Capítulo 23: Uma série de desgraças

Durante toda aquela noite, a tripulação do Black Pearl foi assolada por aparições fantasmagóricas que revelavam às suas vítimas o lado negro da morte.

A tripulação do Holandês Voador, pelo contrário, não sentiu qualquer efeito porque todos já se encontravam com um pé neste Mundo e outro no Além.

Lara foi a primeira vítima ao "ver-se afogada" nas águas marítimas. Depois de si, toda a tripulação andava atemorizada e já havia quem se tivesse tentado matar. Segundo Jack e Barbossa era esse o objectivo das aparições: tentar ao limite a vítima até esta pôr termo à sua vida.

Ao amanhecer quase ninguém se lembrava da noite horrenda, mas alguns piratas olhavam por cima do ombro à espera de ver uma senhora vestida de preto e com uma foice na mão sorrindo-lhes maliciosamente.

- Estranho. – Comentou Jack ao perscrutar o horizonte com o binóculo. – Está tudo calmo. Demasiado calmo.

Barbossa comandava o timão quando deu um berro, assustando Jack.

- És louco, homem? Queres matar-me de susto? – Jack resmungou.

- Até que não era má ideia! – Barbossa não se riu e apontou para o lado com a cabeça.

Jack olhou e fez uma careta. Calipso encontrava-se de pé tão hirta que fazia lembrar uma estátua de mármore.

- O vosso destino aproxima-se! – Calipso aproximou-se mais e colocou a mão no leme. – Vira tudo para bombordo. O Vértice Temporal encontra-se muito próximo.

- Como é que sabes? – Indagou Jack.

- Meu querido… - Calipso sorriu e aproximou-se Jack. - … esqueceste-te que sou uma deusa que tudo vê e tudo ouve?

- Oh, pensei que a tua vidinha se resumisse a lançar umas patas de caranguejo em cima da mesa! – Jack sorriu de canto.

- Jack, os marujos… - Lara subiu as escadas apressada mas estancou quando viu Calipso. Esta por sua vez olhou Lara de cima a baixo e recuou com ar assustado, deixando Jack, Barbossa e Lara sem reacção.

- Passa-se alguma coisa? – Perguntou Barbossa.

- Nada que o tempo não resolva. – Calipso continuava olhando Lara com ar esquisito. – Mas que pode mudar o destino para sempre!

Calipso deixou os presentes com cara de parvos, mas Alicia cortou o ambiente com os seus habituais ataques de ansiedade.

- Calipso! – Gritou a jovem quando viu a deusa. – Ainda bem que cá está! Preciso que me diga uma coisa!

- No que é que posso ajudar? – Calipso desviou o olhar para Alicia e mostrou-se desinteressada.

- Depois de voltarmos para casa, há alguma maneira de regressarmos ao século XVIII? – Perguntou Alicia ansiosamente.

Calipso olhou melhor para Alicia e depois de pensar e tornar a olhar para Lara outra vez, sorriu de maneira habitual.

- Claro, querida! – Exclamou Calipso. – Mas só se for o teu verdadeiro desejo!

- Claro que é! – Exclamou Alicia. – E o da Lara também, não é?

Alicia fitou Lara e esta demorou a responder. Olhou para Jack e só quando viu este a ter quase um ataque de indignação é que respondeu: - Sim. Eu também gostava de voltar.

- Então só falta saber como! – Alicia voltou-se de novo para Calipso que limpava as unhas.

- Para voltar basta fazer exactamente o mesmo que fizeram para cá chegar! Mas lembrem-se, que se decidirem regressar do futuro, só o podem fazer através do Vértice, e desculpem-me mas depois do que virem não vão querer voltar lá tão cedo!

Todos engoliram em seco. Da maneira que Calipso falava até parecia que rumavam direitos ao inferno.

- O que é que ias a dizer? – Jack virou-se para Lara.

- Olha para a água e já vês! – Exclamou Lara.

Jack olhou e fez uma careta. Nas águas paradas viam-se milhares de peixes mortos.

- Eu disse que a ilha estava próxima. E as aparições e os peixes não vão ser os únicos presságios! – Avisou Calipso, com um ar tão calmo que irritou todos menos Barbossa, que normalmente tinha o mesmo ar calmo no meio de uma catástrofe. Calipso sorriu, estalou os dedos e desapareceu no ar, sem que as raparigas tivessem tempo de perguntar se Elizabeth podia vir com elas.

- Óptimo! Porque é que ela desaparece sempre sem explicar as coisas? – Jack abanou os braços no ar. – Ficamos sem saber o que vamos enfrentar, outra vez.

- Jack, o que quer que seja, só pode ser pior do que isto! – Lara apontou para os peixes mortos e Jack fez beicinho.

- Droga, agora não sabemos se a Lizzie pode vir connosco! – Alicia cruzou os braços desanimada.

- Descanse, senhorita Alicia! A Calipso ainda vai voltar. – Barbossa sorriu para si próprio e Jack rondou-o com cara de caso.

- Andas a esconder alguma coisa, Hector? – Jack perguntou com ar de interrogatório.

- Não, porquê? – Barbossa continuou olhando em frente.

- Porque ultimamente andas muito chegado à Calipso!

- Jack, ela fez com voltasse a viver. É natural que simpatize com Calipso! Além do mais, o melhor é ser bastante simpático com uma deusa. Nunca se sabe o que elas pensam e de um momento para o outro podem te transformar em pó! – Barbossa arregalou os olhos e soltou a típica gargalhada.

Novamente um grito chamou a atenção dos capitães e das raparigas, fazendo-os olhar para o tombadilho.

Raguetti estava encerando o chão quando Elizabeth passou, o que resultou no trambolhão desta e num tornozelo partido.

- RAIOS PARTAM TODOS OS PIRATAS DO MUNDO! – Berrou agarrando-se à perna.

Alicia e Lara desceram, tendo-se colocado ao lado da pirata.

- Xiiii! O negócio é feio! – Comentou Alicia ao olhar para o tornozelo de Elizabeth. Começava a inchar rapidamente e Elizabeth ferrou os lábios para não gritar de dor. Já tinha enfrentado tudo, mas um tornozelo partido era mais doloroso.

- A Elizabeth precisa de imobilizar a perna. – Concluiu Lara. – Precisamos que liberes a tua cama, Jack!

Jack olhou para a lesão de Elizabeth e ficou amuado.

- Se não há outra solução! – Jack encolheu os ombros. – Parece que já não vais para o futuro! – Acrescentou, rindo-se para Elizabeth que o fulminou com os olhos.

Raguetti e Pintel ajudaram Elizabeth a chegar ao quarto.

- Que falta faz um saco de gelo! – Alicia abanou a cabeça.

- O que é que fazemos agora? – Jack colou-se a Lara.

- O que é que fazemos? Ora esperamos que a ilha apareça e que mais ninguém se magoe! – Exclamou Lara.

- Não era a isso que me referia, love! – Jack apontou para o quarto.

- Jack Sparrow, nem por um minuto deixas de pensar em safadezas? – Lara colocou as mãos na cintura e assumiu a posição de uma mulher refilona.

- Adoro quando ficas assim! – Jack sorriu com ar sedutor. Lara tentou não perder a postura autoritária, mas deixou escapar um leve sorriso.

- Se quiserem podes ocupar a minha cama! – Alicia sorriu simpática. - Talvez o Will me deixe dormir no Holandês!

- Aconselho-te uma cana de bambu para conseguires respirar debaixo de água! – Troçou Jack, levando uma calcadela de Lara.

O mastro principal ainda estava e ser remendado devido à grande tempestade e já outro episódio marcava a embarcação. Um estrondo foi ouvido e o navio sacudiu violentamente, deitando os piratas ao chão. De repente, tudo ficou calmo.

- O que foi isto, Jack? – Lara levantou-se a medo e olhou para todos os lados, sendo imitada por todos.

- Batemos num recife? – Jack olhou para Barbossa que se mostrava confuso com a situação.

Muitos ainda se questionavam e já outro abanão fazia o Pearl tombar para os lados como um barco de papel.

- Que não seja o Kraken! Que não seja o Kraken! – Jack andava de um lado para o outro como uma barata procurando um buraco para se esconder.

- Algo está debaixo de nós, mas não me perguntem o que é! – Exclamou Barbossa.

Alicia olhou para Pintel e este estava de joelhos a pedir algo.

- Salva-nos e eu prometo que levarem uma vela da minha altura e da minha grossura até á igreja mais próxima! – Exclamou.

- Não prometas aquilo que não podes cumprir! – Avisou Alicia.

- Deixa fazer o milagre e depois penso nisso! – Exclamou de novo, deixando Alicia com cara de estúpida.

Um dos piratas apontou para bombordo e todos puderam testemunhar uma coluna de nevoeiro se aproximar.

- Ok, o que é que será que está ali dentro? – Perguntou Alicia a Lara.

- Provavelmente o monstro do Lago de Loch Ness. – Lara respondeu sarcasticamente.

Em menos de cinco minutos o Black Pearl tinha sido envolto numa espessa camada de nevoeiro que não deixava ver um palmo á frente.

- Porque é que o teu noivo morto vivo nunca aparece na altura certa? – Perguntou Jack a Alicia.

- Porque o Will não é o salvador do Mundo! – Alicia resmungou.

- Não disseste que ele vem sempre quando tu estás em perigo? – Perguntou Lara.

- Sim. Mas até agora não apareceu. – Alicia constatou ficando desconsolada. Mas um aviso de Gibbs fez com que a esperança voltasse.

- Distingui um navio a estibordo! – Exclamou Gibbs.

- É o Holandês! Tenho a certeza. – Alicia pulou radiante.

Uma hora se passou e o Holandês não aparecia nem o nevoeiro desaparecia, para desespero de Barbossa e Jack. De vez em quando, alguns piratas gritavam dizendo que viam uma proa, uma popa ou a silhueta de mastros no meio do nevoeiro denso.

- Será que está algum navio escondido no nevoeiro e prepara-se para atacar? – Perguntou Lara.

- O que sei até agora é que o Holandês não anda aqui. O Will tem poder para aparecer no Pearl e até agora nada. – Jack mostrava uma ruga de preocupação.

Lara olhou para estibordo e o seu coração gelou. Não houve tempo para mais nada. Quando todos olharam já uma proa avançava prestes a abalroar o navio de velas negras.

Barbossa e Jack correram para o timão e tentaram virar o Pearl, mas o sangue gelou outra vez quando viram que a bombordo, outro navio se aproximava pronto para mandar o Black Pearl para as profundezas.

Os piratas ficaram estáticos e alguns encomendavam já as suas almas, quando Lara berrou a plenos pulmões.

- ISTO NÃO É REAL! – Lara fechou os olhos e cerrou os punhos. Faltavam segundos para o Pearl ser ferido de morte, mas na cabeça de Lara só ocorria uma frase: "Isto não é real".

Da gritaria que se fazia ouvir só restou o silêncio. Lara abriu os olhos lentamente e pensou que já estaria a caminho do Além não fosse a voz de Jack atrás de si.

- Desapareceu! – Jack murmurava atónito. – Desapareceu tudo.

Lara olhou em volta. O navio continuava inteiro, os navios inimigos desapareceram assim como o nevoeiro. O céu não estava azul e sim enevoado com um ligeiro tom alaranjado e o que viram a seguir fazia qualquer um ficar sem pinta de sangue.

O Black Pearl navegava agora por águas calmas mas polvilhadas por carcaças de navios. Tinham ido parar a um cemitério de navios.

- Cuidado para não embatermos. – Jack e Barbossa disseram em uníssono e continuavam agarrados ao timão.

Lara, Alicia e os restantes piratas debruçaram-se no parapeito e olhavam aterrados para o cenário que os envolvia. Navios meio submersos, mastros partidos, velas rasgadas, cascos arrombados. Era uma cena apocalíptica. Para contrastar, o céu ficava cada vez mais alaranjado e uma neblina rondava o ambiente. Lara olhou para o convés de um dos navios e arrepiou-se. Agarrado ao leme meio partido, estava um esqueleto com roupas rasgadas. Um capitão que não abandonou o seu navio, ou um marujo desesperado para sair de lá? Nunca se saberá.

- Olhem! – Alicia apontou para a frente do navio, fazendo todos desviarem as cabeças.

Uma silhueta uniforme começava a formar-se no horizonte. Uma ilha começava a ganhar forma, transformando o cenário. Era diferente de todas as outras. Não tinha árvores e a montanha que se erguia no seu meio era deserta e árida. Não havia dúvidas. Estavam perante a ilha do Vértice Temporal.

- Bem-vinda a casa! – Exclamou Lara.

- Diz antes ao inferno! – Emendou Alicia.

Continua…