A campainha tocou, o Enzo foi atender a porta, sentei na cama tentando me lembrar do que exatamente tinha acontecido no beco, até onde o cara de azul chegou, olhei dentro do moletom, meu sutiã era o mesmo que eu havia colocado de manhã antes de ir a escola, a calcinha também, então talvez o Enzo tenha conseguido tirá-lo de cima de mim assim que eu desmaiei, eu estava me sentindo um lixo, eu tinha que ir pra casa tomar banho o mais rápido possível, olhei ao redor procurando minha bolsa, ela estava na cadeira da escrivaninha do Enzo, Peguei meu celular e voltei para a cama, já passavam das duas da manhã e o Enzo estava acordado, “cuidando de mim”, eu me sentia um estorvo novamente, o motivo pelo qual eu havia deixado meus pais, a garota que ele tinha salvado por obrigação moral, não que fosse ruim, pelo contrário, era bom, se ele não tivesse me salvado sabe-se lá onde e como eu estaria agora, mas me fazia sentir mal, ele havia se machucado, com certeza, ele faria isso por outra pessoa, eu não era especial, nem para os meus pais eu era especial, eles sempre gostaram mais da minha irmã mais velha, nem ligaram quando eu resolvi me tornar emancipada e saí do país, nem falavam mais comigo, Minha irmã, Tuyla, ainda me ligava de vez em quando, mas nunca conversava direito comigo, ela dizia que se sentia culpada por nossos pais me tratarem daquele jeito. O Enzo era legal com todo mundo, ele podia simplesmente ter chamado a polícia, eles veriam o que fazer comigo depois que eu acordasse em uma cama no hospital publico mais próximo, mas ao invés disso ele lutou por mim, como faria por qualquer um, me levou pra casa dele, e estava disposto a perder horas de sono por minha causa, ele devia está morrendo de sono… Mas.. Quem faria uma visita a ele as duas da manhã?

A Senhorita Yuuko abriu a porta falando que o Enzo se preocupava demais, ela não tinha nada pra fazer no dia seguinte e não ia conseguir dormir até saber como eu estava, lá estava eu sendo um estorvo pra outra pessoa, ela estava com uma cestinha que colocou no chão perto da cama e sentou ao meu lado, perguntou como eu estava e respondi a ela a mesma coisa que havia respondido ao Enzo, menos a parte que eu perguntei como eu havia chegado na cada dele, eu já sabia, ela pegou a cesta, tirou um bolinho de dentro e me deu, ela disse que quando pensamentos ruins me viessem a mente aquele bolinho poderia adoçar minha vida, ela sorriu pra mim e deu um bolinho pro Enzo também, como recompensa por ele ter me ajudado, ele sorriu e foi pegar chá para nós, antes dele ir eu falei que deveria ir pra casa, estava dando muito trabalho para ele, mas acho que ele não ouviu porque saiu e foi pegar o chá. A senhorita Yuuko me olhou nos olhos, séria, e disse que eu não estava dando trabalho a ninguém, que se me ajudar desse trabalho ele teria se livrado da responsabilidade no primeiro momento, ele teria feito com muitos outros que passaram pelo beco, ele teria ignorado meus gritos. Ela não sabia que nem tinha ouvido meus gritos, que eu já havia desistido de lutar contra meu agressor e que aquele gato maldito que tinha me colocado naquela enrascada também tinha salvo minha vida, no momento não que se eu visse aquele gato novamente eu não sabia se eu o chutaria ou se eu o acariciaria, a única coisa que eu sabia era que se outro gato com heterocromia chegasse perto do mim eu fugiria, não importa se ele tinha um olho azul e um roxo, ou um azul e um verde, ou um amarelo e um laranja, heterocromia em gatos ia me apavorar por um bom tempo.

Quando o Enzo voltou eu e a senhorita Yuuko estávamos falando sobre os gatos dela, ela disse que sempre eu quisesse falar com os gatinhos eu poderia ir na casa dela, com certeza eu não recusaria visitá-la, mesmo que ela não tivesse gatos, iria na casa dela só pelo fato de achar ela linda, a casa, não que a senhorita Yuuko não fosse bonita, ela disse que eu podia chamá-la só de Yuuko, mas eu não conseguia, pelo menos era melhor do que chamá-la de tia Yuuko. O Enzo disse que também gostava de gatos e a senhorita Yuuko convidou ele pra visitar ela e os gatinhos também.

Depois de umas mil xícaras de chá e umas duzentas idas ao banheiro, finalmente amanheceu, nós nos despedimos e fui pra casa onde tomei banho e fui para cama, isso já devia ser umas nove da manhã, eu tentei dormir, e quando, por fim, consegui já era quase meio-dia, e tive a infelicidade de sonhar com aquele gato, só que no meu sonho ele falava, não só falava como ria de mim, na verdade eu não vi pessoas no sonho, além de mim, só tinha ele, que sonho estranho.. Acordei às duas da tarde com o Enzo batendo na minha porta, convidei ele pra entrar e a gente ficou assistindo televisão, tava passando um filme sobre uma garota da cidade que vai morar com o tio no interior e lá descobre como a vida é linda, a natureza é bela e como os garotos do interior podem ser mais idiotas que os cavalos que eles montam. Depois da noite passada devo ter criado uma ligação bem forte com o Enzo, se a Emily soubesse disso eu estaria morta, ela gosta dele, deve ter sido por isso que ela não me ajudou, porque eu mesmo não falando com ninguém na escola, eu falava mais com ele do que ela, e ela, com certeza, não gostava disso, bem, a culpa não era minha se eu morava no mesmo prédio e andar que ele, se saiamos quase todos os dias na mesma hora e íamos andando juntos para a escola, não tínhamos que conversar mas era melhor do que ir sozinha pra escola. A Emily era da mesma sala que o Enzo, ela era ruiva, alta, tinha cabelo cacheado e curto, e sempre usava saias de menos de um palmo de comprimento para ir a escola, mas ninguém a xingava, ela era a líder, ela xingava as pessoas.

O Enzo foi pra casa eram quase oito da noite, eu cozinhei para ele, para agradecer a ele por ter me salvado, chamei a Senhorita Yuuko também, mas ela havia ido levar um dos gatos pro veterinário, amanhã depois da escola eu vou até a casa dela agradecer.