A Cela escrita por John


Capítulo 27
VI. Além da copa das árvores




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– Mas por que caçar logo de manhã Sr Fiódor? Além disso, o que exatamente você caça aqui? - perguntava Alexei de uma forma que chegava ao infantil enquanto caminhava ao lado do velho, já distantes da casa. Não era o caminho que tinham vindo para a casa que percorriam, mas um terreno sem caminho algum, que ficava no outro lado da casa, seguindo outras florestas. Para o velho, aquela era uma boa região, justamente por não haver nenhuma interferência humana e a vida ali ser praticamente a mesma desde que o primeiro homem saia de regiões africanas em direção a outras regiões do globo.

– Gosto dessa hora do dia; mas fora isso, a vida em si acorda essa hora. Quanto a segunda pergunta, eu procuro por renas, há tantas nesse vale que a falta de uma acaba não fazendo nenhuma diferença. Muitas das coisas que tenho em minha casa são feitas delas, como esse casaco - disse ajeitando com o orgulho o próprio casaco. Atrás do casaco, havia um rifle e alguns utensílios de caça. - E acima de tudo, elas duram muito. Por que me olha assim? Uma coisa esta na caça por sobrevivência e outra o esporte, como fazem alguns em que a vida foi privilegiada em nossa Rússia. Já vi dessas pessoas que caçam por esporte, só resumo que acho elas ridículas, pois não possuem nenhum tipo de respeito pela consequência, e acabam nem mesmo aproveitando aquilo que atiram - dizia o velho olhando distante e de modo meio simplório, da mesma forma que na vinda a casa, mas dessa vez andavam lado a lado.

– Só há renas aqui? - perguntava Alexei enquanto caminhava, carregando em um dos ombros uma mochila que o velho pediu para segurar.

– Claro que não há só renas, só as mencionei por elas durarem muito, mas sempre que acho uma, boto ela nesse trenó - disse apontando o nariz para o trenó, que o seguia atrás, mas dessa vez com um cão não sonolento, mas ao contrário, muito desperto e agitado, correndo e ziguezagueando os dois passantes. - E na volta - continuou ele - eu coleto algumas cascas de árvore e ervas, além dos peixes em um dos lagos próximos, que por sinal são muito bons, você deveria provar.

Alexei não se limitou a responder, e os dois caminhavam na neve fofa em silêncio, quebrado somente pelos ventos fortes que floresciam das encostas próximas, mas ainda assim, sem nenhum sinal de um sol que todos os dias ronda a terra, na teoria, parecendo deixar de lado aquela região e no seu lugar botar como um céu um cenário cinza e tomado por constantes tempestades de neve naquele mês de fevereiro. O inverno já estava no seu último mês, mas parecia atuar como no primeiro, e os sinais de um verão próximo pareciam não chegar em lugar algum, não ali.

– Hm... esta nevando de novo, mas veja pelo lado bom garoto: pelo menos não estamos no norte! - dizia o velho espontaneamente tentando quebrar o silêncio e a sombra que tomou o rosto de Alexei. De fato, aquela região não ficava na parte norte da Rússia, mas sim em uma região quase central, mas o motivo da animação era não ter um inverno pior do que aquele em que se encontravam, um inverno eterno e extremo, que não dava trégua a nada e a ninguém.

– Você consegue ouvir isso? - dizia Alexei, parando subitamente. Logo após isso o velho também parou, e o cachorro, que estava a uma boa distância a frente dos dois, retornava aos poucos, para perto do grupo. O som vinha de algum lugar muito além da floresta em que caminhavam, e em parte era abafado pelos ventos fortes, mas ainda assim trazidos pelos mesmos em quilômetros de distância.

– Parecem veículos... mas eu não diria que são veículos civis, pois é um som mais brusco e maciço, e parecem se mover em comboios - afirmava o velho, ainda parado, ouvindo atentamente o som que lhe era proposto muito além das copas das árvores.

– Não posso dizer com clareza, mas acho que esse som vem do exército; parece que o Kremlin não esta indo muito bem no oriente [14] - terminou o velho, fazendo um sinal brusco em sua caminhada que indicava o assunto como morto, e ambos continuaram a caminhada pela floresta adentro, dessa vez acompanhados pelos sons de veículos militares, que pareciam bem próximo dos dois, como se atrás de cada árvore pudesse sair um soldado ou um tanque de guerra. Mas os sons eram isolados, tanto rápido como vinham, rápido iam embora, e assim era o ciclo.

– Nákaniets, my prihódim[15] - disse vagamente, parecendo buscar silêncio, o velho, que buscava algum canto nas árvores para se alojar temporariamente. No local, a vista dava para um campo, e no lugar em que estavam parecia ser um pequeno monte. Vendo algumas marcas nas árvores, Alexei comprovou que ele já tinha vindo ali mais de uma vez.

– Agora, é só esperar eles aparecerem. Espero que o barulho que ouvimos não os tenham assustado, e se assustou, sorte deles - comentou o velho que já havia se escorado em uma árvore e olhava para o campo aberto em sua frente. O cão fez o mesmo, mas logo depois se levantou para passear entre as árvores próximas.

– Então é basicamente isso? Sentar e esperar? - perguntou Alexei, em um tom que chegava a uma indignação.

– Basicamente isso, sentar e esperar - imitava o velho, que escorava o rifle no colo e de certa forma conseguia descansar no meio de toda aquela neve, e foi o que fez. Alexei sem buscar uma discussão, se escorou em uma árvore próxima imitando o velho, e esperou, mas sem nenhum tipo de arma, naquele tronco.

– Bem que podíamos fazer uma fogueira - comentou Alexei depois de um tempo. O frio nessas horas acabava pensando por ele.

– Não, alguns seres dessa floresta acabam sendo atraídos por fogo, incluindo seres que pensam, e não é o que queremos - concluiu melancolicamente o velho, atento ao campo em sua frente.

Alexei nada disse, talvez porque não quisesse uma resposta para aquilo, e uma das razões mais obvias era o medo, o medo de haver alguma coisa além daquilo que ele não podia enxergar, o medo humano mais primitivo. O escuro e a ignorância são os medos primários na formação da mente humana, sendo que um é uma causa natural, enquanto o outro é uma consequência da falta de conhecimento da primeira, mas não necessariamente só dessa. Era isso que se passava na mente do jovem, um medo que incluía o lugar isolado onde se encontrava e ter como única pessoa confiável um velho camponês.

– Há! Já estava na hora - comentou animadamente o velho, que de prontidão preparava o rifle e mirava a uma distância considerável, com ajuda de uma luneta pregada na parte de cima de sua base, e em cima do morrinho, o tiro ecoou por muitos quilômetros, primeiro como um sopro, e alguns milésimos de segundo depois como um trovão.


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Notas finais do capítulo

[14] Aqui o senhor faz referência a campanha soviética no Afeganistão e a ironiza.
[15] Finalmente, nós chegamos.



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