Ressurgente escrita por Carolina Rondelli


Capítulo 27
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Como vocês estão? Quero agradecer à Álice Santana, minha amiga, que recomendou a história! E a todos que continuam tendo paciência e comentando, vocês tem um lugar muito especial no meu coração.
Espero que vocês me amem muito depois do final desse capítulo, então espero que gostem!



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Liv

Abro os olhos e estou de pé, e minha perna não dói. Estranho.

Olho em volta e me vejo em uma sala com as paredes acolchoadas em que estava com Beatrice, mas dessa vez não há uma cama, e estou sozinha. Tento me lembrar de que estou numa paisagem do medo. Não pode ser tão difícil, pode? Já li muito sobre como são realizadas. É apenas uma simulação, nada pode me machucar de verdade, só tenho que tomar controle da situação e vencer o medo, e então passará para o próximo.

A teoria se desfaz quando as paredes começam a se estreitar.

— Não é real — digo em voz alta, mas meu coração está acelerado e sei que preciso me acalmar para que avance para o próximo medo.

Falho miseravelmente, no entanto, e as paredes se fecham mais ainda, e começo a suar frio, a respiração pesada, do mesmo jeito que aconteceu no quarto. Mas não posso, de jeito algum, desmaiar aqui. Nem sei se isso é possível.

Agacho quando as paredes encostam-se a mim, e fico balançando no chão, como algum doente mental, sussurrando para mim mesma “não é real, não é real.” Começo a me lembrar que posso fazer coisas aparecerem na minha paisagem do medo. Uma arma, uma faca, talvez, mas nada disso me fará sair daqui agora. Uma máscara de oxigênio, talvez, mas isso não seria enfrentar meu medo.

Então, a lembrança mais improvável invade minha mente. Eu estava namorando Derek há três meses e uma vez invadimos o quarto de Nita, por nenhum motivo especial, éramos mais jovens, mais imaturos, e não sabíamos que morávamos com uma psicopata. Acontece que ela chegou, e nos escondemos no armário. Bom, não só nos escondemos lá, quando eu ia soltar uma gargalhada ele me calou com um beijo, e foi um dos melhores da minha vida. Sorrio com a memória, e fico no escuro novamente.

Um medo, conto mentalmente.

E então, de uma memória, Derek aparece na minha paisagem. Meu maior medo sempre foi perdê-lo, e não sei como vou superar esse medo aqui, já que eu o perdi, de qualquer forma.

Ele está me olhando, e tem fogo atrás dele.

— Por favor, Liv, me ajude! — ele pede, com terror em sua expressão. — Não me deixe morrer.

Ele estende a mão e não resisto em pegá-la. Puxo Derek e começamos a correr, sempre com o fogo em nossos calcanhares, enfrentamos uma série de corredores. A dica que posso fazer coisas acontecerem me parece útil agora. Paro por um momento e fecho os olhos, concentrando-me, segundos depois, sinto a primeira gota de chuva.

As chamas parecem ser atrasadas, o que me dá tempo para correr com ele. Não entendo, o medo deveria ter acabado, eu achei uma solução.

Sem ter tempo para pensar, dou de cara com mais chamas quando viro em um dos corredores.

— Não existe saída, meu amor — ele diz, triste, e de repente entendo tudo.

Meu medo é de perdê-lo, não resolvi isso evitando que ele morresse.

— Sabe o que preciso fazer, não é? — digo, com lágrimas nos olhos, mesmo sabendo que é uma simulação. Não tive tempo de dizer adeus ao Derek real, talvez possa fazer com esse. As chamas estão cada vez mais perto. — Vai ficar tudo bem.

Dou um beijo nele, tocando suavemente seus lábios, sem demorar muito, consigo sentir o calor próximo a minha perna. Ele me olha uma última vez e vira de costas, para o fogo, e anda em direção a ele.

A cena muda novamente. Dois.

Dessa vez o chão debaixo dos meus pés é de terra, e, quando olho em volta, vejo que estou numa espécie de floresta. Então sinto algo que me faz voltar a atenção para meus pés. Uma aranha está subindo nele, uma aranha gigantesca.

— Ah não, não! Aranhas não! — reclamo, aterrorizada.

Sempre tive medo de aranhas, mesmo tendo visto poucas delas durante minha vida. Independente do tamanho, uma aranha era sempre uma aranha.

Sacudo o pé e ela sai com bastante facilidade, mas me desequilibro e me apoio numa árvore, que, para meu terror, está com seu tronco revestido de aranhas. Não consigo evitar e solto um grito.

— Não é real, não é real — tento me lembrar.

Saio correndo sem qualquer rumo, mesmo sabendo que isso não vai ajudar em coisa alguma, mas preciso ganhar tempo. Então penso, o que mata aranhas? Fogo. A mesma coisa que tirou Derek de mim. Fecho os olhos e imaginava que, quando abrisse, encontraria as aranhas pegando fogo, mas não foi tão fácil assim.

Olho para uma pilha de aranhas que acaba de surgir na minha frente e bem no meio delas tem um isqueiro.

— Espetacular! — murmuro.

Minhas mãos tremem quando tento me aproximar, e recolho a mesma nas próximas duas tentativas. Na quarta vez tento ir até o fim, mas não alcanço, preciso me aproximar, o que implica em pisar nelas. A primeira me pica e meu corpo todo estremece, mas continuo, já passei por coisas piores.

Sinto muita dor, mas preciso pegar o isqueiro, se não nunca vou passar desse medo.

Finalmente alcanço o objeto, acendo e toco a pequena chama na aranha mais próxima, que incendeia, levando com ela todas as outras da pilha. O fogo, então, se alastra para o resto da floresta. E é uma visão assustadoramente linda, o fogo lambendo tudo. Mas então escurece novamente.

Três.

Dessa vez, a cena começa a clarear gradativamente. Vejo uma silhueta longe de mim, está muito longe, mas parece estar gritando algo para mim. Só ouço partes separadas:

—... Jurou... Não.... Deixaria... Morrerem...

É um homem. Ele se aproxima mais, andando rápido, continua gritando. Quando está próximo o bastante para que eu veja seu rosto, não preciso olhar, ouço sua voz mais claramente e entendo sua frase.

— Oli, você jurou! Disse que eles não ficariam com fome, você prometeu que não os deixaria desprotegidos! Mas deixou eles morrerem!

Oli. Lembrar-me do apelido causa uma dor imensa no peito. Conheço essa voz. A única pessoa que falava desse jeito era meu pai.

Agora consigo ver sua expressão, e é diferente de qualquer coisa que eu tenha presenciado. Meu pai nunca elevou o tom de voz para mim, nem me bateu, ou qualquer coisa do tipo. Ele parece furioso agora.

— Pai... — começo, sem ter certeza do que dizer. Ele morreu quando eu tinha doze anos, e a última coisa que fiz antes de ele morrer foi prometer que não deixaria que meus irmãos e minha mãe morressem.

Olho com terror para ele quando percebo meu medo. Encontrar-me com meu pai depois de ter falhado com a minha promessa, falhado com ele.

— Você deve se juntar a eles — ele diz, com mais raiva, revelando uma faca que não sei de onde saiu, eu não tinha notado.

— Pai, você não... — recuo alguns passos, com as mãos erguidas para que ele não ataque. Mas ele o faz, e saio correndo por impulso.

Passo ruas, que acabo percebendo serem as ruas próximas à fronteira. Ruas pelas quais passeei com meu pai.

Sempre fomos muito pobres, mas, antes de meu pai morrer, morávamos em uma casa bem simples, e meu pai conseguiu alguns empregos ao longo do tempo. Lembro-me claramente que, na próxima rua que vou entrar, foi o lugar onde meu pai me levou pela primeira vez para comprar sorvete, eu devia ter sete anos. E foi uma das poucas vezes em que sobrou um pouquinho de dinheiro para que ele pudesse me dar um presentinho.

E ali está ele. Parado onde compramos aquele sorvete. Era de chocolate. Mas agora ele tem uma faca na mão.

Lembro-me, finalmente, que ele não pode me machucar. E que preciso passar para o próximo medo.

— Não é real, não é real — digo, aproximando-me.

— Eu confiei em você — a simulação do meu pai diz, e mesmo sabendo que é uma simulação, dói muito. — Não podia ter deixado que eles fossem embora, devia tê-los protegido.

— Desculpe — digo. — Não pude fazer nada. Desculpe. Não foi minha culpa.

— A culpa foi apenas sua — ele levanta a faca —, e vai pagar por isso.

Ele mira em meu coração, e abaixa a faca com toda força. Posso sentir a pressão da lâmina. Mas então tudo escurece, e agradeço mentalmente.

Quatro, não posso ter tantos mais.

Quando tudo fica claro novamente, me vejo dentro de um carro. Em movimento. Mas o estranho é que nunca tive medo de dirigir, ou de velocidade, ou de qualquer coisa do tipo.

O carro está andando muito devagar, e observo o que tem ao meu redor. Parece que estou em uma serra, não conheço o lugar, de um lado tem água, do outro um... tem uma coisa vermelha no chão... É lava! Olho para cima e vejo então a fumaça, não estou em uma serra, e sim andando ao redor de um vulcão — se é que isso é possível. Na minha frente só tem uma estrada, e o carro começa a acelerar, como se fugindo da lava.

— Precisa nos salvar.

Dou um grito quando Derek surge ao meu lado, no banco do carona.

— Estamos contando com você.

Eu me sobressalto novamente quando vejo Trevor e Abby no banco de trás.

O carro acelera mais e não faço ideia do que devo fazer, então deixo que continue. Não olho muito para Derek, Abby e Trevor, porque, quando fixo neles, parece que seus rostos se desfiguram um pouco, e é assustador.

Então, depois de uma curva fechada, avisto-a. Tem uma pessoa parada no meio da estrada. E o carro só acelera. De um lado, a lava está invadindo e do outro, ficamos cada vez mais perto da beira do precipício.

Tento frear, mas nada acontece. Quando testo o volante, consigo mover o carro. Coloco a cabeça para fora da janela, mesmo sabendo que é estúpido. Estou numa simulação, mas percebo que é uma criança, e nem em uma simulação consigo pensar em atropelar uma criança.

— Saia daí! Saia! — grito, e me vejo na estrada.

A garota lá parada sou eu, com nove ou dez anos. Volto-me para dentro do carro, com os olhos cheios de lágrimas.

— Precisa escolher, você ou nós — Derek diz, e Abby e Trevor concordam com a cabeça quando olho para eles.

Começo a pensar, com o carro quase na menina — em mim. Passei minha vida toda me sacrificando. Primeiro por meus irmãos, e eles morreram, depois por minha mãe, e ela também está morta. E mesmo depois disso, continuei me sacrificando para dar a eles a vingança. Arrisquei-me por Derek, e ele se foi, tentei ajudar Abby, e ela levou uma bala na cabeça. Trevor ainda está vivo, ou não, e se não estiver deve morrer em breve. Talvez eles estivessem vivos se eu não tivesse me metido em suas vidas. Cansei disso.

Pego no volante e desvio de mim, jogando o carro no precipício, em direção à água. Sinto-me voando e fecho os olhos, e esse medo tenho a certeza de que venci.

Cinco, o medo de ferir as pessoas que eu amo para que eu vivesse.

Abro os olhos, feliz por ter passado por mais um medo, mas me arrependo dessa felicidade precoce. A cena não clareia dessa vez. Não até que algo agarra meu tornozelo.

Grito e vejo uma mão em volta dele. Então a cena fica um pouco mais visível.

Estou em uma pequena elevação de terra e em volta tem um mar de pessoas. Não pessoas qualquer, réplicas dos meus irmãos. Mas se parecem com eles quando estavam morrendo: esqueléticos, medonhos. E eles estão tentando chegar até mim.

Sacudo a perna para me libertar de um deles, mas quando recuo, piso na mão de outro. Entro em pânico.

Olho para frente, em busca de ajuda, mas não tem nada, apenas a escuridão e um mar com meus irmãos. Não sei o que fazer.

Grito cada vez que um deles encosta em mim, e considero ceder para eles.

Suicídio, a resposta me vem subitamente. Foi a coisa em que mais pensei quando perdi toda a minha família, e cheguei a tentar tirar minha vida mais de uma vez, mas a coragem sempre me faltava. O meu medo sempre foi maior.

— Você devia ter nos seguido — eles começam a sussurrar. — Nos seguido.

Começo a chorar descontroladamente, porque os outros medos me permitiram saídas, mas não esse, me sinto aterrorizada, paralisada pelo medo.

— Não é real — sussurro entre as lágrimas —, não pode ser real.

Preciso de soluções, e aqui posso criá-las, mas nada vem a minha mente.

Um deles pega em meu pé e caio, e sou puxada por mais deles, gritando a cada contato. Estou muito próxima de ser puxada, mas não posso deixar isso acontecer. Então me lembro de uma coisa que um dos meus irmãos costumava falar para mim quando nossas barrigas roncavam durante a noite, depois de um dia inteiro onde só comíamos uma parte de um pão.

O otimismo é a ponte que nos leva da tristeza de não ter quase nada para a felicidade de ter alguma coisa.

— Uma ponte — concluo —, preciso de uma ponte.

Consigo me desvencilhar deles e ficar de pé, ao mesmo tempo que uma ponte vai surgindo, como mágica. Passo por ela, olhando para baixo algumas vezes, e pensando em como meus irmãos se sentiram quando estavam morrendo.

Levanto a cabeça quando a primeira lágrima cai, e, em vez de eu ficar na escuridão, tudo clareia.

Seis.

Quando consigo ver alguma coisa, estou de volta à sala de simulação onde Nita aplicou o soro em mim. E Derek está novamente em meus medos, ele está injetando algo em minha veia.

Tento me mover, mas não consigo, a dor em minha perna volta. Tem alguma coisa muito errada.

— Liv — Derek diz, com um sorriso nervoso.

— O que está...?

— Não tenho tempo para explicar, temos que sair daqui.

— Não é real — digo em voz alta —, não é real, não pode ser.

— É real — ele diz me beijando, e não posso duvidar de que esse beijo é real.

— Você... Está... Vivo — digo bem devagar, tentando não surtar.

— Sim — ele diz, me pegando no colo e fazendo que eu grite de dor. — E terei tempo para explicar tudo depois, e ouvir cada indagação sua. Espero que me perdoe.

Ele começa a caminhar comigo e o abraço, chorando baixinho, apertando-me bem junto a ele, torcendo, com cada parte do meu corpo, que isso não seja parte da simulação.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? É, eu sei, eu não consegui matar o Derek de verdade.... Ou talvez seja parte da simulação :v Eu sei que sou má, mas amo vocês!
Espero vocês nos reviews, até o próximo capítulo!
Xoxo



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