A Cela escrita por John


Capítulo 34
V. Corredor




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Após a coleta dos dois prisioneiros, não havia muito o que ser feito. O franciscano, um simples servo daquele imenso prédio, já teve uma reputação maior ao lado do Grande Líder, mas agora, passados centenas de anos, essa estima foi se perdendo e simplesmente foi colocado como supervisor dos andares menos problemáticos; não era um cargo para se orgulhar. Os cargos mais altos, que consistiam nos andares ditos divinos e nos andares extremamente problemáticos, eram dados somente aos grandes seguidores do Grande Líder, que formavam o seu círculo de conversa e ditavam as ordens no imenso complexo de celas. Com o Líder e os seus seguidores, não havia mais nenhum cargo que de alguma forma exercesse influência no prédio, e o Franciscano - chamo-o assim, pois de fato não tinha nome - não podia fazer mais nada a não ser obedecer e cuidar de seus deveres, do jeito que achasse melhor.

Algumas coisas são primordiais, como a existência de um imenso escuro que sustenta diversos agrupamentos de galáxias ou até mesmo coisas mais simples, como uma divindade. Como todas as coisas primordiais, coisas que sempre estiveram e sempre estarão ali, o prédio, como muitos outros idênticos em forma, funcionava como uma delas e tinha um papel importante no ciclo de fim e continuação dos seres que faziam parte do específico quadrante de um pequeno planeta azul. Para os que moraram nele, poderia ser denominado um céu, já para outros um inferno; isso depende de um ponto de vista.

Enquanto ocorria essa breve e infortuna tentativa de explicação, o ser sem rosto próprio semelhante a um franciscano, que tinha um semblante sério e nervoso para alguém com uma vida eterna, percorria os corredores mais abaixo daqueles em que inicialmente se encontravam os dois protagonistas. Quanto mais abaixo se percorria, mais a culpa daqueles que o habitavam crescia, e na mesma proporção, causava certo nervosismo naqueles que tinham de percorrê-lo.

A primeira cela mostrada era uma exceção em comparação às demais. Tinha como única vista uma parede; as celas vizinhas um espaçamento bastante abrangente em relação a outra e a vantagem de seus ocupantes poderem passear por um determinado perímetro do corredor. Já nos corredores mais distantes, infinitos para uma mente humana, essas celas se tornavam numerosas e o espaçamento entre elas mínimo. Enquanto o franciscano percorria esse lugar, passava por incontáveis portas de diferentes formas e tamanhos em ambos os lados do corredor, algumas delas com uma aparência horrenda o suficiente para indicar quem permanecia naquele recinto, sem a necessidade de constatar o fichário; a permanência de um ser ruim contaminava o recinto e por consequente a porta, único meio para o externo do corredor. Eram muitas as portas podres e o franciscano se perguntava se não havia uma única sequer digna de algum respeito, mas ao mesmo tempo em que parecia ser irônico, encarava aquilo com certo pavor.

Aquele ser já percorreu a maioria, se não todos aqueles patamares, mas certo receio sempre tomava conta quando tinha de percorrer os mais inferiores, os mesmos que faziam a fronteira com os extremamente problemáticos. No momento em que retornava ao passado de Victor e Alexei, tinha de ser obrigado a novamente percorrer esses, já que os dois se encontravam em portas que mostravam passados fétidos e culposos. A ordem dada ao ser de capuz quando este foi declarado responsável pelo local era clara: Se o objetivo é ensinar o culpado, mesmo que seja necessário mostrar repetidas vezes o seu passado, nenhuma alternativa deve ser descartada até que ele aprenda e possa finalmente viver em um patamar pacífico.

No momento em que o abade lembrava essa incontestável ordem, ele se deparava com a ultima porta do corredor, que não ficava no lado esquerdo ou direito, mas sim no meio dele, dando fim à passagem e como um ancião que enxerga a sua família na cadeira principal, enxergava todas as outras portas do extenso corredor. Ao encarar por fim essa porta, ele estagnou.

– Essa, além de outras tantas, só mostram um pequeno passado – comentou melancolicamente o Abade encarando a porta podre, ignorando o fichário ao lado – Só isso, um pequeno passado, encoberto por outros tantos mais relevantes; creio que valerá a pena levar essa alma para um patamar melhor, o mesmo vale para o garoto que vinha com ele.

Terminando esse comentário e ignorando toda a pressão que parecia vir de suas costas, ocasionada talvez pelo medo, entrou na feia e última porta do corredor para o que se mostrava ser o passado de nosso principal protagonista. Sua posição ali era necessária: sem uma coordenação, o passado, um simples pedaço de uma linha, não passaria de um pedaço no espaço jogado a esmo, sem uma utilidade significativa a não ser uma poeira em vez de um ensinamento para aquele que um dia fez parte disso; o mesmo valia para outros passados, normalmente utilizados como ensinamentos, ou muitas vezes, como castigos.


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