minhas mãos. Ele pediu.

Quando vejo os guardas me cercando e me puxando pro outro lado, minha raiva só aumenta.

– Você pegou minha faca, seu vagabundo! Espera só. Você vai ser o primeiro a morrer na arena.

Eles me jogam num canto e de novo tem mãos me empurrando para frente. Dessa vez são as de Clove.

– Isso foi engraçado, Ludwig, eu preciso admitir – ela começa, fechando a porta e sorrindo. – Mas, porra! Que inferno aquela faca tem, você tem um caso com ela?!

– Você acha, você realmente acha que eu vou deixar esses imundinhos desesperados pegarem minhas coisas?

Eu vou pra cima dela, também. Eu estou cansado. Ela é insuportável.

– Ah sim, me bata, Cat Cato. Soque minha cabeça agora mesmo e os guardas não vão chegar a tempo de te ouvir gritar “Ela. Tem. Uma. Outra. Faca!”

Vejo que estou rindo disso e lembro que é a Fuhrman. Eu não bato na Fuhrman.

– Ele vai ser o primeiro, eu estou jurando – falo.

– Ok, foda-se.

Volto motivado. Os caras do 12. O do 11. E agora esse do 6. Homens mortos.

Eu vou embora quando Glimmer aparece para conversar. Não quero que esses tributinhos me vejam com uma dessas que não consegue acertar o alvo. Ela vem comigo rumo ao elevador.

– Fuhrman! Nós estamos subindo – grito.

Ela se afasta do instrutor com quem estava praticando e dá de ombros.

– Fuhrman, eu estou mandando você vim!

Agora ela se vira, sorrindo.

– Você sabe onde enfiar suas ordens.

Ainda tenho que esperar Marvel, ridículo correndo. Eles tentam conversar comigo. Uso um pouco de educação, mas estava prestes a quebrar esse vidro e os empurrar se não calassem a boca. Sorte que eles foram embora antes.

– Você. Pegou. Minha. Faca. – Clove começa a me imitar baixinho, sacudindo a cabeça e rindo que nem uma idiota.

– Cala a boca.

– Você. Pegou. Minha. Faca.

– Eu não estou brincando.

– Admita que está e talvez eu não soque sua cabeça agora.

– Eu não estou. Cala a porra da boca agora – agarro seu braço e a seguro contra a parede. Fuhrman tenta prender a risada. – Para de rir, Clove!

– Ok. Seus desejos soam como ordens nos meus ouvidos – ela fala devagar, sorrindo e olhando pra mim. Ela é boa afinal.

Agora a prendo na parede com meu próprio corpo. Ela fica ainda menor contra mim e eu gosto disso. Agarro seus braços forte para que doa e a beijo.

Fuhrman trava a boca no começo, tentando fazer força pra se livrar. Eu sei o porquê. Quando fico calmo e paro de tentar machucá-la, ela percebe que sou eu e começa a retribuir. Solto seu braço e aperto o botão de parar o elevador.

Fico cansado e dou um tempo pra que ela se recomponha.

– Você parou o elevador, Cato – Fuhrman tenta dizer. Agora suas mãos agarram meus braços como se ela tentasse me empurrar. – Não me obrigue a fazer nada.

Eu olho bem pra cara dela enquanto solto o elevador na mesma hora. Eu poderia fingir que não ouvi isso. Mas estou com raiva demais agora.

– Você realmente acha que eu faria isso? Eu preciso disso, Fuhrman?!

O elevador chega. Clove ergue as sobrancelhas e sai.

– Alguém já teve que me agarrar – ela diz, com cara de nada. – Forçar beijos.

Beijos. Beijar não é o que o pai dela fazia com ela. Não com frequência. Aí seria nojento demais até pra um porco daquele.

– Não, eu não preciso disso, Fuhrman – agarro seu braço de novo.

– Ok.

– Não me faça ficar com raiva de você, cravinho – rosno, largando seu braço, caminhando na sua frente pro quarto dela. – O que você sugere pra fazer com o cara do 11?

Clove vai tomar banho, mas mesmo com o chuveiro ligado, tenho ouvidos bons e ouço sua resposta.

– Nada. Matar ele.

– No final. – Decido. – Com tempo.

– Hum. Eu achei que ele fosse ser o primeiro.

– Não. O primeiro vai ser o 6.

– Você. Pegou. Minha. Faca!

Eu espero que essa seja a última vez que Fuhrman grite isso. Ela está trancada longe, então rio.

– E você? Fez amizade hoje com a brasinha?

– Não, mas foi legal ter ela na minha frente na fila, porque eu vi o cara do 6 na frente com o instrutor. Eu não quero ferir seus sentimentos, mas ele dá pro gasto.

– Se alia com ele então, vadia. E eu faço dos dois as primeiras mortes. Você na frente.

Clove ri escandalosamente.

– Você é encantador, querido!

– Você também, meu amor.

Eu durmo com ela hoje de novo. Mas não encosto nela, deixo que de madrugada ela mesma role até mim, jogando as pernas e os braços em cima dos meus. Encostando o nariz no meu peito.

Até o subconsciente de Fuhrman sabe. Que cada músculo, cada pequeno osso dela, cada fio de cabelo e cada sarda dela pertence a mim. Isso quer dizer, que, por consequência, mesmo não sendo minha primeira escolha, mas minha responsabilidade, sua morte pertence a mim também.