A Consciência de Ricky Prosper escrita por Bianca Ribeiro


Capítulo 11
Loyal


Notas iniciais do capítulo

''Well I'm just a slave unto the night...''



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/552493/chapter/11

Esbarro de propósito no ombro do capitão do time de lacrosse.

Sim, de propósito. Ele mereceu. Por culpa desse idiota, estou sendo mandado para a detenção pela terceira vez esse mês e, de acordo com a diretoria, isso é péssimo para meu histórico escolar. Como se eu me importasse.

– Está com algum problema, esquisito? – pergunta o capitão, erguendo o queixo quando olha por cima do ombro para mim.

Afundo as unhas na alça da mochila nas minhas costas. Tenho que me conter para não partir para cima dele.

– Você é o problema – rosno, mas não tenho certeza de que ele escuta.

Um de seus amigos sacode a cabeça e dá um tapa amigável no braço dele. Não sei os nomes de nenhum deles e não me importo em saber.

– Deixe esse trouxa pra lá.

O capitão do time assente de testa franzida e me dá as costas. Ele e os amigos começam a se afastar, conversando sobre movimentos de jogo. Eu, porém, vim atrás dele porque estou mesmo procurando encrenca.

– Ei! – grito, e alguns estudantes que circulam pelo corredor onde estamos param e me olham de canto de olho.

O capitão olha de soslaio para mim por cima do ombro e para de andar.

– O que você quer? – ele grita de volta.

Caminho até ele, apontando o dedo para seu rosto.

– Você e seus amigos de merda picharam o maldito carro da professora Quarella, e colocaram a culpa em mim. Eu bem queria ter feito tudo isso, mas como não fui eu – dou de ombros -, vocês terão que contar a verdade sobre o que fizeram.

O amigo do capitão começa a rir e os outros logo juntam-se a ele. A atenção de todos no corredor está em nós e não sei se isso é algo positivo.

– Ele está falando sério? – pergunta um deles, como se eu não estivesse aqui.

– Cara, vá arrumar o que fazer – diz o capitão, empurrando-me pelo ombro.

Sinto algo queimando por dentro e trinco os dentes.

– Não encoste em mim, idiota.

Ele reage da maneira como eu esperava.

– Não me chame de idiota.

– Ou o quê? – desafio, dando-lhe um empurrão. – Vai correndo chamar seu papai técnico do time para gritar comigo ou pedir para seus amiguinhos imbecis me baterem?

Quase não vejo quando seu punho atinge minha mandíbula. Cambaleio para trás e tento recobrar o equilíbrio. Meu coração martela em meus ouvidos e meus dedos tremem. Faz muito tempo desde que estive em uma boa briga. Avanço sobre o capitão, dando-lhe um gancho de esquerda que o faz cair contra um de seus amigos. Eles rosnam e começam a se aproximar de mim, e um deles me agarra pela gola da jaqueta.

– Você vai apanhar muito, desgraçado.

– Ei, ei! – alguém grita atrás de mim, interferindo na tensão que só cresce.

Os olhos do cara que está me segurando deixam meu rosto e olham para o dono da voz e sua expressão muda. Ele me solta e fecha a cara, como uma criança mimada que acaba de ser repreendida. Olho de relance por cima do ombro e vejo a cabeça loira do novato.

– Ricky Prosper – diz o capitão do time. É medo isso estampado em seu rosto?

– Daniel Jon – diz o novato, amigavelmente. – Deixe o cara em paz. Vocês são cinco e ele é só um.

– Cuide da sua vida – diz o cara que me segurou pela jaqueta, sem muita firmeza na voz.

É estranho que eles temam esse Ricky Prosper. É o terceiro dia do cara aqui e eles simplesmente o obedecem, como se tivessem medo ou respeito excessivo por ele. Mas o que esse novato fez para conseguir isso, afinal?

– Posso cuidar disso sozinho – digo para Ricky Prosper, sem encará-lo.

E é verdade. Eu poderia mandar todos esses panacas para o cemitério sem nem mesmo suar.

O capitão levanta a mão para Prosper, como um sinal de rendição.

– Tá tranquilo – diz. – Precisamos ir ao treino agora.

– Eu disse pra deixar o cara em paz – sussurra um dos amigos dele.

Então eles simplesmente se afastam. Quero me sentir grato pelo gesto do novato, mas não me sinto. Viro-me para ele e trinco os dentes.

– Devia cuidar da sua vida – murmuro.

Ele dá de ombros, confuso.

– Eu só estava tentando ajudar – diz.

– As pessoas fazem sempre tudo o que você pede, cara?

Ele abre a boca para responder, mas hesita e fecha. Uma expressão estranha cruza seu semblante, mas logo desaparece.

– De qualquer forma – digo -, não espere que eu agradeça. Você não me fez favor algum. Eu queria muito bater naquele cara.

O novato ri com sarcasmo.

– Mas você bateu.

– Aquilo? – sacudo a cabeça. – Aquilo não foi nada.

Passo por ele apressadamente e dobro a esquina do corredor. Estou atrasado para a primeira aula de hoje – Francês, creio eu -, mas não quero pensar nisso agora. Preciso arranjar uma maneira de liberar toda essa raiva que sinto e só há um lugar para onde posso ir sem ter que ferir pessoas desnecessariamente.

Pego o elevador para o último andar, onde fica o estúdio de arte e marcenaria. Não é sempre que consigo entrar em brigas que descarreguem toda a minha adrenalina, então tive que encontrar um meio de descontá-la em algo.

Viver no mundo humano é, com certeza, um dos maiores castigos que já recebi e mal posso esperar para que os dias que me cabem aqui nessa terra atrasada terminem. Sou o que em meu mundo chamam de Sombrio – ou criminoso, como dizem na Terra – e a única maneira que encontrei de sobreviver à guerra de lá foi fugindo para essa realidade limitada e frustrante. Fala sério, não posso nem ao menos voar, respirar embaixo d’água ou viajar pelas sombras aqui. Como os humanos suportam uma existência tão tediosa?

As portas do elevador se abrem e eu caminho pisando duro até a última porta do corredor completamente vazio. Todos os estudantes estão nos andares inferiores, assistindo à primeira aula do dia. É segunda-feira e minha grade de horários indica que a primeira aula que tenho é de Educação Física, mas não estou interessado em participar. Na verdade, meu único objetivo é caçar Iluminados e Cinzentos e entregá-los aos outros Sombrios para obter uma gorda recompensa, e minhas fontes me disseram que há rastros deles aqui, numa escola para prodígios. Muito conveniente.

Paro diante da sala onde fica o estúdio de arte. Assim que olho pelo quadrado de vidro da porta, com a mão na maçaneta, e vejo uma garota atrás de um cavalete de tinta, preparando-se para pintar uma tela em branco. Ela está de costas e não vê quando me aproximo.

– Hum... Licença? – murmuro, enfiando as mãos nos bolsos de minha jaqueta. Minha voz estremece de raiva. – Essa sala devia estar vazia agora.

A garota encolhe os ombros e vira-se com uma expressão de desculpas estampada no rosto. Rosto que, inclusive, conheço bem.

– Oh. Lola – digo, surpreso.

– Loyal – ela arqueja, ainda mais surpresa do que eu. Seus cabelos castanhos estão presos, mas algumas mechas escapam do elástico. Seu rosto infantil está pálido e algumas sardas ficam evidentes sobre seu pequeno e delicado nariz. Ela é bonita demais para uma humana.

– Você... – franzo a testa. – Você desenha?

O que está fazendo aqui?, é o que quero perguntar.

– Não – ela ri, dando uma olhada em seu material. – Estou tentando recriar uma obra para a feira de artes. Vale um terço da minha nota.

– Legal – comento.

– Não, não é nada legal – Lola suspira. Algo nela me deixou, de repente, mais calmo. – Mas e você? – ela pergunta. – Veio esculpir?

Há um tom debochado em sua voz que quase me faz sorrir, mas tento me conter. Semana passada, fiz a idiotice de perguntar se Lola iria à festa das garotas mimadas que me queriam trabalhando de graça, e ela interpretou como um convite. Só que eu não estou interessado nela. Mal sei por que perguntei aquilo.

– Na verdade – digo -, estou me escondendo. Não quero ir à aula.

Os olhos de Lola me encaram e ela sabe que contei uma mentira. Geralmente, sou um ótimo mentiroso e um bom enganador, o que condiz com minhas origens. Mas às vezes é tão fácil misturar minha realidade com a dos humanos que fico perdido, agindo como um adolescente normal de dezessete anos. Não devo me esquecer de quem sou. Do monstro que sou. Do monstro que quero continuar a ser.

– Bem – Lola sacode um pincel -, deixarei que fique aqui se prometer não me atrapalhar.

Ela está brincando, isso posso notar. Mas não sei como lidar com Lola. Ela me deixa humano demais, longe demais do que sou e do que sei. O problema é que gosto de ficar olhando para ela, contando quantas expressões seu rosto é capaz de reproduzir e imaginando meus dedos recolocando seus cabelos bagunçados no lugar certo.

A quem quero enganar? Estou interessado nela. É como veneno correndo por minhas veias. Não há como parar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Consciência de Ricky Prosper" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.