Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 25
Capítulo 25




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Eu estava pasma, pálida, sem ar, cansada e em dúvida. Apoiei meu corpo na maca e olhei fixo para lugar algum enquanto tentava processar qualquer coisa. Não podia ser real.

– Doutor, isso é possível?

– É raro, mas é possível – ele podia estar chocado, mas aparentava uma naturalidade acolhedora. – A superfecundação heteropaternal é rara em humanos, mas acontece com frequência com animais. Basta que a mulher produza dois óvulos no mesmo período e que ambos sejam fecundados. Quando isso acontece, ambos os óvulos são fecundados pelo mesmo homem, mas, algumas vezes, no período de vinte e quatro horas, a mulher pode gestar duas crianças, na mesma gravidez, de pais diferentes.

– Eu... meu Deus. Não sei. Isso não podia ter acontecido.

– Estela, você deve ficar tranquila. As crianças precisam que você fique tranquila. Isso você pode resolver depois do nascimento delas...

– Diga-me, o que acha disso tudo?

– Eu?

– Sim.

– Como profissional ou não?

– Ambos.

– Como profissional... natural. É um fato natural, raro, mas natural. Vendo sua aparência – ele falou observando-me. – é de se esperar algo do gênero. Seu corpo claramente responde de forma diferente aos estímulos naturais, como à melanina. Já como pessoa, eu estaria assustado, caso fosse seu marido. Mas acho também natural. Você se surpreenderia com o que acontece durante ultrassons. Já vi maridos negarem o filho por não ser do sexo esperado. Já vi mulheres tão assustadas com a própria gravidez, e já vi jovens, meninas, carregando outras meninas ou meninos no próprio e jovem ventre. Você está em uma ótima fase, o corpo está saudável, responde bem, as crianças crescem sadias e fortes, vão ser lindas. O resto, Estela, é completamente ignorável nesse momento.

Eu agradeci, abracei-o, peguei minha bolsa e saí do consultório. Marquei o jantar com Thomas e Frank em um pequeno restaurante costeiro. Deixei avisado que, caso houvesse o menor sinal de exaltação, jamais me veriam de novo. Ambos concordaram, queriam muito saber quem era o pai da criança. "Não pode adiantar pelo telefone?", perguntaram, mas disse que não, afirmei que não. Não.

Quando Pedro me deixou ali, beijou minha testa e falou para que eu tivesse calma, Thomas e Frank já estavam sentados na mesa reservada. Três lugares no ambiente externo, sobre a água, mais afastado. Poderíamos conversar tranquilamente.

– Boa noite, cavalheiros – falei enquanto avançava suavemente sobre minhas pernas fracas. A barriga parecia muito, muito pesada para mim. Mantive a pose mesmo sobre o salto e sorri. – Como vão?

– Ótimos, obrigado – falou Frank.

– Podemos chegar ao assunto, por favor? – perguntou Thomas em tom suave e aflito. – Eu realmente preciso que você volte para casa.

– Calma, querido.

Sentei, pedi uma taça de vinho, um copo de água e ostras. Os homens já tomavam vinho, e me acompanharam fazendo seus pedidos. Cruzei as pernas, apalpei a barriga suavemente, sentindo-me calma, e dei meu melhor sorriso antes de começar a falar. Eu estava exausta, não dormia bem há algumas noites.

– Então – comecei. – Há bastante coisa para ser discutida. Começaremos pelo resultado. Como vocês podem perceber, não sou uma mulher comum – sorri. – Assim como nasci com a heterocromia e despigmentação natural, as gêmeas são resultado de outro fator raro que aconteceu. Superfecundação heteropaternal.

– Explique, Estela, pelo amor de Deus.

– Uma das meninas é sua, querido – falei sorrindo para Thomas. Ele pareceu entender tudo errado, pois sorriu muito e estava prestes a saltar da cadeira. Continuei com o tom morno e baixo. – Mas a outra menina é de Frank.

– O quê? – o sorriso morreu no mesmo instante. Frank arregalou os olhos brilhantes.

– Uma das meninas é minha?

– Sim. Carrego uma criança de cada um.

– Como... como isso é possível? – perguntou Thomas gaguejando.

– Eu vou ser pai? – perguntou-se Frank.

– Agora, continuando. Como as meninas são dos dois, vocês deverão chegar a um consenso. Temos três opções: eu e Thomas seguiremos o casamento, esquecendo – que isso fique bem, bem claro – tudo que aconteceu e criando as meninas, ou eu e Thomas nos divorciaremos e, consequentemente, as crianças vão ser criadas por Frank e registradas por ele, ou ambas serão criadas por mim e meu irmão, na Austrália. Na última opção, elas não terão pai. Pedro concordou em tratá-las como filhas. Ofereceu-me casa, conforto e cuidado. Por favor, decidam-se.

– O quê? Estela, você não pode nos dar opções tão... tão drásticas e... Meu Deus, Estela! Você quer me matar?

– Bem, eu nunca quis destruir o casamento de vocês – falou Frank triste. – Nunca quis. Eu... eu só... eu poderia vê-las? Eu gostaria de acompanhar o crescimento delas. Como tio... um tio presente? Por favor... Não me excluam agora.

Thomas o olhou com piedade. Parecia ter entendido toda a reação do irmão até agora. Eu também entendi. Ele tinha medo de que, depois de resolvido, eu e Thomas o expulsássemos de nossas vidas como um empecilho superado. Eu jamais seria capaz de superar aquilo. Os olhos verdes, de ambos, eram insuperáveis. Thomas jamais negaria ao irmão o que quer que fosse. Poderia ter raiva, poderia estar furioso, irado, exausto e impaciente... Thomas jamais odiaria o irmão.

– Desde que você seja o tio... perfeitamente – afirmei.

– Frank, eu sempre quis que você acompanhasse o crescimento dos meus filhos, sempre quis que estivesse presente na minha vida. Eu não poderia afastar você delas.

– Tem um porém, queridos. Se eu ver a menor possibilidade de briga por ciúmes, a menor que seja, eu as pego e sumo. Acreditem.

Tomei o último gole da minha taça e comecei a jantar. Eles pareciam ter perdido a fome, mas eu estava faminta. Jantei, peguei minha bolsa, agradeci e me preparei para ir embora.

– Não vai voltar para casa comigo? – perguntou Thomas.

– Agora? Não. Faça a mudança para a nossa nova casa amanhã, nos vemos anoite. Obrigada, cuidem-se.

Cheguei no hotel e Pedro não estava. Desfiz o rabo-de-cavalo dos cabelos e tomei um rápido banho quente. Entrei nos lençóis gelados do hotel e apertei minha barriga suavemente. Queria senti-las. Eu podia sentir elas movimentando-se em mim.

Pedro se despediu de mim e eu fiquei triste. Queria que ele ficasse comigo. Por favor, Pedro, fique, falei. Ele não podia. Tinha responsabilidades com a banda, não podia abandonar a própria vida em prol da minha. Agradeci o tempo que ficou comigo. Ele disse que sempre poderia contar com ele, para que eu ligasse mais, que, caso eu precisasse, poderia sempre pegar o primeiro avião para lá. Ele me acolheria.

Fiquei pensando sobre como ele veio, mas não visitou nossos pais. Eu não sei como eles reagiriam vendo o próprio filho assim: alto, grande, forte, bonito, educado, protetor. Talvez sentissem nojo de si mesmos pelo que fizeram a ele. Talvez perdoassem-no por o que quer que acham que devam perdoar. Eu o perdoaria. Jamais conseguiria odiá-lo por ser quem é, especialmente por ser quem é. Eu jamais poderia machucá-lo.

Uma parte de mim, a parte voraz da quimera louca, estava pronta para fugir. Eu sentia nos meus ossos que não daria certo. Eu devia, devia, devia fugir. Eu me repetia sempre que podia que eu deveria fugir. A outra parte de mim queria paz. Queria uma casa quente e aconchegante onde eu pudesse sentar no sofá e observar minhas filhas brincar. Eu queira vê-las crescer saudáveis e fortes, com um pai presente e sem medos. Eu queria poder tocá-las nos dias frios para esquentá-las e queria poder correr pelo jardim enquanto tentava colocá-las para dentro. Mas a parte cruel de mim dizia que jamais aconteceria. Eu tinha medo de ouvi-la.

Por muito tempo ouvi a parte de mim que dizia que o amor era mentira. Eu via os poetas e não podia acreditar. O que são os poetas senão escritores de ficção e romance? Eu ouvia a parte cruel de mim falando. A outra parte, a parte que ansiava paz e sossego, talvez a parte que me fez ceder ao casamento, falava baixo demais. Era infeliz demais. Enquanto a quimera podia me oferecer felicidade sem precisar de ninguém, a outra só mostrava o que todos já pareciam saber. Eu queria fazer o que quisesse e nunca precisar me preocupar com o amanhã. O amor nos faz fazer planos, eu não podia acreditar no amor.


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Notas finais do capítulo

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